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Relatório destaca progressos e desafios sobre direitos da criança no Brasil BR

ONU disse estar pronta para reforçar a colaboração com jovens pelo desenvolvimento
Unicef/Claudio Versiani
ONU disse estar pronta para reforçar a colaboração com jovens pelo desenvolvimento

Relatório destaca progressos e desafios sobre direitos da criança no Brasil

Direitos humanos

Estudo marca 30º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança; proteção à criança é um dos maiores desafios do país; quase 2 milhões de meninas e meninos estão fora da escola.

Nos últimos 30 anos, o Brasil reduziu a taxa de mortalidade infantil evitando a morte de 827 mil bebês. Ao mesmo tempo, houve um aumento em grande escala da violência armada e dos hom icídios, que tiraram a vida de 191 mil crianças entre os 10 e os 19 anos.

Estas são duas das grandes conclusões de um novo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, lançado para marcar o 30º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Caridade

Campanha de vacinação contra a febre amarela no Brasil.
Campanha de vacinação contra a febre amarela no Brasil, Foto: OMS/A. Costa

Em nota, a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer, diz que “graças à Convenção, crianças e adolescentes deixaram de ser considerados objetos de caridade, propriedades dos pais, ou menores em situação irregular.”

A Convenção sobre os Direitos da Criança é o tratado mais ratificado da história e foi adotado por 196 países. No Brasil, o documento inspirou o Artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990.

Segundo o Unicef, esses três instrumentos legais criam um sistema que “ainda está entre os mais avançados do mundo, baseado na ideia de proteção integral à criança e ao adolescente.”

Conquistas

Nessas três décadas, o Brasil reduziu a mortalidade infantil de 47,1 a cada mil nascidos vivos, em 1990, para 13,4 em 2017.

Para Florence Bauer, esse é um “resultado extraordinário” explicado por um maior acesso das mulheres aos cuidados pré-natal, da criação do Sistema Único de Saúde, SUS, e do investimento nos cuidados na primeira infância. Agora, ela diz que “é importante salvaguardar e fortalecer esse progresso."

Também existem avanços na educação. Em 1990, a escola era obrigatória apenas dos sete aos 14 anos e 20% das crianças dessa faixa etária estavam longe das salas de aula. Em 2009, a escolaridade foi ampliada para quatro a 17 anos. Em 2017, apenas 4,7% das meninas e dos meninos dessas idades estavam fora da escola.

Na área de proteção à criança, melhorou o registro de nascimento e a redução do trabalho infantil. Em 1990, apenas 64% das crianças eram registradas no seu primeiro ano de vida. Já em 2013, esse número passava dos 95%

Entre 1992 e 2015, o País evitou que 5,7 milhões de meninas e meninos estivessem em situação de trabalho infantil. O número de crianças de 5 a 17 anos afetadas por este problema diminui de 8,4 milhões em 1992 para 2,7 milhões em 2015.

Violência

Estudantes aprendem sobre conservação ambiental, qualidade de vida e rendas geradas pela floresta.
Estudantes aprendem sobre conservação ambiental, qualidade de vida e rendas geradas pela floresta, FAS/Rodolfo Pongelupe

Segundo o Unicef, é na área de proteção à criança que o país enfrenta seus maiores desafios. Em 30 anos, cresceu a violência armada em diversas cidades. A agência diz que o país “está diante de um quadro alarmante de homicídios.”

A cada dia, 32 meninas e meninos de 10 a 19 anos são assassinados. Em 2017, foram 11,8 mil mortes.

Morar em um território vulnerável faz com que crianças e adolescentes estejam mais expostos à violência armada. Grande parte das mortes se concentra em bairros específicos, onde não existem serviços básicos de saúde, assistência social, educação, cultura e lazer.

Vítimas

As vítimas de homicídio são, em sua maioria, “meninos negros, pobres, que vivem nas periferias e áreas metropolitanas das grandes cidades”.

Segundo uma análise do Unicef em 10 capitais, 2,6 milhões de crianças vivem em áreas diretamente afetadas pela violência armada.

Nos últimos 10 anos, os homicídios vêm caindo entre adolescentes brancos e crescendo entre não brancos. Em 2017, 82,9% das vítimas de homicídios entre 10 e 19 anos no Brasil eram não brancos.

Para a representante do Unicef, “reverter esse quadro é urgente.” Bauer diz que “é preciso investir nos territórios mais vulneráveis, com políticas públicas de qualidade, voltadas a cada criança e cada adolescente, em especial os mais excluídos.”

Riscos

Além da violência, o Brasil têm outros desafios relacionados às desigualdades.

Nesse momento, quase 2 milhões de meninas e meninos estão fora da escola. Também existem milhares de crianças e adolescentes que estão na escola, mas sem aprender. Em 2018, 3,5 milhões de estudantes de escolas estaduais e municipais foram reprovados ou abandonaram a escola.

Na área de saúde, também há pontos de atenção. Embora a mortalidade infantil venha caindo no longo prazo, ela subiu pela primeira vez em 20 anos, em 2015. Ao mesmo tempo, a cobertura de vacina caiu, trazendo de volta doenças como o sarampo, que estava erradicado.

A esses desafios, soma-se o problema da má nutrição. Por um lado, a desnutrição crônica caiu maciçamente, com a exceção das crianças indígenas, que registram uma taxa média de 30% entre crianças menores de 5 anos. Por outro lado, uma em cada três crianças brasileiras de cinco a nove anos está com sobrepeso.

Os beneficiados mais diretos do trabalho serão os Povos Indígenas e outras comunidades que vivem na Amazônia
Análise do Unicef mostra os principais desafios para as crianças e os adolescentes que vivem na região da Amazônia no Brasil. , by © Unicef/Giacomo Pirozzi

Desafios

Por fim, o Brasil e o mundo estão diante de novos desafios que não estavam previstos na Convenção. Um desses desafios são as migrações.

Em 2016, cerca de 28 milhões de crianças estavam em situação de deslocamento forçado. No Brasil, até julho de 2019, quase 200 mil venezuelanos haviam procurado refúgio no país. Desses, 30% eram crianças e adolescentes.

O Unicef também destaca a questão da saúde mental. Nos últimos 10 anos, os suicídios de crianças e adolescentes vêm aumentando no Brasil, passando de 714, em 2007, para 1.047, em 2017. Segundo a agência, problemas como bullying e assédio online precisam ser olhados com atenção.

Por fim, o Unicef refere as mudanças climáticas, dizendo que “cada vez mais interferem na vida de crianças e adolescentes em diferentes partes do mundo.”

Futuro

A agência diz que “há uma tendência de redução do orçamento voltado aos temas da infância e adolescência no Brasil que precisa ser revertida.”

Segundo o Unicef, investir nessas etapas da vida traz resultados para toda a sociedade. Cada dólar investido na 1ª infância, por exemplo, gera entre sete e 10 dólares.

Florence Bauer diz que é preciso atuar na primeira infância e na adolescência. Entre os mais novos, “é preciso consolidar os avanços” e garantir “equidade nas políticas públicas, chegando aos mais excluídos.” Quanto aos adolescentes, ela pede investimento nos territórios mais vulneráveis para reverter o quadro da violência.