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Especialista da ONU diz que Brasil está seguindo “caminho trágico” na área das substâncias tóxicas BR

Crianças brincam na Floresta Nacional de Tapajós, no Brasil.
Foto ONU: Eskinder Debebe
Crianças brincam na Floresta Nacional de Tapajós, no Brasil.

Especialista da ONU diz que Brasil está seguindo “caminho trágico” na área das substâncias tóxicas

Direitos humanos

Depois de visita ao país, relator especial* disse que nação está regredindo, possibilitada por “um sentimento maligno de impunidade” de pessoas que “envenenam o público, tomam suas terras e destroem o meio ambiente.”

O Brasil está num caminho trágico de desmantelamento de instituições já enfraquecidas que foram criadas para proteger as pessoas e o meio ambiente, alertou um especialista em direitos humanos da ONU.

O relator especial sobre substâncias tóxicas, Baskut Tuncak, fez uma visita oficial de duas semanas ao país. Ao divulgar suas conclusões preliminares, o especialista destacou que gostaria de agradecer ao governo brasileiro pelo convite e pelas “discussões francas e abertas”.  

Indígenas Pataxó Hã-hã-hãe vivem na aldeia Naõ Xohã, às margens do rio Paraopeba que foi afetado pelo colapso da barragem em Brumadinho, no Brasil.
Indígenas Pataxó Hã-hã-hãe vivem na aldeia Naõ Xohã, às margens do rio Paraopeba que foi afetado pelo colapso da barragem em Brumadinho, no Brasil, Lucas Hallel ASCOM/FUNAI

Crimes ambientais

Tuncak disse que “após uma série de crimes ambientais horríveis, desde o colapso de uma barragem de dejetos mortais até uma epidemia de envenenamentos por pesticidas, seria de esperar que o país adotasse os mais rigorosos controles ambientais e ocupacionais para substâncias e resíduos perigosos.” Mas, segundo o especialista, o que está ocorrendo é o oposto.

O relator apontou que o país está regredindo, possibilitado por “um sentimento maligno de impunidade” de pessoas que “envenenam o público, tomam suas terras e destroem o meio ambiente.”

Mariana e Brumadinho

Entre as questões destacadas por Tuncak estão o colapso de duas barragens de dejetos. A primeira em 2015, em Mariana, onde 18 pessoas morreram e mais de três milhões tiveram as vidas afetadas, incluindo comunidades indígenas e tradicionais. 

A segunda aconteceu este ano, em Brumadinho, matando 300 pessoas.

O relator disse que “após anos de negação por parte do governo e das empresas envolvidas, os impactos da exposição à lama tóxica do desastre de 2015 agora são visíveis e continuam sendo ligados a problemas de saúde”. O especialista afirmou que mesmo assim, “as empresas continuam abusando de sua influência para impedir que informações de saúde e de segurança” cheguem às pessoas.

Obrigações

Tuncak disse que “o Brasil está desconsiderando sua obrigação constitucional de proteger os direitos humanos da exposição a substâncias tóxicas e resíduos perigosos.” Ele acrescentou que o país “está eliminando ministérios cruciais, restringindo o financiamento de funções essenciais, eliminando programas-chave, restringindo o espaço cívico e não aplicando as leis e decisões judiciais existentes para proteger os direitos humanos de exposições a substâncias tóxicas.”

Ao mesmo tempo, o especialista apontou que o Brasil está constantemente criminalizando e atacando “aqueles que lutam corajosamente para defender seus direitos à vida, à saúde e ao equilíbrio do meio ambiente, dentre outros direitos humanos reconhecidos pela Constituição do Brasil.” Ele destacou que o país segue “permitindo o uso de dezenas de pesticidas altamente perigosos, banidos por muitos outros países.”

Área atingida pelo rompimento da barragem em Brumadinho, Minas Gerais, Brasil.
Área atingida pelo rompimento da barragem em Brumadinho, Minas Gerais, Brasil, Presidência da República/Divulgação

Pesticidas

De acordo com Tuncak, “as ações ou falta de ação do governo liberou uma onda catastrófica de pesticidas tóxicos, desmatamento e mineração que envenenarão as gerações futuras, caso ações urgentes não forem tomadas para realinhar o Brasil com o caminho do desenvolvimento sustentável.”

O especialista ressaltou ainda o aumento no desmatamento e o número de incêndios na Amazônia e nas savanas brasileiras. Segundo ele, existe uma possível influência de sinalizações do governo sobre mudanças nos regimes de uso da terra, em prol de acelerar e aumentar a produção da agricultura e mineração. Tuncak acredita que “muitos dos problemas ilustram o desrespeito histórico das empresas no Brasil pelos direitos e decência humana.” 

Envenenamento

Como exemplo, o especialista citou a comunidade de Piquiá de Baixo, que está sendo “envenenada há décadas”. Para ele, embora um progresso tenha sido feito “no sentido de reassentar essa comunidade tão resiliente, em casas onde possam viver com dignidade, as políticas caóticas e os cortes orçamentários do governo ameaçam abandonar essa comunidade para aguentar mais abuso dos seus direitos pela Vale, Viena Siderúrgica e Gusa Nordeste por tempo indeterminado."

Tuncak observou que “por décadas, o Brasil ajudou o mundo a encontrar soluções para questões cruciais de meio ambiente e de direitos humanos por meio do trabalho brilhante da sociedade civil e pesquisadores.” Para ele, é “desanimador ver as autoridades desmantelando tantos canais de colaboração e até mesmo tentando criminalizar esses atores.”

O especialista acredita que seja crucial “uma mudança radical na relação entre governo e a sociedade civil” para melhorar o difícil cenário que observou.

 As conclusões e recomendações completas do especialista serão apresentadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2020.

*Os relatores de direitos humanos têm mandato independente das Nações Unidas e não recebem salário pelo seu trabalho.