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Retrospectiva 2016: Países de Língua Portuguesa - Parte II BR

Bandeira da Guiné-Bissau. Foto: ONU/Loey Felipe

Retrospectiva 2016: Países de Língua Portuguesa - Parte II

A segunda parte da série dos fatos marcantes nos países lusófonos durante o ano apresenta temas como a procura de respostas à crise na Guiné-Bissau, a tensão política e desafios à economia em Moçambique e a ratificação do Acordo do Clima por São Tomé e Príncipe.

Eleutério Guevane, da ONU News em Nova York.

Em 2016, a Guiné-Bissau continuou em busca da solução para a crise política. O tema foi destaque nas Nações Unidas. Por várias vezes a comunidade internacional estimulou ao diálogo para um consenso entre os políticos.

Como reflexo da situação, o país teve três figuras que nos últimos 12 meses ocuparam o cargo de primeiro-ministro: Carlos Correia, Baciro Djá e Umaro Embaló.

Em fevereiro, o Conselho de Segurança enviou representantes à Guiné-Bissau durante a presidência rotativa de Angola no órgão. O embaixador angolano junto à ONU, Ismael Martins, falou de oportunidades de entendimento.

“Há problemas que estão pendentes entre as entidades governamentais, o presidente, o governo e os partidos, mas tratando-se de entidades do mesmo país e de um Parlamento que tem uma maioria de um partido político apenas, penso que os acordos são possíveis."

Crise

A ONU News abordou a situação guineense com o presidente da Assembleia Nacional da Guiné-Bissau, Cipriano Cassamá, durante a sua presença nas Nações Unidas. Vários diplomatas perguntaram o porquê da crise.

“Pude ser recebido por alguns embaixadores do Conselho de Segurança. A única mensagem é que continue a trabalhar porque continuam a nos acompanhar para que haja estabilidade definitiva na Guiné-Bissau e que haja consenso na busca de soluções que perdurem.”

Às margens da 71ª Assembleia Geral, o presidente guineense José Mário Vaz falou acerca das divergências que envolvem o partido Paigc, 15 deputados expulsos da formação política e o partido PRS. O chefe de Estado guineense contou à ONU News sobre o acordo para o apoio dos países vizinhos para o fim da crise.

“Seis pontos e esses seis pontos são extremamente importantes (...) eu posso dizer que a situação está a andar bem, posso dizer que estamos praticamente a ver a luz no fundo do túnel para sair, portanto, dessa crise.”

Em maio, o secretário-geral nomeou Moudibo Touré como seu representante para substituir o são-tomense Miguel Trovoada.

A Guiné-Bissau fecha o ano a dois meses do fim do mandato das forças da Autoridade da Missão da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, Ecomib.

O chefe da ONU disse que a retirada da força regional da Guiné-Bissau deve depender de condições dos países do bloco e de consultas com os parceiros que incluem as Nações Unidas".

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Foto: Wikimedia
Cooperação

Mas um anúncio de esperança na economia veio quebrar a incerteza na política da Guiné-Bissau. O Fundo Monetário Internacional, FMI retomou o programa de cooperação com o país, como confirmou o representante do órgão em Bissau,  Óscar Melhado.

“O Fundo Monetário vai continuar apoiando a Guiné-Bissau. Vamos levar uma decisão de ajudar o país.”

A comunidade internacional apoiou os guineenses nos esforços para combater o tráfico humano. A especialista do Fundo da ONU para a Proteção da Infância, Sónia Polónio, disse que o desafio é acolher crianças repatriadas dos países vizinhos em território guineense.

“Três organizações da sociedade civil prestam este tipo de apoio: apoio psicossocial, cuidados médicos, assistência a essas crianças, a identificação das suas famílias, encaminhamento as famílias e programas de acompanhamento delas a reintegração familiar.”

A  outra batalha das autoridades guineenses foi o combate ao tráfico de drogas com a cooperação internacional. Um relatório da ONU de 2016 citou a Guiné-Bissau pelo aumento das reservas cambiais como reflexo de lavagem de dinheiro com origem no narcotráfico em anos anteriores.

O ano termina com a procura de respostas para os desafios políticos e de desenvolvimento. Nos próximos oito anos a Guiné-Bissau deve continuar no grupo dos Países Menos Avançados, PMA, tal como Moçambique, na próxima etapa desta retrospectiva.

Moçambique

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Filipe Nyusi. Foto: ONU/Cia Pak (arquivo)
O ano de 2016 em Moçambique lembra desafios económicos e de consolidação da estabilidade política. Nas Nações Unidas, o presidente Filipe Jacinto Nyusi contou como o país tenta avançar nessas áreas.

“Fortificação do dólar americano. Matérias-primas a nível internacional baixaram muito. Nós exportarmos o carvão, o algodão, o caju e essa matéria-prima no mercado internacional, incluindo o alumínio em Moçambique baixou de preço. Nós somos um país que não atingimos a insuficiência, significa que consumimos mais do que produzimos. Há mais importações do que exportações. Essa engenharia toda traz essa situação e os ataques da Renamo agravam e as pessoas não podem circular livremente.”

Refugiados

A crise política entre o governo e o maior partido da oposição levou 11 mil refugiados moçambicanos ao vizinho Malaui, após confrontos armados que provocaram dezenas de mortos.

O ano chega ao fim com discussões sobre políticas de apoio à estabilidade macroeconómica com o FMI, que cancelou a cooperação com autoridades moçambicanas até a explicação de empréstimos não revelados pelo governo.

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Pescadores em Moçambique. Foto: Banco Mundial/Andrea Borgarello
El Niño

No campo climático, o enviado da ONU sobre o El Niño e Clima esteve em território moçambicano para viver a realidade da seca, das chuvas excessivas e das inundações.

No terreno, Macharia Kamau apresentou-se a comunidades, autoridades e doadores e disse que a ajuda necessária para mitigar os efeitos do fenómeno chegaria a US$103 milhões.

Pelo menos 33 pessoas morreram e dezenas de milhares foram deslocadas em várias regiões de Moçambique, onde as autoridades e parceiros declararam alerta laranja para criar condições para controlar a situação.

O assunto também foi levantado na frente diplomática pela vice-ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação. Nyeleti Mondlane esteve em Nova Iorque nos 50 anos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e reiterou que é preciso lidar com eventos extremos de forma coletiva.

“No norte do país temos cheias e há muitas pessoas deslocadas. Como vamos fazer a gestão de águas? Na zona sul estamos a enfrentar secas. Como fazer a mitigação onde rios transbordam? Que tipo de planos de desenvolvimento temos que ter como região, como continente e como comunidade global?”

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Foto: Acnur/H. Caux
Albinismo

Moçambique registou um outro drama, o medo de ataques sofridos pela população albina.

A relatora da ONU sobre direito do grupo, Iponwosa Ero, esteve no país no ano em que um estudo das Nações Unidas indicou haver um “mercado lucrativo com valores que variam entre US$ 2 mil por um membro e US$ 75 mil por uma pessoa com albinismo.

Os albinos foram perseguidos para o que o documento chama de busca de “conjunto completo” ou cadáver. O músico moçambicano Ali Faque vive a condição e usa a sua arte para desencorajar a violência contra o grupo.

“Andam homens com catanas a decepar pessoas. Sinto pelo ato de tráfico de pessoas com albinismo. Não somos fontes de riqueza. Não somos diamantes. Somos seres vimos e humanos como qualquer. A única coisa que temos é a diferença da pele por causa da falta de pigmentação.”

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Foto: Unicef/Kate Holt
Poliomelite

Moçambique anunciou que não regista mais casos da poliomielite. O vice-ministro da Saúde em Moçambique. Mouzinho Saíde, disse tratar-se de um marco histórico. OMS continua a apelar à vigilância.

“O país é considerado livre da poliomielite, este é um marco importante na história da saúde publica do nosso país. Esta doença não tem cura, a atividade principal é a de prevenção”

Na cooperação para atingir progressos o sistema da ONU em Moçambique assegurou que vai continuar a contribuir com a sua assistência em áreas como educação, empoderamento feminino, combate à violência de género e outras.

Em Maputo, a representante das Nações Unidas no país, Márcia de Castro,  prometeu que o sistema estaria ao lado dos moçambicanos num percurso que exige adaptação de todos os lados.

“São grandes desafios. Primeiro tem que ter um compromisso político muito sério da parte do governo. Nós precisamos de trabalhar como trabalhávamos, todos temos que mudarmos, precisamos de aliança e uma estratégia interessante do financiamento de desenvolvimento. Precisamos de trabalhar com uma visão global mas com busca de soluções locais atendendo a cada província e a cada distrito onde há realmente muita necessidade e muita oportunidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas. ”

São Tomé e Príncipe 

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Foto: Pnud São Tomé
Um dos maiores factos do ano para São Tomé e Príncipe foi a ratificação do Acordo de Paris sobre as mudanças do clima. Invasão das águas do mar às ilhas, secas prolongadas quebram o rendimento nas comunidades.

Pela frente há oportunidades, como contou à ONU News o diretor geral do Ambiente. Arlindo Carvalho revelou que o país precisa de cerca de US$ 30 milhões para avançar com o processo produção energética com fontes naturais.

“A nossa prioridade é a adaptação. Temos tido secas de forma muito prolongada e com consequência muito grande no caudal dos rios e na diminuição da pluviosidade, a falta de chuvas. Isso tem influenciado extremamente a agricultura no país.”

O primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, disse à ONU News na 71ª sessão da Assembleia Geral da ONU que em matéria de desenvolvimento humano o “progresso é notável” no país.

“Precisamos de um reforço dos investimentos nomeadamente poder ter acesso a linhas de crédito que nos permitem alavancar sobretudo a questão das infraestruturas.” A entrevista aborda a considerada “situação grave” da pirataria que, para Trovoada, deve ser olhada com atenção devido a “ataques armados aos navios petroleiros e de carga”.

Projeções

As projeções são favoráveis para a economia. Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Comércio, o país poderá deixar de ser PMA  nos próximos quatro anos.

“No mesmo ano, segundo as projeções ainda não oficiais, São Tomé e Príncipe também deverá ser reclassificado, ou seja poderá deixar de ser PMA ."

O ano de 2016 foi também para confirmar os avanços no combate à fome. O então representante da FAO junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Cplp, Hélder Muteia.

“São Tomé e Príncipe, que saiu de uma incidência de 22,9% para cerca de 6,6% presentemente.”

Objetivos de Desenvolvimento do Milénio

As Nações Unidas reiteraram elogios aos esforços do arquipélago com 200 mil habitantes teve uma incidência de malária de 33,8 em cada mil pessoas em 2009. José Salema saiu da liderança da ONU no país com ideias claras sobre quais os passos a seguir.

“O país já conseguiu muito. Conseguiu três prémios da união africana e o último em relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio que foram atingidos em relação à malária. Esse esforço agora tem que ser mantido, continuado e reforçado.”

É na economia que os passos mais importantes devem ser dados. O crescimento previsto pelo FMI é de 5% que estaria 1 ponto percentual “abaixo da meta sustentada de médio prazo fixada pelas autoridades”.

A recomendação para São Tomé e Príncipe é que aumente o investimento público, recupere a produção de cacau e tenha um maior investimento direto estrangeiro no setor turístico.

Seguimos para a terceira parte da retrospetiva 2016 nos países lusófonos  com destaque para acontecimentos que marcaram o ano em Timor-Leste e Portugal que apoiou a nomeação do novo secretário-geral, António Guterres.

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