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Perspectiva de gênero nas missões de paz da ONU BR

Entrevista com a capitão de corveta da Marinha do Brasil, Márcia Braga.
Reprodução/ONU News
Entrevista com a capitão de corveta da Marinha do Brasil, Márcia Braga.

Perspectiva de gênero nas missões de paz da ONU

Paz e segurança

Neste Destaque ONU News Especial, a capitão de corveta da Marinha do Brasil, Márcia Braga, ressalta a importância da perspectiva de gênero nas missões de paz da ONU e na proteção de civis. Braga é a vencedora do Prêmio de Defensora Militar do Gênero das Nações Unidas. A militar encerrou sua participação na Missão da ONU na República Centro-Africana, Minusca, em abril de 2019.

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Como reverberou esse prêmio Defensora Militar do Gênero das Nações Unidas? E como foi o término dessa missão que você estava desde 2018. Como está esse momento agora para você e o que você trouxe de aprendizado disso tudo que aconteceu?

Primeiramente muito obrigada pela oportunidade. Na verdade, a minha missão terminava no dia 23 de abril, e eu acabei ficando mais uma semana, por ter um período para eu poder passar a missão, explicar o trabalho para a oficial que foi me substituir, também do Brasil. A ideia é que o trabalho continue, que não pare, que continue toda a ideia toda a ideia, do emprego da perspectiva do gênero nas missões militares. Depois do prêmio houve uma repercussão muito grande no Brasil, então foi divulgado. Com isso eu recebi alguns convites. Eu participei de um evento na Unic Rio, em que eu falei da minha experiência, principalmente empregando essa perspectiva de gênero para proteção de civis. Foi um evento que foi por conta do dia do peacekeeper. E como a maior parte das missões da ONU tratam de proteção de civis, então foi um momento também para explicar como empregando essa ideia do gênero, a gente poderia obter mais efetividade na prevenção de violações. Então eu tive esse evento, participei também de um evento aqui em Nova Iorque, há duas semanas atrás. Foi justamente quando houve a comemoração dos 20 anos do primeiro mandato voltado para proteção de civis. Aí eu também falei sobre a minha experiência na Minusca, voltada para proteção de civis. Fiz também algumas palestras, para o Ministério da Defesa e o Comando de Operações Navais, porque eu sou da Marinha. Participei de um evento agora, segunda-feira, aqui para uma organização para o desenvolvimento sustentável. Então assim, mudou um pouco a minha vida. Tenho tido convites, a própria parte de imprensa, revistas. E o que eu achei mais interessante, com essa repercussão, foi poder divulgar o trabalho, mostrar a importância do trabalho da ONU para as comunidades ali que passam por dificuldades, que passam por momentos de conflitos e explicar a importância do nosso trabalho. E também, da mesma maneira, mostrar a importância de ter mais mulheres peacekeepers nas missões da ONU. Então acho que também teve esse outro lado que acabou ajudando a inspirar outras pessoas a procurarem e se voluntariarem para uma carreira na ONU. Não só militares, mas também civis. Vários civis me procuraram falando como fariam para trabalhar na ONU. A representação brasileira era muito baixa de civis, então eu também vi como um ponto positivo.

A perspectiva de gênero nas missões de paz da ONU

 

Agora, você estando lá em campo, você falou da curiosidade das pessoas, de quererem ajudar, quais são as maiores ameaças da proteção dos civis? O que ameaça esses civis, e qual o objetivo da missão lá? Para proteger do quê exatamente?

A República Centro-Africana, a Minusca que é a nossa missão lá, ela tem por objetivo a proteção de civis. Então é um país que tem vários grupos armados, então a gente tem várias violações. Muitas vezes o problema não fica entre eles, mas a população que acaba sendo alvo. Então assim a nossa missão mesmo lá, de quem está lá trabalhando, é justamente se preocupar em prevenir as violações e proteger os civis. Daí vir essa ideia da perspectiva de gênero para proteção de civis que, por exemplo, eu começo a ter um entendimento de como o conflito afeta cada um dos grupos. Então eu tenho homens, mulheres, meninos e meninas, então, eu não vejo com um grupo homogêneo, mas eu começo a atender a rotina de cada um deles, e cada área que é mais sensível para cada um deles, onde as violações ocorrem. Com esse conhecimento, eu consigo planejar, fazer um melhor planejamento militar, e poder prevenir aquelas violações. Ou seja, até mesmo um melhor posicionamento das nossas tropas. O que ocorre é que a gente não pode estar em todo o tempo em todo lugar.  Então, é um entendimento que eu começo a empregar de forma a buscar essa efetividade. E aí vem essa questão, essa preocupação grande de prevenir. Agora nós temos um novo acordo de paz que foi assinado em Bangui, foi negociado em Khartum e assinado em Bangui que é justamente para entrar em acordo para que não ocorram as violações. Então, na responsabilidade muito grande que eu vejo agora de quem continua na missão, é justamente monitorar para ver se os grupos armados estão cumprindo aquilo que foi acordado nesse tratado de paz.

Secretário-geral entrega prêmio à militar brasileira Márcia Andrade Braga
Foto ONU/Cia Pak
Secretário-geral entrega prêmio à militar brasileira Márcia Andrade Braga

 

E em termos de desarmamento destes grupos, de investigação, como é que funciona isso?

Tem toda uma parte de DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração), que é justamente para o desarmamento, e a tendência é que vá crescendo. Porque a gente tem o problema de armas, grupos armados que ficam juntos à população. Então, a tendência é que você cada vez mais busque o desarmamento e o acordo de paz vá se fortalecendo. É um processo. Não é um caminho simples, mas é um trabalho cotidiano mesmo, de ir desarmando e ir reintegrando as pessoas que estavam., que eram participantes de grupos armados. Trabalhando com projetos para que essas pessoas se reinsiram naquela comunidade local, enfim.

Essa parte de proteção de civis é uma parte que realmente eu me apaixonei. É uma parte que eu gosto muito. Eu acho que é o coração de uma missão.

E em termos de proteção de civil, acontece de você ter que proteger civis de civis, como é numa situação destas?

Sim, porque muitas vezes eu tenho ali pessoas que acabam sendo levadas ali para aquela ideia ou aquele movimento mesmo, e muitas vezes é muito complexo. Porque você, talvez essa seja a maior complexidade da proteção de civis, porque não é tão claro ali os limites. Então, muitas vezes, você está ali trabalhando, você tem por exemplo meninos soldados. Então você tem situações que são muito complexas. Então, é uma missão que ela é muito desafiadora, eu diria. E que eu vejo que cada vez mais ela exige que você tenha um conhecimento muito profundo ali do que acontece na sua área de responsabilidade. Daí vem um ponto que eu sempre tocava, que eu sempre falava muito, que era justamente aumentar essa interação, o engagement, você procurar cada vez mais se inteirar, trocar, conversar com a comunidade, entender o que está acontecendo ali, onde eles têm as restrições de movimento, quando eles não podem acessar uma determinada área, por conta da presença de pessoas armadas, enfim. Para que você consiga fazer essa diferenciação ali, do civil entre o civil. Não é tão simples.

Centro brasileiro deve formar altos oficiais nacionais e de países que contribuem com tropas para a ONU.
Minusca/Hervé Serefio
Centro brasileiro deve formar altos oficiais nacionais e de países que contribuem com tropas para a ONU.

 

Bom, estamos chegando ao fim da nossa entrevista e eu queria perguntar para você quais são agora os planos e se você quer deixar uma mensagem aqui para a gente.

Olha, planos para o futuro, meu objetivo é continuar trabalhando nessa área. É continuar estudando. Essa parte de proteção de civis é uma parte que realmente eu me apaixonei. É uma parte que eu gosto muito. Eu acho que é o coração de uma missão, é a proteção de civis. Eu não consigo ver de uma outra forma. Os planos para o futuro é continuar na área. Quando receber convites compartilhar a minha experiência. Eu acho que é uma experiência que vale a pena ser compartilhada. Continuar explicando como é a situação na República Centro Africana, que é um país que muitas vezes não é conhecido. As pessoas não entendem quais as violações que nós temos lá, como a vulnerabilidade das pessoas. Então, o que eu puder ajudar agora nessa fase que eu estou fora da missão, eu gostaria de continuar ajudando justamente nesse sentido de mostrar como as coisas acontecem e poder contribuir para que cada vez mais a gente consiga ter um pouco de paz. Porque na realidade o que as pessoas querem lá é continuar com as suas vidas. Então, os meus planos, é justamente continuar nessa área no Brasil. Eu vou trabalhar com a parte de treinamento para militares que serão empregados em missões de paz. Então, o objetivo é justamente esse. Aumentar essa conscientização, principalmente voltada para a proteção de civis, empregando a perspectiva de gênero.