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OIM: “mercado de escravos” ameaça migrantes no Norte da África BR

Um jovem aguarda em um centro de trânsito da OIM em Agadez, no Níger. Ele e seu irmão mais novo decidiram retornar a seu país de origem depois ter tentado ir à Europa e não ter conseguido. Foto: OIM 2016/Amanda Nero

OIM: “mercado de escravos” ameaça migrantes no Norte da África

Organização Internacional para Migrações cita testemunho de migrante que conta ter visto pessoas sendo “compradas e vendidas” na Líbia; diretor de operações e emergências da agência afirmou que “situação é terrível” e país é “vale de lágrimas” para muitos migrantes.

Laura Gelbert Delgado, da ONU News em Nova Iorque.

No último fim de semana, equipes da Organização Internacional para Migrações, OIM, documentaram eventos “chocantes” nas rotas migratórias do Norte da África, que descreveram como “mercados de escravos” atormentando centenas de homens africanos jovens a caminho da Líbia.

Funcionários do escritório da agência no Níger relataram o resgate de um migrante senegalês, mencionado como SC para proteger sua identidade. Nesta semana, ele retornou a sua casa após ser mantido preso por meses.

Depoimento

De acordo com seu depoimento, enquanto viajava em direção norte  pelo Saara, ele chegou a Agadez, no Níger, onde lhe disseram que deveria pagar um valor equivalente a cerca de US$ 320 para continuar até a Líbia.

Após dois dias, quando chegou em Sabha, no noroeste líbio, o motorista insistiu que ele não havia pago o traficante e que ele transportaria os migrantes a um estacionamento.

“Mercado de escravos”

Segundo a agência da ONU, no local, SC testemunhou a realização de um “mercado de escravos”. Equipes da OIM no Níger relataram que migrantes da África Subsaariana estavam sendo “vendidos e comprados por líbios, com apoio de ganeses e nigerianos que trabalham com eles”.

SC descreveu ter sido “comprado” e levado para sua primeira “prisão”, uma casa onde mais de 100 migrantes eram mantidos reféns.

Sequestro

Ele disse que os sequestradores fizeram os migrantes ligarem para suas famílias e muitas vezes eram agredidos enquanto estavam ao telefone para que seus parentes pudessem os ouvir sendo torturados.

Segundo SC, para que fosse libertado desta primeira casa, pediram que ele pagasse o equivalente a US$ 480, o que ele não tinha. O migrante foi, então, “comprado” por outro líbio que o levou para uma casa maior onde um novo preço foi determinado para sua libertação: US$ 970 a serem pagos através de transfências por Western Union ou Money Gram a uma pessoa chamada “Alhadji Balde”, que estaria em Gana.

Fome e violência sexual

SC disse ter conseguido algum dinheiro com sua família pelo telefone e, então, concordou em trabalhar como intérprete para os sequestrados para evitar futuras agressões.

Ele descreveu terríveis condições sanitárias e que comida era oferecida apenas uma vez por dia. Segundo relatos, alguns migrantes que não puderam pagar foram mortos ou abandonados para morrer de fome.

SC contou à OIM que quando alguém morria ou era libertado, os sequestradores voltavam ao mercado para “comprar” mais migrantes e substituí-los. Mulheres também eram “compradas” por indivíduos e levadas a casas onde eram forçadas a serem escravas sexuais.

A OIM coleta informações de migrantes retornando da Líbia e passando pelos centros de trânsito da agência em Niamey e Agadez, no Níger.

Diversas nacionalidades

Durante a última semana, a agência na Líbia ficou sabendo de outros casos de sequestro, como os que a OIM no Níger tomou conhecimento.

Adam (nome fictício) foi sequestrado com outros 25 gambianos enquanto viajava de Sabha para Trípoli. Homens armados sequestraram o grupo e o levaram a uma “prisão” onde cerca de 200 homens e várias mulheres estavam sendo mantidos.

De acordo com esta testemunhas, os detidos eram de divesos países africanos. Ele explicou que os reféns era agredidos todos os dias e forçados a ligar para suas famílias pedindo dinheiro para sua libertação.

O pai de Adam levou nove meses para juntar dinheiro suficiente para que ele fosse solto, após vender a casa da família.

Retorno

Após três semanas no hospital em Trípoli, se recuperando de desnutrição grave, ele estava pesando apenas 35 quilos, e das feridas causadas pela tortura. Após sua alta, a OIM encontrou uma família que o acolhesse por um mês enquanto um médio e funcionários da área de proteção da agência o visitavam regularmente.

Após sua condição ter se estabilizado, Adam foi apoiado pelo programa de retorno voluntário da OIM na Líbia e, em 4 de abril, voltou a seu país de origem, onde continua o tratamento pago pela agência.

Em outro caso, uma jovem relatou à OIM ter sido mantida por pelo menos três meses em um armazém no porto de Misrata por sequestradores somalis. As datas exatas não são conhecidas.

“Vale de lágrimas”

“A situação é terrível”, disse o diretor de operações e emergências da OIM, Mohammed Abdiker, que voltou recentemente de uma visita a Trípoli.

Segundo ele, quanto mais a agência trabalha dentro da Líbia, mais aprende que o país é um “vale de lágrimas” para muitos migrantes, citando relatos “verdadeiramente horríveis”.

Abdiker citou ainda ter ouvido relatos de “valas comuns no deserto”. Ele também afirmou que neste ano, foram encontrados 171 corpos de migrantes que naufragaram a costa Mediterrânea do país. A Guarda Costeira Líbia teria resgatado outros milhares, de acordo com o diretor da agência.

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