Especial: Inspirados em Vieira de Mello voluntários distribuem ajuda humanitária no Rio de Janeiro
Grupo, liderado por sobrinho do ex-chefe da Missão da ONU, morto em Bagdá em 2003, já entregou 25 mil refeições na cidade brasileira desde o início da pandemia; André Simões conta que a cada contato com os beneficiados, ele revive os ideais do ex-funcionário das Nações Unidas.*
Neste Dia Mundial Humanitário, a ONU ressalta o trabalho de verdadeiros heróis anônimos que se dedicam a combater a pandemia da Covid-19.
Muitos trabalhadores considerados essenciais enfrentam perigos diários para socorrer quem precisa de ajuda nesse momento de crise global.

Moradores de rua
A emergência também criou oportunidades para quem quer ajudar. Essa é a história de um grupo de voluntários, no Rio de Janeiro, que já distribuiu mais de 25 mil refeições para moradores de rua com o Projeto sem Fome, desde o início da pandemia.
A organização não-governamental é apoiada pela Fundação Sergio Vieira de Mello e liderada por André Simões, o afilhado e único sobrinho de Vieira de Mello, que morreu há 17 anos durante o ataque terrorista à sede da ONU em Bagdá, no Iraque.
O Dia Mundial Humanitário foi criado em tributo aos 22 trabalhadores das Nações Unidas assassinados naquele atentado em 19 de agosto de 2003.
Nesta entrevista à ONU News, André Simões conta que a iniciativa surgiu após ele atender a um morador de rua no centro do Rio. Com a pandemia, o local repleto de lojas e restaurantes, ficou quase deserto, agravando a situação dos grupos vulneráveis. Simões lembra que foi naquele instante, que ele “reviveu a paixão” do tio-padrinho pelo trabalho humanitário.
Mutirão
“Nessa pandemia tive a oportunidade e colocar em prática todos os ensinamentos do Sergio: que as pessoas precisam de você. Precisam que você esteja lá, exposto ao perigo, para ajudar com o que você sabe fazer. Aqui nas ruas desertas do Rio de Janeiro há muitos moradores de rua sem ter o que comer. E reuni uns amigos no Projeto sem Fome.”
André Simões ressalta que “tudo começou com a doação de um pão com margarina e um café” perto de um terminal rodoviário no Rio, quando ele se deparou com uma pessoa com fome. Ao chegar em casa, ligou para alguns amigos, contou o que viu e pediu ajuda. No dia seguinte, voltou ao local com 10 refeições. O mutirão cresceu e ganhou o apoio da Fundação Sergio Vieira de Mello, presidida pela esposa do ex-funcionário da ONU, Annie Vieira de Mello.
Um dos parceiros é o bancário Rogério Pessoa, do BTG Pactual, que explica como decidiu aderir ao Projeto Sem Fome.
“É um projeto extremamente sério que está realizando um trabalho extremamente importante no Rio de Janeiro e, diariamente, está dando ajuda a quem precisa. Fizemos um investimento que contribuiu com mais de 18 mil refeições para serem distribuídas para moradores de ruas sendo entregues 200 marmitas por dia. O apoio da Fundação Sergio Vieira de Mello foi fundamental nesse processo nos deu muito orgulho estar juntos dessa iniciativa.”

E a iniciativa vem crescendo a cada dia com o incentivo de novos aliados, voluntários e o reforço das redes sociais.
Crises humanitárias
Hoje, um galpão na Zona Portuária do Rio de Janeiro armazena refeições, doação de embalagens, um caminhão de comida que prepara alimentos, e concentra os voluntários do Projeto, que inclui o grupo de ação social, Bees of Love, liderado por Georgia Buffara.
“O que é o mundo se não dar as mãos um para o outro? E um os maiores exemplos brasileiros é o Sergio. Sergio Vieira de Mello que ficou demarcado, para quem conhece e para quem é envolvido em crises humanitárias, é um grande exemplo para todos nós. Com a pandemia, o Instituto Bees of Love resolveu abraçar o Projeto sem Fome quando o André resolveu montar. De uma maneira linda fizemos a parceria. A crise humanitária onde todas as pessoas se fecham, e o Sergio nos ensinou que temos que ir para a rua de coração aberto e isso foi feito, maravilhosamente, representando esse Projeto sem Fome. Juntos, fomos para a rua.”
Operações de Paz
E uma nova adesão são os integrantes do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil Sergio Vieira de Mello. A instituição forma boinas-azuis para atuar nos contigentes brasileiros na ONU. Uma das participantes é Jaceline Lucas, que juntou-se ao Projeto sem Fome para socorrer os moradores de rua nesse momento de Covid-19.
“Fui durante oito anos sargento temporária, peacekeeper, e trabalhei em ações humanitárias dentro do Ccopab (Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil). E nessa pandemia já conheci o André, sobrinho do Sergio. Viemos para as ruas ajudar nossa cidade, o Rio de Janeiro, a combater a fome. Fizemos o projeto livro, que ainda está em andamento, Acredito sempre que juntos somos fortes e aprendemos muito com as ações do Sergio. Esse é o legado que ele nos deixou.”
André Simões diz que apesar de o Projeto começar com a distribuição de comida para a população carente por causa da pandemia, a ação humanitária está se alargando.

Com a chegada do inverno no Brasil, o Projeto começou a distribuir agasalhos e cobertores que são doados pelos parceiros no país e pela Fundação Vieira de Mello, na Europa.
O movimento de solidariedade também quer alcançar jovens que perderam seus empregos e outras pessoas sem uma fonte de renda por causa da pandemia.
Pelas ruas do Rio
André Simões afirma que é o legado do tio, que sempre trabalhou com ajuda humanitária fora do Brasil, que o motiva a sair todos os dias pelas ruas do Rio para socorrer a quem precisa.
“Muito gratificante você poder alimentar quem passa fome e quem passa frio. O trabalhador humanitário é fundamental nesse momento que o mundo passa.”
As ações nos direitos humanos fazem parte do legado de 34 anos de Sergio Vieira de Mello, que também foi alto comissário da ONU dessa área em 2002.
Compromisso
E da terrível tragédia que ceifou 22 vidas no Hotel Canal em Bagdá, no Iraque, nascem a esperança e o compromisso de mais uma iniciativa de ajuda humanitária.
E até hoje, André Simões lembra a ligação do governo brasileiro naquela tarde sombria de 19 de agosto de 2003, informando sobre a morte do tio. Ele conta que reagiu à notícia em choque com uma pergunta: “Como assim?! Sergio não morre.”
Neste agosto de 2020, e 17 anos depois daquela ligação, André se certifica no rosto de cada morador de rua e de cada jovem carente atendidos pelo Projeto sem Fome, que Sergio “continua mesmo vivo”...
*Da ONU News com reportagem de Eleutério Guevane e Alexandre Soares, Monica Grayley.