“A justiça não só é possível, como também é essencial para a paz, o desenvolvimento e a estabilidade nas nossas vidas cotidianas”, afirma o Presidente do Tribunal Penal Internacional

Entrevista com o Presidente do Tribunal Penal Internacional,TPI, Chile Eboe-Osuji.
Recentemente, a ONU inquiriu mais de um milhão de pessoas para ouvir as suas opiniões sobre “o futuro que queremos”. A esmagadora maioria dos inquiridos referiu a necessidade de construir um mundo mais pacífico e justo, e apelou à cooperação internacional para alcançar estes objetivos.
Uma das instituições que personifica essa cooperação é o TPI, que promove o inquérito e o julgamento de pessoas por genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e o crime de agressão, e põe em prática o objetivo de desenvolvimento sustentável 16 da ONU, ODS 16, – Paz e Justiça – na sua atividade diária. A ONU News perguntou ao juiz Chile Eboe-Osuji se a paz duradoura e a justiça constituem objetivos realistas no mundo de hoje.
O TPI contribui para “o futuro que queremos” ao combater os crimes que ameaçam a paz, a segurança e o bem-estar do mundo: o genocídio, os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade e o crime de agressão. Lutamos por um mundo onde a prática impune desses crimes atrozes já não seja tolerada.
Ao ajudar a dissuadir a prática de crimes atrozes, o TPI contribui para a redução da violência e das consequentes mortes, que constitui o primeiro objetivo do ODS 16. Ao promover a responsabilização nos casos em que os sistemas judiciais nacionais não conseguem fazê-lo, o TPI está a reforçar o princípio do Estado de Direito e a garantir às vítimas o acesso à justiça, que são metas fundamentais do ODS 16. O sistema do TPI estimula a capacitação das instituições judiciais nacionais – outra meta do ODS 16.
Sem justiça, imperariam os conflitos, as atrocidades e o medo.
O TPI contribui de forma muito direta para o desenvolvimento socioeconômico, na medida em que visa dissuadir os conflitos armados e as atrocidades que os mesmos geram. Sem justiça, imperariam os conflitos, as atrocidades e o medo.
Em outras palavras: como podemos assegurar o desenvolvimento socioeconômico quando os agricultores não podem visitar as suas plantações devido às operações militares, ou às minas? Quando empresários não podem fazer negócios devido à destruição das infraestruturas econômicas? Quando as crianças não podem ir à escola? Quando preciosos recursos são gastos em armas, em vez da educação e dos cuidados de saúde? Quando os investidores são afugentados pelo conflito e pela instabilidade? Quando pessoas são mortas ou feridas, ou ficam traumatizadas para o resto da vida? Quando os melhores cérebros da nação se veem obrigados a fugir em busca de uma vida mais segura noutro lugar? E quando os países se debatem com fluxos de refugiados provenientes de países vizinhos em guerra?
Nunca é demais referir o efeito arrasador das guerras sobre o desenvolvimento econômico. De acordo com um estudo publicado em 2011, pelo Banco Mundial, o custo médio de uma guerra civil equivale a mais de 30 anos de crescimento do PIB para uma economia média em desenvolvimento, e os níveis das trocas comerciais demoram 20 anos a recuperar após episódios graves de violência.
O impacto é mais sentido nas comunidades afetadas. O TPI tem garantido às vítimas oportunidades sem precedentes de acesso à justiça – um dos aspectos-chave do ODS 16. As vítimas recebem assistência jurídica gratuita e têm direito a requerer a reparação dos danos sofridos. Esta ênfase na justiça reparadora constitui um dos aspetos distintivos dos procedimentos do TPI. O Fundo a Favor das Vítimas do TPI está atualmente a concretizar as primeiras ordens judiciais de reparação do Tribunal. Além disso, o Fundo tem prestado apoio à reabilitação física e psicológica, bem como apoio socioeconômico, a quase meio milhão de vítimas, através dos seus programas de assistência.
Numa perspectiva global, o TPI tem reduzido o peso da tirania no mundo contemporâneo. Hoje em dia, os opressores já não podem ter a certeza de que não responderão pelos seus atos de crueldade. As vítimas têm agora um lugar onde se podem dirigir na esperança de obter justiça. E os opressores terão sempre de se preocupar com o que o TPI poderá fazer, mais cedo ou mais tarde.
Outro efeito significativo consiste no impacto sobre os sistemas jurídicos nacionais. Um elevadíssimo número de Estados-Partes no Estatuto de Roma atualizou a sua legislação interna para permitir aos seus próprios tribunais promover a ação penal contra atos de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.
Um dos maiores desafios consiste no fato de não contar com a participação de todos os Estados. Apesar de quase dois terços dos Estados soberanos do mundo serem Estados-Partes do TPI, cerca de 70 Estados-Membros da ONU ainda não aderiram ao Estatuto de Roma nem assumiram o compromisso de cooperar com o Tribunal. Ainda mais preocupante é, contudo, o facto de alguns Estados estarem ativamente a comprometer o trabalho do TPI, como é o caso mais recente dos Estados Unidos, que aplicaram medidas draconianas contra o TPI e os seus funcionários, incluindo coerção econômica, com vista a influenciar a atividade do Tribunal. Isto é totalmente inaceitável e tem de acabar. Estou grato pelo forte apoio que, em face destes ataques, temos observado por parte dos nossos Estados-Partes, de organizações regionais, de associações profissionais, da sociedade civil e de cidadãos (incluindo cidadãos americanos).
Qualquer pessoa pode ajudar o Tribunal exercendo pressão democrática sobre os seus Governos para que o apoiem. Se o vosso país ainda não aderiu ao Estatuto de Roma, podem mobilizar-se para incitar o vosso Governo a aderir e, assim, reforçar a justiça internacional. As pessoas também podem ajudar a promover a sensibilização sobre o Tribunal, por exemplo nas redes sociais. Podem, ainda, fazer donativos para o Fundo a Favor das Vítimas do TPI.
Juntos, podemos construir um mundo mais justo ao unirmos as nossas forças no combate à impunidade por estes crimes atrozes.
*Tradução: Tribunal Penal Internacional.