ESPECIAL: Inclusão de Paraty e Ilha Grande em lista de Patrimônio Mundial da Unesco
Especialistas destacam reconhecimento da “importância da relação entre o homem e a natureza”; região é a primeira no Brasil a integrar patrimônio natural e cultural ao mesmo tempo; para Unesco, área “realmente tem um valor excepcional”.
Paraty e Ilha Grande: Cultura e Biodiversidade é agora o 22º bem brasileiro a receber o reconhecimento internacional de Patrimônio Mundial.
A decisão foi tomada pelo Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, durante a sua 43ª sessão que acontece em Baku, capital do Azerbaijão.
Sítio Misto
A região é a primeira no Brasil a se tornar sítio misto do Patrimônio Mundial, reconhecida como patrimônio natural e cultural ao mesmo tempo. Ela abrange porções territoriais de oito municípios dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, sendo que a maior parte da área núcleo está em Paraty e Angra dos Reis.
O novo patrimônio brasileiro inclui o Parque Nacional da Serra da Bocaina, o Parque Estadual da Ilha Grande, a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, a Área de Proteção Ambiental de Cairuçu e o Centro Histórico de Paraty e Morro da Vila Velha.
Falando à ONU News de Brasília, a coordenadora de cultura da Unesco no Brasil, Isabel de Paula, disse que a área tem realmente um valor excepcional, tanto do ponto de vista cultural como histórico e que o reconhecimento é importante por vários motivos.
“Primeiro, porque é a primeira candidatura de um sítio misto no Brasil, isso é importante, que tenta preservar e garantir as características tanto culturais quanto naturais de sustentabilidade de uma região. Ela é muito importante também porque ela reconhece a importância dessa relação entre o homem e a natureza, as pessoas e o meio ambiente. Ali está expressado como que comunidades, como por exemplo, as comunidades quilombolas, as comunidades indígenas, as comunidades caiçaras presentes ali há muitos anos estão mantendo viva a tradição, a cultura dos seus antepassados e demonstram uma relação de sustentabilidade com a natureza.”
Critérios
Para se tornar um sítio do Patrimônio Mundial da Humanidade, o país que propõe a candidatura deve elaborar um documento que expresse as características do local que atendam a um ou mais dos critérios estabelecidos no Guia Operacional para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial.
A agência da ONU destaca que o quinto critério de avaliação utilizado na escolha dos locais também foi “observado fortemente no sítio”.
Este critério estabelece que o local deve ser “um excelente exemplo de assentamento humano tradicional, uso da terra ou uso do mar que é representativo de uma cultura, ou culturas, ou interação humana com o meio ambiente, especialmente quando ele se torna vulnerável devido ao impacto de mudanças irreversíveis.”
A Unesco destaca que “grupos humanos, em diferentes momentos históricos de Paraty, viveram ao lado da paisagem exuberante e exploraram os recursos naturais, terrestres e aquáticos, formando uma interação entre a cultura e a natureza.”
Comunidades Tradicionais
A agência acrescenta que “as comunidades tradicionais de Paraty baseiam suas atividades na utilização da terra e do mar, sendo a pesca artesanal uma atividade intensa, especialmente nas comunidades caiçara e em torno do centro histórico.”
Falando à ONU News de Brasília, o diretor de Patrimônio Material do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil, Iphan, disse que acredita que o reconhecimento da Unesco valoriza o trabalho de preservação e recuperação feito pela população de Paraty e da região ao longo dos anos.
Andrey Rosenthal explicou que a candidatura do local foi feita com base em uma série de valores.
“Quando se construiu a narrativa que foi encaminhada a Unesco, o Iphan e o ICMBio fizeram questão de caracterizar esse local como uma espécie de um sistema como cultural, onde um conjunto de populações tradicionais vivem de maneira sustentável com a biodiversidade. E a partir de agora, com o reconhecimento, a gente espera que esses grupos todos sejam reconhecidos como de certa forma, detentores de conhecimentos e protagonistas dessa história de relação entre a natureza e bens culturais. Então nós temos as comunidades quilombolas ali localizadas, nós temos os conjuntos indígenas, sobretudo os Guaranis, e temos também as comunidades tradicionais caiçaras, ligadas a pesca tradicional. Portanto, no plano de gestão, isso já foi previsto no sentido de que a gente venha também a mantê-los e que eles nos ajudem a preservas esse bem.”
Brasil
O Brasil já possui sete sítios naturais e 14 sítios culturais na lista de patrimônio Mundial.
De acordo com a diretora e representante da agência no país, Marlova Jovchelovitch Noleto, a representação da Unesco no país “celebra a inscrição do novo sítio brasileiro na Lista do Patrimônio Mundial e parabeniza o Governo do país pelo excelente dossiê de candidatura apresentado ao Comitê do Patrimônio Mundial, que garantiu a Paraty e Ilha Grande a inscrição na Lista do Patrimônio Mundial Misto.”
Noleto apontou que com isso, “percurso até a conquista do título foi longo, durou mais de 10 anos, mas com dedicação, persistência e aprimoramento da candidatura o reconhecimento internacional foi concedido a esse sítio de excepcional valor universal para a humanidade.”
Mata Atlântica
Segundo a Unesco, o novo Sítio Misto brasileiro está localizado em um dos centros endêmicos da Mata Atlântica e representa uma das áreas de maior diversidade biológica para este local.
A biodiversidade acentuada reconhecida por esta área deve-se a fatores históricos e evolutivos associados a fatores geográficos que criaram uma diversidade única de paisagens com um conjunto de altas montanhas e forte variação altitudinal, onde seus ecossistemas ocupam áreas desde o nível do mar até cerca de 2 mil metros de altura.
Esta seção da Mata Atlântica representa a maior riqueza de endemismo para plantas vasculares ao longo deste local e apresenta 57% do total de aves endêmicas da região, o maior percentual encontrado entre as áreas mais importantes para a conservação de aves identificadas na Mata Atlântica.
Preservação
Para Isabel de Paula, da Unesco, a conquista da região contribuirá na preservação da área.
“O Brasil ganha, Paraty ganha e a região de Angra dos Reis também em termos de visibilidade porque o Brasil e Paraty passam a estar vistas internacionalmente pelos olhos do mundo todo como um lugar de valor excepcional e isso naturalmente atrai turismo, isso atrai novos investimentos do ponto de vista econômico, mas também, mais importante, ele atrai a necessidade de que os gestores públicos, as comunidades, se empenhem no compromisso de garantir tanto a sustentabilidade, a preservação do patrimônio histórico e cultural, como também, a conservação da natureza, da fauna e da flora dessa região, e também, preservar as características culturais, a vida com melhor qualidade para essas comunidades que formam a região.”
A coordenadora de cultura da Unesco explica que quando um sítio passa a fazer parte da lista de Patrimônio Mundial, existe uma espécie de acompanhamento por parte da agência e que os poderes públicos passam a ter que “prestar contas e apresentar relatório periódicos de como está se dando a conservação dessas regiões”.
Turismo Internacional
Rosenthal do Iphan também acredita que o reconhecimento trará benefícios, já que ao apresentarem a candidatura, tanto os poderes municipais, como os estaduais e o federal, assumiram compromissos pela preservação do bem. Fora isso, a região também deve ter benefícios econômicos em relação ao turismo nacional e internacional.
“Naturalmente, em função da inscrição na lista do Patrimônio Mundial, o número de turistas que vão buscar e vão procurar a região de Paraty deverá aumentar, isso pelo simples fato desse patrimônio a partir de hoje pertencer a todos. Há um interesse, é um bem comum que nos une a partir de hoje.”
Efeito Dominó
Para o diretor do Patrimônio Mundial do Iphan o reconhecimento deve trazer ainda benefícios para as regiões vizinhas e outros locais do país.
“Eu acho que é uma espécie de um efeito dominó no bom sentido, a gente aguarda, tem a esperança de que as demais comunidades, demais municípios, percebam como o patrimônio, quando trabalhado como um ativo, ele ajuda a impulsionar o desenvolvimento. É o caso de Paraty. Até em relação a outros municípios que optaram por demolir o seu patrimônio, destruir a sua tradição, e que hoje não estão nessa condição. Paraty felizmente soube preservar o seu patrimônio, acho que o Iphan teve um papel significativo nesse processo, mas de qualquer maneira, a gente tem que reconhecer o papel fundamental da comunidade local.”
Comitê
O Comitê do Patrimônio Mundial é composto por representantes de 21 Estados Partes da Convenção do Patrimônio Mundial, que se reúnem anualmente. O grupo de especialistas está encarregado de implementar a Convenção. Na lista de representantes estão os lusófonos Angola e Brasil.
Este ano, o Comitê do Patrimônio Mundial está examinando 35 nomeações para inscrição na lista do Patrimônio Mundial da Unesco.
Também estão sendo avaliados o estado de conservação de 166 locais já inscritos na Lista do Patrimônio Mundial, 54 dos quais também figuram na Lista de Patrimônio Mundial em Perigo.
O objetivo desta lista é informar a comunidade internacional de condições que ameaçam as características que fizeram com que um local fosse inscrito como patrimônio mundial e estimular ações corretivas.