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Covid-19: Unesco diz que 40% dos países não têm como apoiar alunos a distância BR

Menina de Timor-Leste mostra a plataforma online que ela usa para estudar enquanto sua escola está fechada, devido à nova pandemia de coronavírus.
Unicef/Bernardino Soares
Menina de Timor-Leste mostra a plataforma online que ela usa para estudar enquanto sua escola está fechada, devido à nova pandemia de coronavírus.

Covid-19: Unesco diz que 40% dos países não têm como apoiar alunos a distância

Cultura e educação

Nações de baixa e média rendas são as mais atingidas; relatório aponta “exclusão total” de 258 milhões de crianças e jovens devido à pobreza; estudo inclui países lusófonos e apela à ação para garantir progressos nas metas globais.

A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, revela que menos de 10% dos países têm leis sobre garantia total de inclusão na educação. E que 40% de um grupo de mais de 200 nações não têm como apoiar os alunos no ensino a distância durante a pandemia.

A informação consta do “Relatório Global de Monitoramento da Educação para 2020: Inclusão e educação – Todos significa todos”. A quarta publicação anual, lançada na terça-feira, ilustra avanços feitos em 209 países em direção à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Famílias

Crianças em uma escola primária do governo apoiada pela Unicef, em Douala, Camarões.
Crianças em uma escola primária do governo apoiada pela Unicef, em Douala, Camarões., by © Unicef/Tanya Bindra

O estudo indica haver “exclusão total” de 258 milhões de crianças e jovens da educação. A pobreza é o principal obstáculo no acesso ao ensino. Nos países de baixa e média renda, os adolescentes dos 20% mais ricos têm vezes mais chances de concluir o nível médio do que os de famílias mais pobres.

Entre as variáveis da pesquisa estão histórico, identidade e capacidade, com foco em sexo, idade, localização, pobreza, deficiência, etnia, origem indígena, idioma, religião, migração ou deslocamento.

O estudo aborda ainda aspetos como estado civil, orientação sexual ou expressão de identidade de gênero, encarceramento, crenças e atitudes.

A Unesco revela que a exclusão ocorre ainda mais em tempos do coronavírus. Cerca de 40% dos países de baixa e média renda “não sendo capazes de apoiar alunos desfavorecidos durante o encerramento temporário das escolas no período”.

A esse propósito, a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay disse que “repensar o futuro da educação é ainda mais importante após a pandemia da Covid-19, que aumentou ainda mais e colocou as atenções sobre as desigualdades.” Para ela, “a falha em agir impedirá o progresso das sociedades. ”

Com o fechamento das escolas, bilhões de merendas deixaram de ser distribuídas em todo o globo
Crianças fazem uma refeição na escola, que participa de um programa de alimentação escolar na América Latina e no Caribe., by FAO/Ubirajara Machado

Lusófonos

Os países são incentivados a se concentrarem “nos mais esquecidos” na abertura das escolas. A meta é promover sociedades mais resilientes e equilibradas. Audrey Azoulay defende que “para enfrentar os desafios atuais é imprescindível uma mudança em direção a uma educação mais inclusiva”.

Em relação aos países lusófonos, Cabo Verde tem 80% de banheiros instalados separados por gênero em escolas primárias. O arquipélago é uma das exceções constatadas durante o estudo no grupo de países em desenvolvimento.

Angola é citada no estudo pela Política Nacional de Educação Especial. A meta é incluir 30 mil crianças em 6 mil escolas primárias com necessidades de educação especial em centros regulares até 2022. A ideia é transformar os estabelecimentos especiais em locais de apoio orientados para a inclusão de crianças com deficiência nas escolas regulares. Professores já estão sendo treinados para esse objetivo.

A realidade de Timor-Leste aparece num estudo sobre a Ásia e Pacífico por ter O% de crianças em idade escolar primária com deficiência em escolas especiais. A distribuição de livros didáticos também é desigual entre várias regiões do país devido a questões de acesso ao transporte.

Moçambique e Brasil

Coordenadora residente da ONU em Moçambique, Myrta Kaulard, visita uma escola na Beira
Coordenadora residente da ONU em Moçambique, Myrta Kaulard, visita uma escola na Beira, by ONU Moçambique/Arete/Karel Prinsloo

Moçambique está entre países que recentemente adotaram medidas para que menores de idade voltem ao ensino depois de ter começado a trabalhar, ter casado ou gerado filhos. O governo revogou um decreto que obrigava as meninas grávidas a frequentar aulas à noite.

Mas um dos desafios é que um quarto dos alunos com deficiência relatou ter parado de frequentar a escola por dificuldades de transporte.

Já no Brasil, o relatório destaca o fato de o país abrigar 112 milhões dos afrodescendentes da América Latina, a maioria na região. Este grupo sofre “um legado de oportunidades limitadas de educação”.

A proporção total de afrodescendentes é equivalente a 55% da população brasileira, mas tem uma taxa de pobreza de 26% comparada a 12% de outros grupos.

Inclusão

Os temas sobre a realidade brasileira incluem a passagem de classe automática, que “oferece apoio a crianças desfavorecidas se for aprimorada com apoio corretivo”.

Crianças da escola primária de Juba, no Sudão do Sul, participam de um debate para comemorar o Dia Internacional da Paz, organizado pela Rádio Miraya.
Crianças da escola primária de Juba, no Sudão do Sul, participam de um debate para comemorar o Dia Internacional da Paz, organizado pela Rádio Miraya., by ONU/JC McIlwaine

A Unesco destaca que alunos que passam automaticamente têm “benefícios modestos, mas persistentes, na transição do ciclo do ensino fundamental para o ensino médio”.

As atitudes dos alunos em relação à inclusão variam de acordo com suas experiências e antecedentes, mas o relatório alerta que em nível global “alguns grupos correm o risco de serem discriminados e alienados da escola”.

O estudo aponta ainda a questão de transporte para escola no Brasil, destacando que “quanto mais longo o trajeto, pior é o impacto no desempenho acadêmico”.

Meta global

O relatório defende que estudantes de 10 anos de idade em países de renda média e alta que aprenderam em outro idioma, que não a língua materna, “normalmente obtiveram 34% de pontuação abaixo dos falantes nativos nos testes de leitura”.

Mesmo com a meta global de garantir que as jovens pobres rurais concluam o ensino médio em 2030, quase nenhuma delas deverá ter acesso a essa etapa em pelo menos 20 países. A maioria vive na África Subsaariana.

No Haiti, a maioria dos alunos não consegue ir à escola desde o início do ano letivo em setembro.
No Haiti, a maioria dos alunos não consegue ir à escola desde o início do ano letivo em setembro., by PMA/Haiti

Em relação à exclusão e segregação persistentes o estudo revela que metade dos estudantes no Chile e no México precisariam ser transferida de escolas para obter uma harmonia socioeconômica. Nesse aspeto não houve mudanças em duas décadas.

A Unesco destaca que a disparidade na distribuição de recursos deve ser abordada pelo fato de “professores nas áreas mais pobres do México serem menos qualificados e ter menos instrução do que os professores nas áreas mais ricas.”

Certidão de nascimento

Uma pesquisa internacional sobre ensino de 2018 relatara que cerca de 25% dos professores carecia de desenvolvimento profissional no ensino de alunos com necessidades especiais. Além do México, o Brasil, a Colômbia tiveram uma uma taxa superior a 50%.

Em El Salvador está entre quatro países do mundo onde menos de uma em cada 10 escolas tem saneamento melhorado nas instalações de ensino. No país e na Guatemala, ONGs apoiam o direito de grupos vulneráveis à educação formal. Nos dois países, 20 mil crianças de rua entraram no ensino desde os anos 90. Elas tiveram registro de nascimento que lhes permitiu realizar exames escolares.

Crianças de rua também são alvo de uma estratégia na Bolívia, citada por incentivar grupos historicamente excluídos como indígenas, pessoas com deficiência, populações em áreas remotas, adolescentes grávidas que abandonam o ensino. A estratégica que termina este ano, certifica habilidades e experiências adquiridas em ofícios ou ocupações fora da educação formal.

Com a iniciativa, cerca de 25 mil pessoas por ano recebem certificação pós-alfabetização. A maioria são indígenas e residentes em áreas rurais.

Alunos participam de aula em uma escola primária em Dar es Salaam, na Tanzânia.
Banco Mundial / Sarah Farhat
Alunos participam de aula em uma escola primária em Dar es Salaam, na Tanzânia.