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ONU alarmada com repressão à liberdade de expressão na Ásia durante pandemia BR

Alta comissária de Direitos Humanos da ONU informou que qualquer ação para conter a disseminação de notícias falsas sobre a Covid-19 tem que ser proporcional.
Foto ONU/Laura Jarriel
Alta comissária de Direitos Humanos da ONU informou que qualquer ação para conter a disseminação de notícias falsas sobre a Covid-19 tem que ser proporcional.

ONU alarmada com repressão à liberdade de expressão na Ásia durante pandemia

Direitos humanos

Alta comissária de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, relatou casos de ameaça, censura e detenções em vários países incluindo Bangladesh, Camboja, China e Índia; em Mianmar, o editor-chefe de uma agência de notícias foi indiciado por uma notícia falsa e condenado a dois anos de prisão em menos de uma semana.

As Nações Unidas afirmam que casos de repressão da liberdade de expressão em alguns países da Ásia-Pacífico são motivo de alarme.

Em comunicado, emitido nesta quarta-feira, a alta comissária de Direitos Humanos da ONU informou que qualquer ação para conter a disseminação de notícias falsas sobre a Covid-19 tem que ser proporcional.

Desde o início da Covid-19, vários países da Ásia-Pacífico estão acirrando a censura a críticos dos governos, executando prisões e detenções arbitrárias
Desde o início da Covid-19, vários países da Ásia-Pacífico estão acirrando a censura a críticos dos governos, executando prisões e detenções arbitrárias. Foto: ONU

Críticas

Muitos países da região têm leis para regular notícias falsas e a mídia na internet que estão sendo usadas para deter o debate público, críticas ao governo e reprimir a liberdade de expressão. 

Michelle Bachelet disse que as medidas devem obedecer aos princípios da “legalidade, da necessidade e da proporcionalidade”, servir aos interesses da saúde pública e ser o “menos invasoras” possível.

Desde o início da Covid-19, vários países da Ásia-Pacífico estão acirrando a censura a críticos dos governos, executando prisões e detenções arbitrárias e reprimindo pessoas que simplesmente compartilham informações e opiniões sobre a pandemia.

A alta comissária mencionou incidentes em países como Bangladesh, Camboja, China, Índia, Indonésia, Malásia, Mianmar, Nepal, Filipinas, Sri Lanka, Tailândia e Vietnã.

Posições políticas

Bachelet reconhece a necessidade de restringir à desinformação para proteger a saúde pública ou tentativas de ódio a grupos minoritários, mas alerta que essas medidas não podem resultar em censura que mina a confiança. 

Para ela, a crise global de saúde não pode ser usada para restringir o fluxo de informação e debate. A diversidade de pontos de vista deve contribuir para um maior entendimento dos desafios a serem enfrentados por causa da pandemia. 

Bachelet afirma que o debate e a cooperação são fundamentais para que o mundo possa vencer a pandemia e se recuperar melhor dela.

Abaixo, a alta comissária lista relatos recebidos sobre incidentes em vários países.

Em Bangladesh, dezenas de pessoas foram levadas à justiça ou detidas com base no Ato de Segurança Digital nos últimos três meses.  Muitos foram enquadrados por criticar a resposta do governo ou “espalhar informações falsas”. Dentre eles estão jornalistas, defensores de direitos humanos, agentes de saúde e outros profissionais que reclamaram de irregularidades e até mesmo de terem atendimento de saúde negado por causa de suas posições políticas. Em alguns casos, essas pessoas foram atacadas fisicamente.

Autoridades no Nepal usaram uma lei sobre crime cibernético para prender um funcionário aposentado que criticou a resposta do governo à pandemia.
Banco Mundial/Peter Kapuscinski
Autoridades no Nepal usaram uma lei sobre crime cibernético para prender um funcionário aposentado que criticou a resposta do governo à pandemia.

Partido de oposição

No Camboja, 30 indivíduos foram presos incluindo seis mulheres e uma menina de 14 anos por comentários e postagens sobre a Covid-19 nas redes sociais. Várias foram indiciadas por “rebelião contra o governo” e disseminação de “fake news”. Dos 14 que permanecem detidos, 10 pertencem ao maior partido de oposição, que foi extinto em 2017.

Na China, o Escritório de Direitos Humanos recebeu informações sobre mais de uma dezena de casos de médicos, acadêmicos e cidadãos que podem ter sido detidos, e em alguns casos indiciados, por publicarem suas opiniões e outras informações a respeito da Covid-19, ou que tenham criticado a resposta do governo ao surto. Esses casos incluem dois jovens estudantes que teriam sido presos em abril após publicarem uma página na internet sobre a pandemia no país.

Vários jornalistas e pelo menos um médico foram indicados na Índia por criticarem, publicamente, a resposta das autoridades indianas à pandemia. Em Mumbai, a polícia conseguiu impetrar uma ordem proibindo qualquer pessoa que “incite à desconfiança de funcionários do governo e de suas ações para evitar o alastrar-se do novo coronavírus causando assim riscos à saúde humana e à tranquilidade pública”.

Na China, o Escritório de Direitos Humanos recebeu informações sobre mais de uma dezena de casos de médicos, acadêmicos e cidadãos que podem ter sido detidos, e em alguns casos indiciados, por publicarem suas opiniões e outras informações a respeito da Co
Sang Huachao
Na China, o Escritório de Direitos Humanos recebeu informações sobre mais de uma dezena de casos de médicos, acadêmicos e cidadãos que podem ter sido detidos, e em alguns casos indiciados, por publicarem suas opiniões e outras informações a respeito da Covid-19

Tumulto

Pelo menos 51 pessoas estariam sendo investigadas na Indonésia sob a lei de difamação pena por espalharem notícias falsas sobre a pandemia incluindo três homens, que foram presos por postagens nas redes sociais alegando que uma área do norte da cidade de Jacarta tinha casos de Covid-19 após o governo ter higienizado a área com desinfetante. Há relatos ainda de que a polícia indonésia bloqueou vários sítios de internet.

Na Malásia, um correspondente do jornal South China Morning, de Hong Kong, está sendo investigado por ter feito uso impróprio de servidores de internet e de “insultar” intencionalmente autoridades para gerar tumulto. O jornalista teria reportado casos de prisão de migrantes irregulares contrariando instruções ministeriais. Dados oficiais revelam que a Comissão Malaia de Comunicações e Multimídia iniciou pelo menos 265 investigações relacionadas à disseminação de falsas informações sobre a Covid-19 com 29 pessoas levadas à justiça.

Uma semana

Em Mianmar, três artistas do estado de Kachin foram indiciados no início de abril após serem acusados de insulto ao Budismo num mural sobre a Covid-19. Em 21 de maio, o estado de Kayin condenou o editor-chefe da agência de notícias Dae Pyaw a dois anos de prisão. A agência publicou um artigo em 13 de maio sobre a morte de uma pessoa no estado por causa da pandemia, mas a notícia não tinha fundamento.  O chefe da redação foi acusado, indiciado, julgado e condenado em menos de uma semana.

Autoridades no Nepal usaram uma lei sobre crime cibernético para prender um funcionário aposentado que criticou a resposta do governo à pandemia. Segundo grupos de liberdade de expressão, vários jornalistas foram presos enquanto trabalhavam em notícias sobre a Covid-19. Há relatos de obstrução por parte de autoridades e relatos de ameaças e ataques físicos a jornalistas.

Na Tailândia, o Centro Anti-Fake News do Ministério de Economia Digital está realizando operações contra conteúdo de mídia social e “desinformação” no contexto da Covid-19.
Seção de Comunicação Estratégica e Advocacia da ONU
Na Tailândia, o Centro Anti-Fake News do Ministério de Economia Digital está realizando operações contra conteúdo de mídia social e “desinformação” no contexto da Covid-19.

Trabalhadora migrante

Nas Filipinas, várias prisões foram feitas com alegações de “disseminação de informações”. Um artista de Cebu foi detido por comentar sobre a prevalência de infecções numa localidade da ilha. O governo também buscou a deportação de uma migrante filipino no exterior após ela fazer críticas ao país na internet.

Em Sri Lanka, autores de críticas à resposta de autoridades e funcionários públicos à Covid-19 poderão ser presos. Em 25 de abril, a Comissão de Direitos Humanos de Sri Lanka escreveu à polícia para informar que qualquer detenção, com base nesses argumentos, seria inconstitucional. Vários indivíduos já foram presos no país por publicarem comentários em suas páginas no Facebook.

Na Tailândia, o Centro Anti-Fake News do Ministério de Economia Digital está realizando operações contra conteúdo de mídia social e “desinformação” no contexto da Covid-19. Ali, existe a preocupação de que pessoas que evidenciam temas legítimos sobre a pandemia estejam sendo perseguidas, o que em si pode criar uma situação de autocensura. Um artista tailandês foi preso em 23 de abril após reclamar da falta de controle num aeroporto quando retornava do exterior. Ele foi liberado sob fiança, mas permanece indiciado.

No Vietnã, mais de 600 usuários do Facebook foram intimados a depor após comentarem o surto. Muitos foram repreendidos e tiveram suas postagens apagadas da internet. Pelo menos dois usuários foram indiciados por crimes de notícias falsas sobre a Covid-19 incluindo nove meses de detenção multas de mais de US$ 1 mil.