ONU conclui “maior operação de ajuda humanitária de sempre” realizada na Síria
Iniciativa complexa de nove dias quer apoiar 40 mil pessoas; várias agências das Nações Unidas estiveram envolvidas com mais de 300 funcionários e voluntários; enviado especial acredita em “solução negociada” para resolver o conflito.
As Nações Unidas e o Crescente Vermelho Árabe Sírio concluíram, esta quinta-feira, a entrega de assistência humanitária a mais de 40 mil deslocados no remoto assentamento de Rukban, no sudeste da Síria, junto à fronteira com a Jordânia.
A complexa operação de ajuda é a maior já realizada pela ONU naquele país. A missão de nove dias envolveu 133 camiões, com mais de 300 funcionários e voluntários.
Assistência Humanitária
Foram necessários mais de dois meses de negociações com todas as partes para garantir acesso seguro. A ONU chega assim, pela segunda vez, a este local remoto, onde os meses frios agravam a situação.
O coordenador residente e Humanitário da ONU na Síria, Sajjad Malik, afirmou que esta operação que envolve várias agências da ONU “proporcionou assistência às pessoas em Rukban, muitas das quais são mulheres e crianças que ficaram retidas no deserto em condições extremamente severas durante anos.”
O responsável informou ainda que as pessoas têm dito às equipas humanitárias o quão “desesperada é sua situação” e como têm frio, fome e “carecem de acesso aos serviços mais básicos, sendo a água escassa.”
A Agência de Refugiados da ONU, Acnur, foi duma das agências que participou nesta operação que fez chegar alimentos, medicamentos e equipamentos médicos, roupas de inverno, abrigos e kits de higiene aos residentes do campo.
Segundo o Acnur, também foram distribuídos materiais de educação e kits infantis.
Em comunicado, a agência destaca que as condições em Rukban são “desesperantes”, onde “praticamente não há serviços e o acesso à água limpa é muito limitado.”
Os mais vulneráveis são mulheres, crianças e pessoas com deficiência, que não têm apoio e são deixados à sua própria sorte. Os preços dos produtos que chegam ao campo são muito caros e estão além das possibilidades da maioria das famílias.
Avaliação
Como parte do esforço de prestar uma ajuda mais ampla, os funcionários do Acnur passaram mais de uma semana em Rukban e conversaram com famílias, especialmente mulheres, de várias idades, para entender as dificuldades que enfrentam diariamente.
A maioria da população civil em Rukban são mulheres e crianças, vivendo em abrigos improvisados e dispersos, sem privacidade nem proteção contra as duras condições climáticas.
O Acnur destaca também que a situação de desespero gera casamentos precoces, com algumas mulheres submetidas a casamentos em série. Há relatos de meninas que adotaram a prática do sexo para sobreviver.
O Acnur informa ainda que muitas mulheres ficam com medo de deixar suas casas de barro ou tendas para ficar do lado de fora, pois há sérios riscos de abuso e assédio sexual.
A agência apela a todas as partes do conflito para que facilitem a entrega de ajuda. O acesso seguro é essencial para fornecer recursos que salvam vidas e realizar avaliações de necessidades, conforme exigido pelo Direito Internacional Humanitário.
Alimentação
O porta-voz do Programa Alimentar Mundial, PAM, Hervé Verhoosel, fez um balanço da insegurança alimentar que se vive naquela região. Segundo o representante, “há uma pobreza significativa dentro do assentamento, com muitas famílias sem condições de pagar uma refeição além do pão e do arroz seco. A maioria das famílias disse que não pode comprar legumes ou carne porque são extremamente caros no mercado.”
Segundo a agência, os adultos comem uma refeição por dia, economizando o que têm para os seus filhos. A maioria das famílias não tem lenha para preparar alimentos e utiliza lixo e plástico para fazer fogo para cozinhar e se aquecer.
A situação agrava-se com os elevados preços de mercado de produtos alimentares e não alimentares devido ao contrabando de mercadorias para o mercado.
Crianças
Por outro lado, o Fundo das Nações Unidas para a População, Unicef, vacinou milhares de crianças durante a missão de nove dias.
A diretora executiva da agência, Henrietta Fore, que visitou a Síria em dezembro do ano passado, lembra que “as crianças em Rukban e outras áreas difíceis da Síria ainda lutam pela sua sobrevivência e precisam de assistência humanitária urgente antes que seja tarde demais." A representante acrescentou que “este último comboio humanitário permitiu entregar apoio desesperadamente necessário a algumas das crianças e famílias mais vulneráveis.”
O Unicef alerta para a dificuldade no acesso aos serviços de saúde, a ausência de médicos e o reduzido número de clínicas mal equipadas. Desde dezembro do ano passado, pelo menos oito crianças, a maioria delas recém-nascidas, morreram no campo por causa das baixas temperaturas e da falta de assistência médica.
Quase 3 mil crianças em idade escolar em Rukban estão fora da escola por causa de salas de aula superlotadas, falta de professores qualificados e condições financeiras difíceis.
Negociações
Em conversa com os jornalistas, em Genebra, o enviado especial da ONU para a Síria, Geir O. Pedersen, explicou o trabalho que tem sido feito junto das autoridades do país para resolver o conflito.
Pederson disse estar empenhado na concretização de uma Síria baseada na resolução 2254 do Conselho de Segurança que prevê o respeito pela unidade, a integridade territorial e a soberania da Síria.
O representante informou que tem abordado “todas as questões relacionadas com a governação, o processo constitucional e a necessidade de eleições supervisionadas pela ONU.” As questões de ajuda humanitária e dos refugiados também têm sido discutidas.
Para o representante uma “solução negociada” é possível mas para tal “as duas partes têm de se sentar e iniciar negociações reais.”
Pederson disse também que tem esperança de que haja um comitê constitucional em breve, que marcará o início “de algumas discussões sérias que poderiam abrir um processo político que levará a um resultado negociado para o conflito.”