Diretora de Saneamento para Todos diz que privatização precisa de regulação
Em entrevista à ONU News, a primeira relatora da ONU sobre direitos humanos à água e ao saneamento Catarina de Albuquerque afirma que regular os serviços garante qualidade, prestação de contas e continuidade.
A pandemia da Covid-19 expôs a urgência no fornecimento e acesso de água e saneamento básico para todos. A declaração é do relator especial* da ONU sobre os direitos humanos à água e ao saneamento básico, Léo Heller.
Na semana passada, ele comemorou os 10 anos da declaração da Assembleia Geral sobre o acesso universal aos serviços, que é também um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o de número 6.
Marco zero
Quanto à participação do setor privado, quanto à privatização, eu costumo dizer que os direitos humanos são agnósticos quanto à forma de prestação de serviços
A ONU News conversou com a primeira relatora das Nações Unidas para o tema, Catarina de Albuquerque. Ela dirige a iniciativa Saneamento para Todos no Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef.
Segundo ela, a privatização de serviços de água e saneamento, como o marco zero do saneamento, deve ser acompanhada de um robusto aparelho de regulação.
“Quanto à participação do setor privado, quanto à privatização, eu costumo dizer que os direitos humanos são agnósticos quanto à forma de prestação de serviços. É verdade, e eu muitas vezes, dou o exemplo da alimentação, ou saúde, da educação, em que o setor privado está a par da iniciativa pública ou dos serviços públicos. É verdade que no caso da água e saneamento, as coisas são um pouco diferentes porque estamos a falar de um monopólio natural, não é? Especialmente se vivemos em cidades é um complicado haver um plano B para quem não tem direito.”
Sistema eficiente
Em todo o mundo, 2,2 bilhões de pessoas vivem sem acesso à água e 4,2 bilhões não têm saneamento básico. A especialista afirma que para que os direitos humanos sejam respeitados, a “abertura do serviço ao setor privado tem que ser acompanhada de uma forte regulação com reguladores independentes e que tenham poder de decisão”.
Catarina de Albuquerque contou que, quando era relatora da ONU, conversou com vários reguladores que não tinham “poderes na prática”, mas somente na lei. Para ela, uma regulação forte é uma obrigação dos Estados com a sociedade. A advogada portuguesa cita um exemplo de sistema eficiente com a receita de seu próprio país.
Em Portugal, a abertura do mercado ao setor privado foi acompanhada da criação de um regulador independente com plenos poderes e com muitos recursos
“Eu sou portuguesa. Por exemplo, Em Portugal, a abertura do mercado ao setor privado foi acompanhada da criação de um regulador independente com plenos poderes e com muitos recursos. Para garantir a sua independência, por exemplo, os seus recursos provêm de uma percentagem da receita de todos os operadores. É uma forma de garantir a entrada de recursos para o regulador para permitir não só monitorar como também penalizar todos os operadores que não estão cumprindo com os critérios normativos do direito humano à água e ao saneamento. Nomeadamente, a qualidade, a assiduidade financeira e a assiduidade física.”
Em todo o mundo, milhões de crianças perdem a vida antes de completar cinco anos de idade devido a doenças evitáveis e causadas pela falta de saneamento ou por água contaminada.
O atual relator da ONU para o tema, Léo Heller, afirma que nos próximos 10 anos, os direitos humanos à água e ao saneamento têm que se tornar uma prioridade caso se queira construir sociedades justas e humanas.
*Os relatores de direitos humanos são independentes das Nações Unidas e não recebem salário por sua atuação.