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“Genocídio é um processo. Requer recursos, planejamento e tempo.”

Conselheiro Especial da ONU para Prevenção do Genocídio, Adama Dieng.
ONU/Amanda Voisard
Conselheiro Especial da ONU para Prevenção do Genocídio, Adama Dieng.

“Genocídio é um processo. Requer recursos, planejamento e tempo.”

Assuntos da ONU

Declaração é do Conselheiro Especial da ONU para Prevenção do Genocídio, Adama Dieng; após visitar refugiados rohingya em Mianmar, ele diz que já é hora da Ásia promover sociedades inclusivas; neste 7 de abril, mundo lembra os 24 anos do genocídio em Ruanda.

O advogado Adama Dieng, do Senegal, foi escolhido em 2012 pelo então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, para ser o conselheiro especial da organização para Prevenção do Genocídio.

Dieng participou dos trabalhos do Tribunal Penal Internacional para Ruanda como secretário-geral assistente, em 2001, e tem uma larga trajetória em temas de direitos humanos.

700 mil

No posto atual, ele realizou uma visita oficial a Cox’s Bazar, em Bangladesh, para ver de perto as condições de vida de refugiados rohingya que estão escapando da violência em Mianmar, o país vizinho. Até o momento, mais de 700 mil rohingyas chegaram a Bangladesh.

Ao retornar a Nova Iorque, conversou com a ONU News sobre o que viu ao se encontrar com refugiados e autoridades locais.

Adama Dieng realizou uma visita oficial a Cox’s Bazar, em Bangladesh, para ver de perto as condições de vida de refugiados rohingya.
ONU/Claudia Diaz
Adama Dieng realizou uma visita oficial a Cox’s Bazar, em Bangladesh, para ver de perto as condições de vida de refugiados rohingya.

Para o conselheiro especial, os rohingyas estão enfrentando umas das crises humanitárias mais graves do mundo. Muitos têm fugido de Mianmar a pé e enfrentado horas de caminhada até Cox’s Bazar com relatos de horror.

Para Dieng, o mundo precisa estar atento e oferecer proteção.

Adama Dieng afirma que é preciso prestar mais atenção à prevenção. E lembrou que quando a Segunda Guerra Mundial acabou, o mundo dizia “nunca mais”, mas mesmo assim ocorreram os genocídios dos tutsis em Ruanda, o genocídio de muçulmanos em Srebrenica, e por isso é preciso tomar ações urgentes hoje.

Responsabilidades

Adama Dieng lembrou ainda que antes da onda atual de fuga de rohingyas para Mianmar, já havia centenas de milhares deles vivendo em Bangladesh. Atualmente, 1,1 milhão se encontram no país. E para ele, é hora de a comunidade internacional assumir suas responsabilidades.

Ao ser perguntado pela ONU News, o conselheiro falou de um encontro que teve com uma mulher rohingya que lhe contou sobre o ataque de soldados à aldeia dela com minas e depois colocou os moradores em linha e começou a atirar contra eles.

Para Adama Dieng, o mundo aprendeu muito poucas lições após o genocídio em Ruanda, em 1994. Ele disse que hoje existe um sistema de alertas sobre genocídio e outras atrocidades. Dieng falou da cooperação entre organizações regionais como a União Europeia que acaba de completar um conjunto de diretrizes sobre prevenção do genocídio com a União Africana, que também coopera com o escritório dele.  Dieng citou o caso da Rede Latino-Americana para Prevenção do Genocídio e Atrocidades em Massa.

Mas para ele, no caso da Ásia não existe uma arquitetura forte como em outros continentes.

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Dieng acredita que a Ásia precisa promover sociedades mais inclusivas porque o que se vê são casos de exclusão, discriminação baseada em religião, etnia, o que não é um cenário favorável quando se quer evitar atrocidades.

Conselho de Segurança

O conselheiro da ONU afirma que o Conselho de Segurança tem a responsabilidade primária de zelar pela paz e segurança internacionais. Ele falou sobre os casos da Síria e perguntou o porquê de ainda se permitir que isso aconteça.

Para Dieng, não é possível permitir que seres humanos sejam mortos apenas por causa da identidade deles. Mas infelizmente, o mundo está experimentando uma subida de casos de ódio, antissemitismo, anti-islamismo que não podem continuar.

Ele encerrou a entrevista lembrando o terrível momento em que escutou sobre o genocídio em Ruanda. Ele havia deixado o país dias antes, onde tinha sido recebido no Palácio Presidencial. Dieng faz uma análise ao lembrar que outros genocídios como o Holocausto e o de Ruanda não aconteceram da noite para o dia.

O conselheiro diz que o genocídio é um processo que requer recursos, planejamento e tempo. Na Europa, dos anos 30, já se poderiam ver os sinais. E que naquele momento alguém poderia ter tomado uma ação para evitar o Holocausto. 

Dieng lembrou que outros genocídios como o Holocausto e o de Ruanda não aconteceram da noite para o dia.
ONU/JC McIlwaine
Dieng lembrou que outros genocídios como o Holocausto e o de Ruanda não aconteceram da noite para o dia.

Falha

Dieng lembra que o Holocausto não começou com as câmaras de gás, mas sim com o discurso de ódio com a desumanização dos judeus.

O especialista diz que mais do que nunca, é preciso revisitar a razão pela qual se tem a Convenção sobre o Genocídio de 1948. E que o documento começa com a prevenção antes mesmo de falar de punição.

Ao comentar o genocídio em Ruanda, Dieng lembra que já em 1959 houve o primeiro êxodo da população tutsi e que foram feitos cartões de identidade baseados na etnia, o que facilitou a identificação durante o genocídio.

Adama Dieng afirma que é preciso investir mais em prevenção e que foi por isso que o novo secretário-geral da ONU, António Guterres, fez do tema sua alta prioridade.

Para o conselheiro da ONU é importante recordar e jamais permitir que o que ocorreu em Ruanda e Srebrenica volte a acontecer em qualquer outra parte do mundo.

Para ele, a responsabilidade é do mundo. E é também a responsabilidade do Conselho de Segurança. Ele lembrou que o escritório dele foi criado com esta missão e se uma resolução sobre a responsabilidade de proteger foi adotada pelo órgão é porque houve uma falha da comunidade internacional.

Por isso, Segundo Adama Dieng é preciso assegurar que os genocídios ocorridos na Segunda Guerra Mundial, em Ruanda e na Bósnia terão sempre de ser lembrados como uma forma de honrar as vítimas, mas também de aprender lições para o futuro.