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Luso-brasileira explica como atua na nova missão da ONU no Iémen

Sílvia Carvalho destacou a importância da operação destes silos para a população iemenita
Reprodução
Sílvia Carvalho destacou a importância da operação destes silos para a população iemenita

Luso-brasileira explica como atua na nova missão da ONU no Iémen

Ajuda humanitária

Sílvia Carvalho está na mais nova missão criada nas Nações Unidas, no Iémen, país que é hoje considerado um dos que enfrenta a maior crise humanitária do mundo. Em entrevista à ONU News, a luso-brasileira explica sua atuação na área da logística da Missão de Verificação, em Hodeida.

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Como é que uma luso-brasileira vai parar no Iémen?

É uma longa história. Na verdade, a minha posição é aqui no headquarters, eu trabalho na área de life support, portanto, suporte à vida, mas na área da logística, no logistics support division. Obviamente, fui designada para atender a missão do Iémen na condição de chefe da provisão de serviços e da cadeia de suprimentos. Eu trabalho para duas missões, para a missão política que é a Unsesgy, Office of the Special Envoy of the Secretary-General e para a Unmha, a United Nations Mission in Support of the Hodeidah Agreement, que é a nossa mais nova missão do Iémen, uma missão de verificação, para junto aos rebeldes houtis do Iémen, de todo o trabalho que a gente está a querer fazer para permitir a abertura dos corredores humanitários em todo o Iémen.

Milhões de crianças em todo o Iémen enfrentam sérias ameaças devido à desnutrição.
Unicef/Taha Almahbashi
Milhões de crianças em todo o Iémen enfrentam sérias ameaças devido à desnutrição.

 

E esta questão eu queria dar algum enfoque aqui. O que é que se está a passar? O Iémen passa hoje a pior crise humanitária, por que? Por falta de alimentos? Internamente o que pode ser feito, como missão, como Nações Unidas, para que a situação melhore?

Não, na verdade a situação do Iémen é uma guerra civil interna, onde há grandes fricções políticas entre os dois grandes grupos políticos. Acontece que os rebeldes houtis ocuparam os portos de entrada do Iémen. O principal é o Porto de Hodeida, hoje temos um país dividido e justamente a missão da ONU, o facto de não haver a abertura dos portos à entrada de ajuda humanitária ou haver uma muito limitada ajuda humanitária, porque algumas das agências da ONU estão lá. O World Food Program está lá, mas quer dizer, tudo é muito limitado, tudo é muito pouco flexível, há uma grande necessidade de uma plataforma política bem estabelecida e é isso que a ONU está fazer. O facto dos portos, de não haver rotas de acesso para a ajuda humanitária estão a criar todos os problemas de suprimentos de suporte à vida, portanto, água, comida. Vou dar-lhe um exemplo, os moinhos do mar Vermelho que têm grãos suficientes para atender por um mês cerca de 4 a 5 milhões de pessoas estão fechados e que agora correm o risco de deteriorarem-se. Uma das grandes missões da plataforma política é justamente liberar acesso a estes moinhos que contém esses silos, que contém esses grãos, para ver se a gente consegue fazer todo esse suporte, esse apoio. Obviamente, numa condição de guerra civil, e é uma guerra que já se alastra há muito tempo, todas a principais áreas socias, sejam áreas educacionais, políticas ou socioeconômicas estão comprometidas.

 

O porto de Hodeida é uma das poucas linhas de vida para ajuda humanitária e combustível para o país.
Unicef/Abdulhaleem
O porto de Hodeida é uma das poucas linhas de vida para ajuda humanitária e combustível para o país.

E neste momento o que é que seria o ideal, como as Nações Unidas dariam essa missão como cumprida, como funcionária sentiria que o seu trabalho ali estaria mesmo a valer a pena nessa missão de verificação?

Uma das decisões do Conselho de Segurança em relação a missão da Unmha é justamente permitir a entrada dos observadores humanitários que funcionariam como coordenadores e observadores para que a paz e os acordos implementados politicamente sejam cumpridos por ambas as partes, porque obviamente numa guerra civil todos tem razão e todos tem demandas, todos os lados tem os seus motivos e suas explicações.  A ideia é a gente estão ser uma área de coordenação, uma área onde haja com consenso social, para que as coisas possam começar a ter todo um fluxo econômico, comercial. As outras agências da ONU também possam entrar com todas os seus programas e as suas mediações, portanto melhores escolas, melhor formação, melhores condições de saúde, vacinas, enfim, tem muito o que fazer e há muito o que fazer. No meu trabalho dentro da Peacekeeping Operations, é justamente gerar a logística necessária de apoio aos observadores militares. Portanto, agora nós temos um barco lá, que é o nosso hotel, é o nosso escritório, justamente é uma das áreas que vai estar ancorada no porto de Hodeida, e estamos a começar todo o trabalho. Estou conversando agora com você realmente numa fase muito ainda incipiente da própria missão. A missão está em processo de definição e com certeza daqui a seis meses vai estar com um formato totalmente diferente. E a gente tem esperança de que justamente essa Missão de Verificação, que é o nome que ela tem, possa abrir novas rotas, possa abrir novos horizontes, novas perspectivas, para o tal sofrido povo iemenita. Deixe-me pôr a coisa da seguinte maneira, já não estamos onde estávamos, mas também ainda não chegamos lá.

Conflito no Iémen já dura cinco anos.
Ocha/Giles Clarke
Conflito no Iémen já dura cinco anos.

 

Bom, uma luso-brasileira, falou há pouco que tinha mais uma brasileira, são os únicos lusófonos. Como se sente uma mulher no meio desta nova esperança no Iêmen trazida pelas Nações Unidas? Recomendaria que mais mulheres fossem lá?

Com certeza. Eu acho que a liderança feminina tem grandes vantagens e eu acho que cada um dos géneros tem, são ferramentas específicas para determinadas ocasiões. A liderança feminina ela tem uma percepção mais social, mais humana, e considero que a gente consegue ajustar-se e criar plataformas de entendimento de uma maneira muito especial. Eu trabalho em uma área técnica. Há muitas poucas pessoas que trabalham, muito poucas mulheres que optam pelas áreas técnicas. A minha formação, apesar de eu ter tido uma formação em direito internacional, eu enveredei muito cedo na indústria automobilística e trabalhei na área de transporte. Eu vim para a ONU na condição de especialista em transporte terrestre. E estou na logística daqui do secretariado na área de transporte terrestre. Então, toda essa formação da logística e esse trabalho de planejamento avançado é justamente extremamente desafiador e muito inovador também. Eu realmente acho que as mulheres têm que se abrir para outras possibilidades. Tudo é possível, tanto para mulheres quanto homens. Eu acho que não há necessidade de rotular ou etiquetar posturas, comportamentos ou definições, cada um tem que acredita que é. Mais ou menos por aí. Então, eu gosto do que eu faço, acredito no que eu faço, e sei que tomei a decisão correta quando eu decidi concorrer às Nações Unidas. Eu recomendo vivamente a todas as moças e mulheres que sentem que podem contribuir que sejam, se candidatem, se abram para possibilidades no campo, independentemente da raça, cor, formação, há possiblidades para todos, e realmente precisamos de mais mulheres. Acho que vai ser uma contribuição muito boa, e vai ser muito bom ter a bordo novos valores e novas possibilidades de liderança.

 

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