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Sonhando ser agrônoma, a jovem Salita trabalha no campo de dia e à noite vai para a escola.

Mulheres rurais: o sonho de Salita, a camponesa moçambicana BR

ONU Moçambique/Emídio Josine
Sonhando ser agrônoma, a jovem Salita trabalha no campo de dia e à noite vai para a escola.

Mulheres rurais: o sonho de Salita, a camponesa moçambicana

Mulheres

Relembre a história da jovem que durante o dia trabalha mais de 10 horas na enxada e à noite vai à escola para  se tornar agrônoma; este ano, a ONU comemora o Dia Internacional da Mulher Rural com o tema “Mulheres e meninas rurais construindo resiliência ao clima”.

Moradores da comunidade rural de Nwa Ngolobi, no sul de Moçambique, cantam e contam como fazem esforço para viver. A mensagem para os visitantes é: “Esperamos que vossa chegada mude a nossa sorte”.  A moradora Raquel Benzane explica que o local um dia oferecia esperança, mas agora os tempos mudaram e é preciso sorte...

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Jovens

“Toda a comunidade está na miséria. Por isso, muitos miúdos daqui fogem e vão para a África do Sul. Está a ver.”

A fuga de jovens moçambicanos para a África do Sul tornou-se uma das soluções improvisadas para os moradores do distrito da Moamba, no sul de Moçambique. Há dois anos, a região sofre os impactos do fenômeno climático El Niño. A vegetação secou e o solo retraiu-se mesmo assim os moradores não desistem de lutar como a jovem Salita que trabalha no campo de dia e à noite vai para a escola.

Vídeo: Cultivando sonhos

"Não Parar"

“A minha ideia é continuar e não parar. Como dizem que a escola não tem idade, tenho que subir mais até o topo.”

A rotina de Salita, de 27 anos, começa às 4h da manhã.  Ela anda de enxada nas mãos, mas sem perder de vista o filho de quatro anos de idade. A jornada de mais de 10 horas termina com uma caminhada de 18 quilômetros. Nos dias de sorte, ela é transportada por um e outro morador de boa vontade, mas nunca para todo o trajeto. Salita não se importa, pois tem uma ideia clara sobre o fim dessa estrada.

“Gostaria de ser agrônoma porque já aprendi um pouco com a minha avó.”

Terra seca

E foi da tia-avó também que ela herdou o gosto pelas tranças longas que cuidadosamente alinham seus cabelos, um contraste com a terra seca e irregular. A área de onde Salita tira seu sustento equivale a dois campos de futebol, perto do rio Incomáti, um dos maiores de Moçambique, e que agora está seco.

Mas a escassez não trava a esperança de Salita nem o sorriso constante e contagiante.

Os sinais da seca marcam as próprias crianças nas pernas, barrigas e nos braços inchados. Muitas reclamam da fome num local que um dia foi de abundância nos campos.

Em Moçambique, inundações e seca afetam 54.853 pequenos agricultores.
ONU Moçambique/Emídio Josine
Em Moçambique, inundações e seca afetam 54.853 pequenos agricultores.

Mudança

Salita afirma que é preciso lutar não só contra a fome causada pela seca, mas também é preciso alimentar a sede pela educação de qualidade. Lutando contra todas as adversidades, ela pretende terminar a escola secundária e fazer a universidade para contribuir para a mudança de vida em sua comunidade.

“Fiquei uns dois anos a perder aulas, fora da escola, porque não tinha condições de ir.”

A história de Salita é similar a de muitas outras meninas e jovens africanas. Impedida de continuar na escola pela pobreza extrema, ela se atrasou ainda mais com uma gravidez indesejada. O namorado fugiu quando soube que seria pai. Mas Salita não se abalou, e todos os dias chega à escola com a enxada na mão e as marcas de calos que revelam as horas de trabalho duro. Mas ela não desiste de aprender e de perseguir o sonho.

Conhecimento

“Sim, aprendendo outras coisas e vou aumentando o conhecimento. Pretendo ser agrónoma. Já sei como semear tomate, feijão-verde e aprendo aqui mesmo. Tenho alguma experiência e basta saber aumentar do outro conhecimento para conseguir produzir mais.”

A ajuda da sua tia-avó Penina acelera os passos para Salita chegar a esse horizonte ambicioso. Além de ensinar a arte de trabalhar a terra, a avó ajuda a cuidar do filho de Salita enquanto esta alimenta sua própria fé de vencer na escola.

Como agrónoma, Salita quer fazer render muito mais o produto dos campos e ajudar a economia a crescer com as vendas num mercado da capital de Moçambique, Maputo, a mais de 80 quilômetros de distância. Mas na conversa com a ONU News, Salita revela que quer ir mais longe.   Seu horizonte vai além-fronteiras e inclui um outro país de língua portuguesa.

Na conversa com a ONU News, Salita revelou que quer ter experiências em um outro país de língua portuguesa.
ONU Moçambique/Emídio Josine
Na conversa com a ONU News, Salita revelou que quer ter experiências em um outro país de língua portuguesa.

Sonho

“(Pretendo) conhecer mais empresários de vários países para me ensinarem mais. Esse é o meu sonho. Talvez viajando daqui para Angola, vou aprender mais como produzem lá e voltar com outra experiência. Esse é o meu sonho.”

A força de luta e a fé para realizar o sonho movem Salita com as palavras do enviado especial da ONU sobre El Niño e Clima, Macharia Kamau.

Ele disse que a situação continua trágica e acrescentou que enquanto se procuram soluções deve ser discutido o que fazer num futuro imediato porque é preciso apoio. O enviado lembrou que as pessoas precisam de comida e água por isso considera a situação uma ameaça a vida ali e agora.

Esperança

Kamau que também viveu o drama da seca em seu próprio país, prometeu buscar apoios para mitigar o sofrimento. Ele  avisou aos moçambicanos que os eventos extremos seriam mais frequentes, uma mensagem que não é a mais agradável de ouvir. A saída, estudar para contornar as dificuldades.

Para Kamau, Salita está no rumo certo ajudando a construir a esperança de um futuro melhor e diferente, o sonho de Salita que pode ser realizado através da educação.