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Alta comissária da ONU relata situação dos direitos humanos no mundo BR

Alta comissária de direitos humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet.
Foto: ONU News/Daniel Johnson
Alta comissária de direitos humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet.

Alta comissária da ONU relata situação dos direitos humanos no mundo

Direitos humanos

Michelle Bachelet discursou na sessão anual do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra; ela citou protestos no Chile e no Equador, proteção ambiental nos Estados Unidos, terrorismo na Nigéria, conflitos em Camarões e pediu transparência e prestação de contas sobre o caso do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, entre outros tópicos sobre o tema.

A alta comissária de direitos humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, fez um balanço sobre a situação dos direitos humanos no mundo mencionando países e casos que precisam de mais atenção.

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Ela discursou na 43ª sessão anual do Conselho de Direitos Humanos, com sede em Genebra. A alta comissária mencionou o que chamou de “algumas sérias preocupações”, que devem ser “examinadas em mais detalhes” durante o evento, marcado para terminar em 20 de março.

Inspiração

Bachelet relatou sua visita a um acampamento de deslocados em Ituri, na República Democrática do Congo, RD Congo. O local é rico em petróleo e ouro. Mesmo assim, as pessoas “terrivelmente pobres sofreram vários ciclos de violência na última década.”  A chefe de direitos humanos contou que muitos viram as próprias famílias sendo massacradas e tiveram membros de seu corpo cortados.

Ela observou que embora vivam com “grande sofrimento e destruição”, um grupo de voluntários congoleses, Solidariedade Feminina para a Paz e o Desenvolvimento Integral, decidiu compartilhar bens, cuidar dos feridos, e realizar treinamentos para moradores do local,

Michelle Bachelet contou que se sentiu inspirada pela “busca de soluções positivas e generosidade e solidariedade fundamentais dos seres humanos, mesmo diante de enormes desafios.”

Protestos

Ao citar outras partes do mundo que merecem atenção, a alta comissária falou que muitos protestos “estão sendo alimentados por profundas desigualdades” e que “respostas violentas das forças de segurança podem minar ainda mais a confiança do público nos sistemas econômicos e políticos.”

Alguns desses casos ocorrem no Chile e no Equador, onde é preciso garantir “a responsabilidade por violações dos direitos humanos e abordar as causas dos protestos”.

Nos dois países, o Escritório forneceu recomendações aos governos e à sociedade.

Protestos nas ruas de La Paz, na Bolívia, em outubro de 2019.
Protestos nas ruas de La Paz, na Bolívia, em outubro de 2019. Foto: ONU Bolívia/Patricia Cusicanqui

Bolívia e Brasil

Na Bolívia, uma equipe do Escritório de Direitos Humanos está “fortalecendo o engajamento no país para superar a atual crise social e política.” Pelo menos 35 pessoas morreram na Bolívia e 800 foram feridos nas manifestações pós-eleição. A maioria deles durante operações do Exército e da polícia.

No Brasil, a alta comissária destacou que “ataques contra defensores de direitos humanos, incluindo assassinatos, muitos deles de líderes indígenas, estão ocorrendo em um contexto de retrocessos significativos de políticas para proteger o meio ambiente e os direitos dos povos indígenas.” Ela também observou a existência de “aquisições crescentes de terras de indígenas e afrodescendentes e esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e de movimentos sociais.”

Estados Unidos

Ao citar os Estados Unidos, Bachelet alertou que o país está “revertendo as proteções ambientais, inclusive para cursos de água e pântanos.” Além disso, “padrões mais fracos de emissão de combustível para veículos e regulamentos menores nas indústrias de petróleo e gás também podem prejudicar os direitos humanos.”

Ela acrescentou que “políticas restritivas de migração dos Estados Unidos geraram preocupações com os direitos humanos.” Para Bachelet, “a redução do número de pessoas que tentam entrar no país não deveria ser feita, desconsiderando a proteção de asilo e de migrantes” e a “situação das crianças detidas é particularmente preocupante.”

Migrantes

Em muitos Estados da Europa e ao longo de suas fronteiras, ainda é possível “testemunhar um sofrimento evitável dos migrantes.” Ela afirmou que “todos os Estados da linha de frente, inclusive na rota dos Bálcãs, devem honrar plenamente seus compromissos internacionais e remover barreiras legais e processuais que impedem a identificação das necessidades de proteção de todos os migrantes.”

A chefe de direitos humanos da ONU enfatizou que “as contrariedades, que violam o direito de pedir asilo” estão aumentando em várias fronteiras. E alertou que “dezenas de milhares de mulheres, homens e crianças migrantes são sequestradas.”

Para Bachelet, o anúncio de um novo governo no Sudão do Sul foi um passo positivo.
Para Bachelet, o anúncio de um novo governo no Sudão do Sul foi um passo positivo. Foto: Unmiss/Nektarios Markogiannis

Sudão

Em seu discurso, a alta comissária agradeceu ao governo do Sudão pela cooperação para o estabelecimento do escritório de direitos humanos no país. E informou que conselhos independentes “foram criados para investigar a repressão aos protestos em junho passado e para resolver graves violações de direitos humanos por sucessivos governos desde 1989.”

A alta comissária mencionou o acordo relacionado aos processos de justiça e reconciliação, mas demonstrou preocupação com a situação em Darfur, pedindo que o Conselho de Segurança apoie a cooperação técnica ao governo e à sociedade civil do Sudão.

Sudão do Sul

Um passo positivo é o anúncio de um novo governo no Sudão do Sul. Mas, para Bachelet, o país tem que enfrentar três desafios para alcançar a paz duradoura.  

O primeiro é ligado à justiça. Ela acredita que “o governo deve parar de adiar o Tribunal Híbrido e apoiar investigações e processos por instituições domésticas independentes.” Em segundo, ela citou a violência intercomunitária, que precisa ser tratada com urgência.

Por último: as restrições às liberdades fundamentais que devem ser suspensas, assim como o assédio, a prisão arbitrária e a vigilância de pessoas ou grupos considerados críticos ao governo.

Camarões

Ao falar de Camarões, ela destacou as “medidas tomadas pelo governo após o Diálogo Nacional, em outubro, incluindo a libertação de mais de 400 detidos e a nova legislação sobre bilinguismo e descentralização, concedendo “status especial” às regiões Norte e Sudoeste.”

Ela observou que “o ataque relatado a um vilarejo, há duas semanas, que deixou muitos civis mortos, incluindo crianças, enfatiza a importância de ações rápidas para garantir que as investigações de qualquer incidente desse tipo sejam independentes, imparciais e completas.”

No Burkina Fasso, o número de pessoas que enfrentam uma falta crítica de alimentos aumentou.
No Burkina Fasso, o número de pessoas que enfrentam uma falta crítica de alimentos aumentou. Foto: Ocha/Giles Clarke

Sahel

Já sobre os países do Sahel, particularmente Burkina Fasso, Mali e Níger, a chefe de direitos humanos da ONU lembrou que “ataques de grupos extremistas violentos causaram mais de 4 mil assassinatos em 2019, 500% a mais do que em 2016.” Ela afirmou que “isso tem consequências humanitárias alarmantes, incluindo grandes deslocamentos e contratempos para o desenvolvimento.”

Bachelet acredita que nos “três países, há uma clara necessidade de uma abordagem que se estenda além do foco militar, para tratar das causas do extremismo violento.” Dentre elas, a pobreza extrema, as desigualdades, a exclusão e a responsabilidade e proteção desadequada dos direitos humanos.

Um novo escritório de direitos humanos deve ser estabelecido no Níger ainda este ano. A alta comissária acrescentou que também espera fortalecer a cooperação e presença de sua equipe em Burkina Fasso.

Nigéria

Sobre a Nigéria, a chefe de direitos humanos da ONU disse que “os crescentes ataques e assassinatos pelo grupo Boko Haram, do Estado Islâmico da Província da África Ocidental e de outros grupos jihadistas, assim como confrontos entre agricultores e pastores, estão afetando os civis.” Ela observou que “o sequestro e a violência sexual e de gênero também contribuem para a insegurança, em meio à intensificação da polarização étnica, regional e religiosa em todo o país.”

Bachelet citou a importância de “medidas para lidar com as mudanças climáticas e o controle do uso da terra, juntamente com uma ação mais ampla para defender os direitos econômicos, sociais e políticos, para resolver algumas das causas profundas desses ciclos de violência.”

A alta comissária comentou as mortes relacionadas a recentes manifestações na Guiné-Conacri, exigindo eleições justas e transparentes. Bachelet mostrou-se “alarmada com a repressão da oposição e a supressão dos direitos civis e políticos” no Burundi, no contexto das eleições presidenciais, legislativas e comunitárias previstas para maio.

Aumento da violência na Síria desloca 800 mil pessoas

Síria

Ao falar de um dos conflitos mais longos da atualidade, a Síria, Michelle Bachelet lembrou que ataques às cidades de Idlib, Alepo e Hama estão causando os maiores deslocamentos “de civis nos últimos nove anos, após uma ofensiva militar lançada pelo governo sírio, e apoiada por seus aliados.”

Quase um milhão de pessoas foram forçadas a fugir nos últimos três meses.

Somente na primeira semana deste mês, o Escritório de Direitos Humanos “registrou incidentes nos quais pelo menos 100 civis foram mortos e muitos outros feridos, como resultado dos ataques aéreos e terrestres das forças do governo e de seus aliados.”

Já no Iraque, a “munição tem sido usada repetidamente contra manifestantes desarmados, resultando em mais de 450 mortes desde outubro.” Forças de segurança detiveram milhares de pessoas ligadas a protestos, no país árabe, e algumas delas sofreram maus-tratos.

Jamal Khashoggi

Em seu discurso sobre a situação atual de direitos humanos, Michelle Bachelet citou ainda a perda de vidas nos Territórios Palestinos, e outros temas preocupantes que ocorrem em países como China, Egito, Índia, Paquistão, Camboja, Bangladesh, Mongólia, Nepal, Tailândia, Turquia, Polônia e Rússia.

Em relação à Arábia Saudita, entre outras questões, ela também pediu “total transparência nos processos judiciais em andamento e ampla prestação de contas sobre o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.”

O colunista do jornal The Washington Post foi assassinado no Consulado da Arábia Saudita em Istambul, após entrar no local para obter um documento.

O assassinato de Khashoggi foi confirmado somente duas semanas depois de seu desaparecimento, em 2 de outubro, quando ele foi capturado numa câmera de vigilância apontada para o portão de entrada do Consulado.