Perspectiva Global Reportagens Humanas

Indígenas da Venezuela cruzam a fronteira com o Brasil em busca de segurança BR

No Brasil, a funcionária do Acnur, Carlotta Wolf, com Magdalena e o bebê Neymar na comunidade indígena de Tarauparu.
© Acnur/Viktor Pesenti
No Brasil, a funcionária do Acnur, Carlotta Wolf, com Magdalena e o bebê Neymar na comunidade indígena de Tarauparu.

Indígenas da Venezuela cruzam a fronteira com o Brasil em busca de segurança

Migrantes e refugiados

Depois que a violência eclodiu na Venezuela, centenas de membros do grupo indígena Pemon fugiram para uma aldeia do outro lado da fronteira brasileira.*

Em uma noite de fevereiro, os habitantes de uma pequena aldeia indígena, em uma das regiões mais remotas do Brasil, acordaram com ruídos incomuns. Vozes e pegadas humanas romperam com a cacofonia de animais noturnos e o barulho das folhas que formam a habitual trilha sonora que emana em torno da floresta.

Os recém-chegados vieram do outro lado da fronteira, na Venezuela, que fica próxima à aldeia. Eles fugiram de suas casas, carregando apenas pequenas sacolas de roupas, lençóis e outros itens essenciais, viajando por horas em terrenos acidentados e cobertos de mata, em busca de um refúgio. Grupos armados atacaram suas comunidades e os deixaram com medo de perderem suas vidas.

Magdalena com sua família na comunidade indígena de Tarauparu, no Brasil.
Magdalena com sua família na comunidade indígena de Tarauparu, no Brasil. Foto: © Acnur/Viktor Pesenti

Pemon-Taurepã

Os recém-chegados eram venezuelanos do grupo indígena Pemon-Taurepã, o mesmo grupo ao qual também pertencem os habitantes da aldeia de Tarauparu, no lado brasileiro da fronteira.

O povo Tarauparu imediatamente acolheu os recém-chegados, assustados e exausto da viagem.

O chefe do Tarauparu, Aldino Alves Ferreira, conta que “haviam pessoas doentes e com deficiência, bebês, crianças e mulheres grávidas” e que eles decidiram receber os “refugiados com o coração aberto”.

Chegada

Aldino lembra que “no primeiro dia, chegaram 67 pessoas” e que nos “dois dias seguintes, foram mais de 100.” No total, ele diz que mais de 1,3 mil Pemons cruzaram a fronteira e se refugiaram em Tarauparu, que antes da crise tinha apenas 263 habitantes.

O chefe da aldeia aponta que “tem sido muito difícil” e que eles não podiam “imaginar quantos viriam”.

Fuga

Uma das recém-chegadas foi Magdalena, que fugiu de sua cidade natal na Venezuela, Sampay, depois que grupos armados em uma cidade próxima abriram fogo contra manifestantes, matando e ferindo vários de seus vizinhos Pemon-Taurepã.

Ela conta que o seu grupo vivia “felizes e em paz até que a violência veio.” A jovem de 21 anos, que estava grávida, fugiu junto com sua mãe, avó e três filhos, com cinco, três e um ano de idade.

A família se dirigiu para o sul, abrindo caminho pela densa vegetação e mantendo-se fora da estrada e de caminhos perigosos, onde temiam que pudessem encontrar as gangues saqueadoras. Carregando apenas trouxas de roupas e lençóis, a família chegou em Tarauparu no meio da noite e foram recebidos por aldeões locais.

Annabel com sua família na comunidade indígena de Tarauparu, no Brasil.
© Acnur/Viktor Pesenti
Annabel com sua família na comunidade indígena de Tarauparu, no Brasil.

Jornada

Annabel, seu marido Levy e os cinco filhos do casal também receberam uma calorosa acolhida ao chegar em Tarauparu, seguindo uma jornada angustiante desde sua casa, que ficava dentro do amplo Parque Nacional Canaima, no leste da Venezuela.

O povo Pemon tinha essa área como seu lar por gerações, e antes da crise, Annabel e Levy trabalhavam como guias turísticos, levando visitantes a atrações, como o Salto Ángel, ou Angel Falls, que é considerada a maior cachoeira ininterrupta do mundo.

Acnur

Embora os habitantes de Tarauparu tenham se mostrado extraordinariamente receptivos e resilientes face a este fluxo de pessoas sem precedentes, dando aos recém-chegados acesso a um tanque de água da comunidade e refeições, os recursos da cidade ficaram sobrecarregados.

A Agência da ONU para Refugiados, Acnur, entrou em ação para tentar aliviar o peso da situação, entregando alimentos, cobertores, colchões, utensílios de cozinha, material de higiene, material de abrigo e outras formas de assistência aos Tarauparu.

Aldino destaca que “a logística é um problema enorme” e que o “Acnur está aqui a cada dia.”

Habitação

A agência da ONU aponta que com o colapso da economia venezuelana, com a escassez dos alimentos e de medicamentos, com a devastadora inflação e turbulência social generalizada, não está claro quando, ou mesmo se, as centenas de Pemons que encontraram segurança no Brasil retornarão para a Venezuela. Como resultado, o Acnur está trabalhando com Aldino para encontrar soluções habitacionais a longo prazo em Tarauparu e em outras aldeias vizinhas.

Aldino conta que “os outros Tuxauas (chefes), se reuniram e decidiram receber refugiados com um coração aberto.”

Enquanto isso, a aldeia que teve seu tamanho multiplicado nos últimos meses está crescendo ainda mais. Magdalena, a jovem mãe de três filhos, deu à luz ao seu quarto filho na sombra de uma árvore, bem ao lado de fora de Tarauparu.

Enquanto na cultura Pemon geralmente se espera vários dias antes de nomear um recém-nascido, Magdalena notou que um médico tinha rabiscado um nome no gráfico do bebê: Neymar, o nome da estrela do futebol brasileiro.

Com um sorriso, Magdalena disse que quer “que ele tenha um nome daqui”, e por isso, “tudo bem continuar como Neymar”.

 

*Reportagem da Agência da ONU para Refugiados, Acnur.