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Relatores pedem investigação sobre invasão do celular do dono da Amazon BR

a relatora especial sobre execuções sumárias e arbitrárias, Agnes Callamard, juntou-se ao relator especial sobre liberdade de expressão, David Kaye, para pedir uma investigação do incidente.
ONU/Rick Bajornas/Loey Fili
a relatora especial sobre execuções sumárias e arbitrárias, Agnes Callamard, juntou-se ao relator especial sobre liberdade de expressão, David Kaye, para pedir uma investigação do incidente.

Relatores pedem investigação sobre invasão do celular do dono da Amazon

Direitos humanos

Advogados de Jeff Bezos alegam que príncipe-herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, estaria envolvido no episódio; especialistas em direitos humanos pedem moratória sobre compra e venda de software de vigilância sem controle.

A invasão do telefone celular do dono da empresa online Amazon, Jeff Bezos, chamou a atenção de dois especialistas em direitos humanos nas Nações Unidas.

Em comunicado, divulgado nesta quarta-feira, a relatora especial* sobre execuções sumárias e arbitrárias, Agnes Callamard, juntou-se ao relator especial* sobre liberdade de expressão, David Kaye, para pedir uma investigação do incidente.

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Whatsapp

Advogados de Jeff Bezos, que é também o dono do jornal The Washington Post, alegam que o celular dele teria sido hackeado com envolvimento do príncipe-herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman.

Os dois relatores afirmaram estar “gravemente preocupados” com a informação de que a conta de Whatsapp do príncipe teria liberado um vírus que invadiu o telefone de Bezos e retirou informações do aparelho.

O episódio teria ocorrido em 2018, quando o dono da Amazon se correspondia com o príncipe saudita pelo Whatsapp.

Para os relatores, o suposto hackeamento pode ter sido uma tentativa de influenciar, ou silenciar, as reportagens do jornal Washington Post sobre a Arábia Saudita.

Jamal Khashoggi

Se confirmados, os relatos indicariam também um padrão de vigilância de opositores e de outras pessoas importantes para os interesses do país árabe incluindo sauditas e estrangeiros.

Agnes Callamard e David Kaye acreditam que as alegações são importantes para um outro caso: o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, em outubro de 2018, dentro do Consulado da Arábia Saudita, em Istambul, na Turquia.

Khashoggi trabalhava para o jornal de propriedade de Bezos, o Washington Post.

Os relatores exigem que os Estados Unidos e outras autoridades relevantes para os casos investiguem imediatamente o possível envolvimento do príncipe em ações contra pessoas que ele considera adversárias.

Para os especialistas, o hackeamento do telefone de Bezos utilizou um software de uma empresa privada que transferiu todas as informações para um governo sem controle jurídico. Caso seja confirmada a hipótese, esse seria um exemplo concreto dos danos que resultam de marketing descontrolado, uso e venda de software de espionagem.

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Vigilância privada

Kaye e Callamard afirmam que a vigilância digital tem que estar sujeita a padrões rigorosos de controle incluindo por autoridades jurídicas nacionais e internacionais. Para eles, é preciso declarar uma moratória sobre a venda e transferência de tecnologia de vigilância privada.

Os relatores disseram que as circunstâncias e o momento da invasão do celular do dono da Amazon também levam ao pedido de uma investigação pelo governo americano sobre as alegações de que o príncipe ordenou, incitou e que estaria até ciente do plano de matar o jornalista Jamal Khashoggi, mas que mesmo assim não conseguiu impedir o crime.

No comunicado, Kaye e Callamard chamam a atenção para uma campanha massiva na internet contra Jeff Bezos.

Os dois relatores receberam informações da análise forense que dá uma certeza “média à alta” de que o celular dele foi infiltrado em 1º de maio de 2018 com um vídeo enviado a ele pelo Whatsapp pelo príncipe-herdeiro da Arábia Saudita.

Os dois estavam em comunicação pelo aplicativo há cerca de um mês antes do incidente.

Facebook e Twitter

Horas depois, uma grande quantidade de dados do celular do dono da Amazon foi retirada do aparelho, o que continuou por vários meses.

O software semelhante ao grupo Pegasus 3 de vírus teria sido comprado e empregado por funcionários da Arábia Saudita.

A utilização do Whatsapp por este software espião foi motivo de uma ação do Facebook, que é dono do Whatsapp, contra o grupo NOS, fabricante do software.

Os relatores disseram que outras ações de cidadãos sauditas contra adversários levaram os Estados Unidos a processar dois empregados da rede social Twitter e um cidadão saudita por terem “acessado informação privada da conta de certos usuários do Twitter entregando a informação a funcionários do governo da Arábia Saudita”.

Adversários

Para os relatores de direitos humanos, as novas alegações envolvendo o príncipe com o hackeamento do telefone do dono da Amazon reforçam a tese de que Mohammed bin Salman teria liderado uma campanha contra dissidentes políticos e adversários.

O telefone de Jeff Bezos foi invadido entre maio e junho de 2018, na mesma época em que outros dois colaboradores do círculo interno do jornalista Jamal Khashoggi, também haviam sido hackeados.

Nesta época, Khashoggi era um colunista importante do Washington Post o que causava grande preocupação ao príncipe herdeiro.

Em 2 de outubro, funcionários do governo saudita mataram o jornalista no Consulado da Arábia Saudita em Istambul.

O jornal iniciou uma cobertura sobre o desaparecimento e a investigação de assassinato expandido a reportagem a um número de outros aspectos do regime do príncipe no país árabe.

Informações privadas

A análise forense revela ainda que depois de o telefone ter sido invadido, o príncipe-herdeiro continuou enviando mensagem ao dono da Amazon. Em novembro de 2018 e fevereiro de 2019. Nessas mensagens, ele revelava informações privadas e confidenciais sobre a vida pessoal de Jeff Bezos.

Nessa mesma época, o dono da Amazon passou a ser atacado nas redes sociais como um adversário da Arábia Saudita.

Os relatores disseram que Saud al-Qahtani, acusado pela promotoria saudita de ter incitado ao sequestro de Khashoggi, teria participado da campanha de ataques a Jeff Bezos na internet, direcionados também ao Washington Post.

A ação pedia ainda um boicote a Bezos e às suas empresas.

 

*Os relatores de direitos humanos são independentes das Nações Unidas e não recebem salário por sua atuação.