Relatora diz que sentença do caso Jamal Khashoggi não fez justiça ao jornalista BR

Agnes Callamard, relatora especial sobre execuções, extrajudiciais, sumárias e arbitrárias, expressou “choque em dobro” com o veredicto que condenou cinco pessoas da Arábia Saudita à morte; todos foram acusados de matar o jornalista dentro do Consulado saudita em Istambul, na Turquia; especialista criticou “julgamento secreto”.
A morte do jornalista saudita, Jamal Khashoggi, não foi punida com justiça. A opinião é da relatora especial* de direitos humanos Agnes Callamard.
Num comunicado, ela afirma que as sentenças de pena de morte, impostas a cinco acusados de matar Khashoggi “são tudo menos uma prova de que a justiça foi feita”.
O jornalista foi morto após entrar no Consulado de seu país, a Arábia Saudita, na cidade turca de Istambul em outubro de 2018. Ele havia ido ao local para obter um documento, enquanto sua noiva o esperava do lado de fora. Mas após adentrar o Consulado, Khashoggi nunca mais foi visto.
Callamard, que é relatora especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias e arbitrárias, condenou o crime imediatamente. Mais de um ano depois, ela afirma que o julgamento foi secreto, não obedeceu aos ditames do direito internacional de ser filmado, e que as pessoas que deram a ordem sobre as execuções continuam soltas. Segundo a relatora, essas pessoas sequer foram tocadas pela investigação e pelo julgamento.
Para Callamard, que se opõe à pena de morte, o resultado do processo é uma falta “inaceitável de respeito às vítimas”.
A relatora afirma que sob o direito internacional, o assassinato do jornalista foi uma execução extrajudicial pela qual o Reino da Arábia Saudita tem que se responsabilizar.
Callamard defende que o caso requer uma investigação sobre a cadeia de comando para que os mentores do crime sejam levados à justiça assim como os que incitaram ao assassinato, permitiram o mesmo e aqueles fizeram vista grossa.
Ela citou que 18 funcionários do Estado saudita se reportaram ao Consulado em Istambul por mais de 10 dias para limpar a cena do crime. Segundo a relatora, esse ato é uma obstrução da justiça e uma violação do Protocolo de Minnesota que trata de investigações de execuções arbitrárias.
A especialista afirmou que a presença de um médico-legista na equipe que assassinou o jornalista, pelo menos 24 horas antes do crime, e que teria discutido como esquartejar Jamal Khashoggi, duas horas antes do assassinato, deixa claro que o crime foi premeditado.
A relatora especial notou que o juiz do caso pareceu concluir que a morte foi um acidente, mas que mesmo assim sentenciou os acusados à pena de morte, numa clara violação das leis internacionais de direitos humanos.
Callamard ressaltou ainda que os réus repetiram que estavam cumprindo ordens.
Ela lembrou que o promotor do caso afirmou que Saud al-Qahtani, conselheiro pessoal do príncipe-herdeiro saudita, autorizou o sequestro do jornalista no Consulado alegando se tratar de uma “ameaça à segurança nacional”. O conselheiro, no entanto, não foi indiciado.
O cônsul da Arábia Saudita em Istambul, Mohammad al-Otaibo, foi absolvido.
A relatora especial afirmou que a impunidade no assassinato de um jornalista revela uma situação de repressão política, corrupção, abuso de poder, propaganda e até cumplicidade internacional. Para ela, todos esses elementos estão presentes no caso Khashoggi.
Em junho, Agnes Callamard publicou o resultado de uma investigação sobre o assassinato do jornalista saudita. O relatório analisou indícios e provas com base na lei internacional de direitos humanos, e apontou passos que poderiam ter evitado o assassinato de Jamal Khashoggi.
*Os relatores de direitos humanos são independentes das Nações Unidas e não recebem salário por suas atuações.