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Brasileiro explica os impactos da transformação digital BR

Edson Prestes faz parte de um grupo de 20 peritos, co-presidido pela filantropa Melinda Gates e o empresário Jack Ma.
Reprodução
Edson Prestes faz parte de um grupo de 20 peritos, co-presidido pela filantropa Melinda Gates e o empresário Jack Ma.

Brasileiro explica os impactos da transformação digital

Cultura e educação

Neste Destaque ONU News Especial, Edson Prestes explica o relatório "A Era da Interdependência Digital", lançado na segunda-feira aqui na sede da ONU em Nova Iorque. O brasileiro faz parte do grupo de 20 peritos, co-presidido pela filantropa Melinda Gates e o empresário Jack Ma, que forma um painel independente nomeado pelo secretário-geral da ONU António Guterres. 

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Edson, para começar, eu gostaria que o senhor citasse as principais questões que foram abordadas por este relatório e, também, os principais desafios.

Esse relatório é um relatório bem interessante que tenta ver a tecnologia do ponto de vista bem amplo, mais amplo possível. Olhando não somente aspectos positivos como negativos, e nessas discussões, nós levantamos aspectos relacionados a capacitação, como as pessoas devem estar preparadas para o futuro. Aspectos relacionados a direitos humanos, as possíveis violações que a tecnologia pode conduzir, dos direitos humanos. Como proteger os humanos, aspectos relacionados à segurança, nós levamos em consideração aspectos relacionados à inclusão no ambiente digital, e também, aspectos relacionados a como gerir este tipo de informação, a como estabelecer uma cooperação global para que as nossas linhas consigam fluir suavemente.

Atualmente importantes discussões e exemplos de inteligência artificial estão em ação, incluindo a robótica.
ITU Twitter
Atualmente importantes discussões e exemplos de inteligência artificial estão em ação, incluindo a robótica.

 

O senhor estava citando estes impactos negativos. Por exemplo, o senhor citou a questão da privacidade. O senhor poderia falar mais um pouco sobre essa questão? Impactos negativos em geral?

Isso. Quando nós pensamos em tecnologia, nós podemos pensar em tecnologia, eu sou muito otimista, primeiro, eu sempre vejo a tecnologia de um ponto de vista muito positivo. Porém, eu não sou ingênuo a pensar que não existam pontos negativos. E existem pontos negativos. Se nós pensarmos por exemplo em corridas entre diferentes países para dominar a área de inteligência artificial ou a área de robótica, nós vamos observar que inúmeros países vão estar a margem dessa corrida. E o que pode acontecer? Isso pode acentuar a desigualdade social que existe, a desigualdade social existente entre esses países. Esse é um ponto. Um aspecto superimportante que nós observamos. Outro aspecto é o impacto das tecnologias nos nossos direitos, em nossos valores. Você havia comentado sobre a privacidade. A privacidade é um tópico superimportante, porque se nós não tivermos privacidade nos nossos dados, e os nossos dados são os elementos mais importantes que nós podemos ter, nós poderemos, por exemplo, sofrer inúmeras consequências devido a isso. Por exemplo, nós poderemos, em relação a privacidade, ser manipulados nas nossas decisões, nós poderemos por exemplo, ser alvejados de alguma forma, quando nós estamos concorrendo a vagas de trabalho, ou de repente, quando nós estamos concorrendo, ou quando nós estamos cuidando dos nossos filhos. Já existem inúmeros casos bem documentados, ou escândalos nesse caso, de sistemas que simplesmente podem olhar todo o teu histórico e devido ao fato de tu não teres de repente uma vida adequada, ou condições financeiras adequadas, dizer que tu não tens capacidade de criar o teu filho. Ou seja, que o teu filho está em situação de risco. Ou de repente, tu poderias ter situações, onde devido a tua origem ou devido ao teu nome, tu podes dizer assim, essa pessoa não é adequada para um determinado posto de trabalho. Simplesmente pelo fato de tu teres de repente um nome latino, ou de repente por seres uma mulher ou de repente por tu teres uma deficiência. Então, estes tipos de situação são situações que são extremamente graves e nós precisamos ter uma discussão muito ampla sobre isso. Ou, no futuro, nós podemos pensar em casos como máquinas que vão decidir se tu deves morrer ou não. Isso não somente na área de máquinas letais autônomas, mas sim, de sistemas médicos, que de repente vão cortar os seus benefícios. Ou seja, toda essa discussão, ela foi trazida para o painel.

 A robô Sophia fala com a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, na sede da ONU em 2017.
ONU/Manuel Elias
A robô Sophia fala com a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, na sede da ONU em 2017.

 

E a área trabalhista, que é uma das questões mais discutidas e, também, da interação entre as pessoas?

Exato, exato, a área trabalhista é superimportante, porque como é que essas pessoas vão estar, vão ser capacitadas, elas vão estar preparadas para esse novo futuro. Nós sabemos que a educação atual, ela não é uma educação adequada. Ela não é uma educação adequada por vários motivos. Ou seja, ela não está preparada, ela não está focada para o que o futuro pode trazer. E nesse sentido, existem várias linhas de pensamento que dizem que nós temos de investir na área de Stem, ou seja, ciência, tecnologia, engenharia e matemática, e existem algumas discussões sobre a inclusão de artes. Mas no meu ponto de vista, isso não nos leva a uma situação onde essa pessoa vai estar adequada para o futuro, porque ela forma pessoas muito técnicas. Nós precisamos ter outros mecanismos que estimulem a criatividade da pessoa, a resolução de problemas, o relacionamento interpessoal, e assim por diante.

Primeira recomendação do relatório diz que em 2030 todo o adulto deve ter acesso às redes digitais.
Banco Mundial/Arne Hoel
Primeira recomendação do relatório diz que em 2030 todo o adulto deve ter acesso às redes digitais.

 

O relatório traz uma série de recomendações, o senhor poderia por exemplo, por favor, citar as principais recomendações, principalmente em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e, também, de direitos humanos. E quais os desafios nessas áreas, em implementar essas recomendações?

Nós temos, por sinal, eu estou até aqui com o documento, nós temos 11 recomendações. Ou seja, nós temos recomendações falando sobre economia e sociedade digital inclusiva. Ou seja, se nós quisermos oferecer oportunidades para todo mundo, todo mundo tem que ter acesso à internet. Tem que ter acesso a todos os benefícios que o mundo digital pode oferecer. E isso é um dos principais elementos. Ou seja, a primeira recomendação ela diz o seguinte: que em 2030, todo o adulto deve ter acesso às redes digitais, assim como serviços de saúde e financeiros que estejam habilitados a esse domínio, como um mecanismo para fazer uma contribuição substancial ao desenvolvimento dos ODSs. Ou seja, esse é um dos pontos superimportantes. Porque se nós não tivermos esse acesso, nós não vamos ter uma transformação digital que atinja todos e tenha igual efeito a todos.

Nós temos recomendações falando sobre economia e sociedade digital inclusiva. Ou seja, se nós quisermos oferecer oportunidades para todo mundo, todo mundo tem que ter acesso à internet.

 

Voltando a questão da educação, porque o senhor também atual como professor na Universidade federal do Rio Grande do Sul que fica em Porto Alegre. Na sua opinião, qual a importância do envolvimento da academia nesse tipo de discussão, o senhor estava falando do investimento na educação, mas também quais são os maiores desafios para preparar, inclusive, esses jovens para esse futuro que está se aproximando, com essas mudanças?

Educação é fundamental. Primeiro, se nós quisermos ter um futuro bom, nós precisamos investir em educação. Eu sempre costumo dizer que país que não investe em educação é um país condenado. Então, se você não investir em educação, você está condenado. Você está condenado a ser apenas, sendo de repente um pouquinho mais radical no meu pensamento, mas é como se você fosse colonizado. Porque você não está desenvolvendo tecnologia, você não está desenvolvendo ciência. Você simplesmente está absorvendo, ou você está deixando, outras pessoas tomarem decisão por você mesmo. Então, se você não investe em educação, que tipo de pessoa você vai estar formando. Você não vai estar formando uma pessoa que vai conseguir contribuir de uma forma significativa nesse debate. Que vai conseguir no desenvolvimento de novas tecnologias. É muito mais provável que você seja mais uma pessoa que vai absorver essas tecnologias do que alguém que vai realmente ter uma posição ativa, uma voz ativa. E nesse sentido, a universidade, ela é fundamental. Primeiro porque a universidade, ela gera ciência, ela gera conhecimento, e ela tem todos esses elementos fundamentais para que nós consigamos, então, ter um futuro brilhante. Só que óbvio, ela tem que ser repensada. Ou seja, nós temos que ter uma visão mais holística da educação. Porque hoje, não é apenas formar mais engenheiros, mais pessoas que trabalham com inteligência artificial, robótica, não é somente isso. É você ter um profissional mais completo. Que consiga olhar a engenharia do jeito que ela é, mas consiga olhar também aspectos humanos. Ou seja, consiga compreender outras pessoas. Consiga identificar valores, consiga identificar princípios, e incorporar esses princípios na tecnologia. E, lógico, aí nós estamos falando de engenheiros, estamos falando de sociólogos, estamos falando de psicólogos, mas nós precisamos regulamentar, precisamos de advogados. Então, nós temos que ter uma integração, e onde é melhor local para termos essa integração? Dentro das universidades.

Brasileiro explica os impactos da transformação digital