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Novo relatório lista violência e assassinatos de refugiados e migrantes BR

Migrantes num centro de detenção em Tripoli, na Líbia.
Unicef/Alessio Romenzi
Migrantes num centro de detenção em Tripoli, na Líbia.

Novo relatório lista violência e assassinatos de refugiados e migrantes

Migrantes e refugiados

Agência da ONU para Refugiados documenta agressões extremas a pessoas que fogem de guerra e perseguição; entre 2018 e 2019 ocorreram 1.750 mortes; um terço dos migrantes testemunha ou é vítima de violência sexual. 

Milhares de refugiados e migrantes do leste e oeste da África estão morrendo ou sofrendo abusos extremos ao atravessaram para a costa do Mediterrâneo.

A informação consta de um novo relatório da Agência da ONU para os Refugiados, Acnur. 

Refugiados da Somália, Síria e Eritreia, que foram libertados dos centros de detenção na Líbia, com funcionários do Centro de Recolhimento e Partida do Acnur em Trípoli, na Líbia.
Refugiados da Somália, Síria e Eritreia, que foram libertados dos centros de detenção na Líbia, com funcionários do Centro de Recolhimento e Partida do Acnur em Trípoli, na Líbia, Acnur/Mohamed Alalem

Estado

A pesquisa, “Nesta jornada, ninguém se importa se você vive ou morre”, revela que “a maioria das pessoas sofre ou testemunha brutalidade e desumanidade indescritíveis nas mãos de contrabandistas, traficantes, milícias e, em alguns casos, até funcionários do Estado.” 

Em comunicado, o chefe do Acnur, Filippo Grandi, disse que "por muito tempo, os abusos sofridos por refugiados e migrantes nessas rotas terrestres eram praticamente invisíveis." 

O estudo “documenta assassinatos e violência generalizada de natureza mais brutal, perpetrada contra pessoas desesperadas que fogem da guerra, violência e perseguição.” 

Para Grandi, “é preciso uma liderança forte e ação concertada entre os Estados da região, com o apoio da comunidade internacional, para acabar com essas crueldades, proteger as vítimas e processar os criminosos.” 

Dados 

A coleta de dados é extremamente difícil porque muitos abusos acontecem longe das autoridades. Apesar disso, o relatório afirma que pelo menos 1.750 pessoas morreram nessas viagens em 2018 e 2019.  O número equivale a mais de 72 mortes a cada mês, tornando esta rota uma das mais mortais do mundo para refugiados e migrantes.  

Cerca de 28% dos óbitos ocorrem durante a travessia do deserto do Saara. Outros pontos críticos incluem regiões no sul da Líbia e vários lugares ao longo da costa da África Ocidental, como Bamako, capital do Mali, e Agadez, no Níger. Essas mortes são um acréscimo às milhares durante viagens no Mar Mediterrâneo para chegar à Europa. 

Somente este ano, pelo menos 70 migrantes perderam a vida incluindo 30 assassinados por traficantes na Líbia. O número deve subir com a chegada de mais dados. 

Para muitos, a chegada à Líbia é o ponto final de uma jornada onde sofrem abusos horríveis como tortura, trabalho forçado e espancamentos, e até assassinatos

Abusos 

Os sobreviventes geralmente ficam com problemas de saúde mental duradouros e graves. Para muitos, a chegada à Líbia é o ponto final de uma jornada onde sofrem abusos horríveis como tortura, trabalho forçado e espancamentos, e até assassinatos.

Outros são sujeitos a episódios brutais de violência, incluindo queimaduras com óleo quente, plástico derretido ou objetos de metal aquecidos, eletrocussão e amarrados em posições difíceis. 

Mulheres e meninas, mas também homens e meninos, correm alto risco de estupro e violência sexual, principalmente em postos de controle, áreas de fronteira e durante travessias no deserto. 

Cerca de 31% dos entrevistados foram vítimas ou testemunharam estes episódios, em mais do que uma circunstância.  

Os contrabandistas são os principais autores de violência sexual no norte e leste da África, respondendo por 60% e 90% dos relatos. Por outro lado, na África Ocidental, os principais autores foram forças de segurança, militares e policiais, que foram responsáveis por um quarto dos abusos. 

Muitas pessoas relataram ter sido forçadas a prostituir-se ou outras formas de exploração sexual por traficantes. Apenas no leste do Sudão, entre janeiro de 2017 e dezembro de 2019, o Acnur registrou mais de 630 casos de tráfico de refugiados. 

Lembre neste vídeo a iniciativa do Ruanda para acolher migrantes que estavam em centros de detenção na Líbia: 

Ruanda receberá milhares de refugiados vivendo em centros de detenção na Líbia

Líbia 

Assim que chegam à Líbia, refugiados e migrantes correm o risco de sofrer mais abusos. O conflito em curso e o fraco Estado de direito permitem que contrabandistas, traficantes e milícias atuem com impunidade. 

O Acnur destaca medidas recentes contra grupos armados e traficantes, incluindo o congelamento dos bens de vários traficantes. A agência pede mais apoio da comunidade internacional na luta contra estas redes de tráfico. 

Muitos dos que tentam a travessia marítima para a Europa são interceptados pela Guarda Costeira da Líbia e retornam às costas do país. Até o momento, mais de 6,2 mil pessoas desembarcaram em 2020, sugerindo que o número final desse ano deve ultrapassar os 9.035 do ano passado.  

O conflito em curso e o fraco Estado de direito permitem que contrabandistas, traficantes e milícias atuem com impunidade

Armazéns

Essas pessoas são depois capturadas e mantidas de forma arbitrária em centros de detenção, onde enfrentam condições terríveis. Outros acabam em armazéns controlados por contrabandistas que os sujeitam a abuso físico para extrair pagamentos.  

Nos últimos anos, foi conseguido algum progresso, com a prisão de alguns responsáveis. Outros criminosos foram colocados sob sanções. Também houve uma redução no número de pessoas em centros oficiais de detenção, algo que as Nações Unidas têm defendido repetidamente. 

O Acnur afirma, no entanto, que são necessários maiores esforços, oferecendo alternativas legais para essas jornadas. 

Também é necessária maior cooperação entre os Estados-membros para identificar os autores desses abusos, compartilhar informações importantes e desmantelar redes de contrabando. As autoridades devem ainda investigar denúncias de abusos por funcionários do Estado.