Perspectiva Global Reportagens Humanas

Exclusiva: José Ramos Horta

Exclusiva: José Ramos Horta

O representante do secretário-geral das Nações Unidas na Guiné-Bissau falou à Rádio ONU sobre a realização das eleições gerais no país, marcadas para este domingo, 13 de abril.

O ex-presidente do Timor-Leste e ganhador do Prêmio Nobel da Paz contou que está otimista. Segundo ele, os guineenses estão de parabéns. Ramos Horta afirmou que apesar de receios, o período pré-eleitoral não foi marcado pela violência. Ele disse que assisitiu pessoalmente aos debates e gostou do que viu e ouviu. "O debate político tem sido muito civilizado. Muito bem informativo. Sem agressões verbais. Tenho assistido aos debates políticos e devo dizer que todos eles estão de parabéns pela qualidade de suas intervenções."

Ramos Horta disse que recebeu garantias claras das Forças Armadas de que o resultado eleitoral de domingo será respeitado.

O país de língua portuguesa foi alvo de um golpe de Estado em 12 de abril de 2012 que destituiu o presidente interino e o primeiro-ministro do poder.

Ramos Horta acredita que as eleições iniciarão um novo momento na história da Guiné-Bissau que deve entrar pelo caminho da paz e da estabilidade.

Acompanhe a conversa com Mônica Villela Grayley.

Duração: 10'05".

Leia a íntegra da entrevista do representante especial do secretário-geral na Guiné-Bissau e Prêmio Nobel da Paz, José Ramos Horta, à Rádio ONU.

Rádio ONU: Qual é a expectativa para as eleições deste domingo?

José Ramos Horta: Eu posso dizer que tendo estado aqui todo este período, desde a minha nomeação em fevereiro de 2013, tendo viajado por todo o país, por aldeias também e relacionando com o povo simples, com líderes políticos, militares e religiosos. E tendo testemunhado o recenseamento eleitoral, que recenseou 95,6%, tendo acompanhado estes últimos dias, últimas horas de debates, tendo realizado encontros até ontem à noite, até à meia-noite, com líderes políticos e militares, eu fico um pouco mais tranquilo, ou muito mais tranquilo, em relação à eleição do dia 13 de abril. Acredito que vai ser pacífica e acredito que quando o resultado for anunciado, todos vão celebrar, todos vão honrar o resultado para que a Guiné-Bissau possa voltar a total tranquilidade e prosperidade, para que a comunidade internacional possa de novo marcar a sua presença aqui e mobilizar recursos para este país.

RO: Presidente Ramos Horta, e como é que a ONU, a comunidade internacional, estão ajudando a organizar esse pleito?

JRH:Por parte da ONU, no que cabe a Uniogbis, cumprindo o mandato instruído pelo Conselho de Segurança, cumprindo as diretivas que vêm do senhor secretário-geral, através

José Ramos-Horta, representante de Ban Ki-moon na Guiné Bissau. Foto: ONU/Evan Schneider do senhor subsecretário-geral, Jeffrey Feltman, do Departamento de Assuntos Políticos. O nosso mandato tem sido de promover o diálogo entre a sociedade guineense, entre os partidos políticos, criar condições para que as eleições possam ter lugar num ambiente de tranquilidade, o mandato nosso é sobretudo um mandato político. A missão é uma missão política, não é uma missão de paz, de peacekeeping. Os recursos a nossa disposição são muito limitados, mas nem sempre os recursos limitados são um handicap, pelo contrário aqui com o mandato que nós temos, um mandato grande mas com recursos pequenos, mesmo assim conseguimos implementar as diretivas do secretário-geral e Conselho de Segurança. E aí que chegamos ao ponto aonde chegamos, mas isso sempre em parceria com a Cedeao, a União Africana, a Cplp e a União Europeia. Estes parceiros regionais e multilaterais têm trabalhado muito intimamente, quase no dia-a-dia, regularmente sintonizando as nossas posições para que tenhamos o máximo de impacto para a criação de clima de paz e tranquilidade para o retorno à ordem constitucional.

RO: Mas ainda falando de ajuda, a gente sabe que o Timor-Leste tem dado uma ajuda generosa à Guiné-Bissau para essas eleições. Qual é a ajuda dos outros países de língua portuguesa, como Brasil, Portugal, Angola, por exemplo?

JRH: O apoio de Timor-Leste é quase igual ao apoio da Nigéria. A Nigéria contribuí no quadro da Cedao com US$ 6 milhões e mais algum apoio em termos de viaturas. Timor-Leste contribui com US$ 6 milhões, mas para além dos US$ 6 milhões, contribui com cash para a instituição que organiza a parte técnica das eleições, contribui com cash para a CNE, Comissão Nacional de Eleições, e tem contribuído também para alguns pequenos projetos sociais aqui na Guiné-Bissau. Obviamente é preciso também sermos francos e honestos, isto é, os US$ 6 milhões que o Timor destacou para a ajuda à Guiné-Bissau, algum desse dinheiro, muito desse dinheiro é pago aos técnicos timorenses que vieram cá, alguém tem que lhes pagar. Mais de 20 técnicos timorenses, os seus bilhetes de avião, a sua estadia etc. O mesmo acontece com todos os outros doadores, portanto nem todo o dinheiro é gasto aqui no país, porque é preciso comprar equipamento fora. É preciso comprar em Portugal, nos Estados Unidos. A União Europeia foi a terceira maior contribuinte para este processo eleitoral com cerca de US$ 3 milhões. Os outros países da Cplp não contribuíram em termos de cash. Brasil contribuiu com uma soma modesta que restou da contribuição que fez para as eleições de 2012, pouco mais de US$ 100 mil, mas o apoio do Brasil, assim como outros países da Cplp, não podemos ver apenas no plano de apoio à eleição. Portugal, apesar das sanções impostas pela comunidade internacional, Portugal continuou a apoiar projetos sociais de saúde e educação na Guiné-Bissau ao longo de 2012 e 2013, foram milhões de euros que Portugal investiu na Guiné-Bissau. Portanto não vamos todos apenas apoiar as eleições, porque a vida corre, as necessidades existem e o apoio da União Europeia e de Portugal têm sido extremamente importante para evitar uma catástrofe social humanitária maior.

RO: Presidente Ramos Horta, nós sabemos que houve uma grande afluência de mais de 95% dos potenciais eleitores no recenseamento para essa eleição. Eu gostaria que falasse um pouco sobre esses relatos de casos de violência, intimidações. Os eleitores podem sair seguros às ruas para votar nesse domingo?

JRH: Podem. Sabe, alguém como eu que conheço mais de 100 países do mundo, que já presenciei eleições em muitos países da Ásia por exemplo, nas Filipinas, na Tailândia, na Indonésia, no meu próprio país (Timor-Leste). Eu conheço como decorreram eleições em muitos países da África, como decorreram as eleições no Afeganistão. Devo dizer que os guineenses estão de parabéns. Houve alguns incidentes, não houve nenhum morto, como caso relacionado com as eleições, houve um ato de violência agravada em que um candidato de um dos partidos grandes foi espancado, mas não houve nenhum assassinato até agora, graças a Deus. Têm havido ameaças, rumores, mas quando nós vemos isso no contexto da Guiné-Bissau, da África, da Ásia, da América Latina, devo de dizer que os guineenses estão todos de parabéns. O debate político tem sido muito civilizado, bem informativo, sem agressões verbais, tenho assistido aos debates políticos e devo de dizer que todos eles estão de parabéns pela qualidade das suas intervenções.

RO: Analistas afirmam que existe um setor que já demonstrou bastante insatisfação, como é o caso do setor militar e da segurança. Como é que o senhor espera que essas reformas aconteçam depois das eleições? O que é que vai acontecer daqui para a frente?

JRH: Eu ontem me reuni com o general António Indjai, das Forças Armadas, que estava acompanhado com outros colaboradores. Ele assegurou-me que as Forças Armadas honrarão o resultado eleitoral. Assegurou-me que as Forças Armadas observam neutralidade rigorosa e que observam tolerância zero em relação à manipulação ou envolvimento de militares em todo este processo. Esta é a palavra do general António Indjai. Transmiti esta mensagem do general António Indjai para o secretário-geral, para o Departamento de Assuntos Políticos em Nova Iorque. Todos nós esperamos que a palavra do general António Indjai será honrada e que os militares, assim como todos os outros atores civis vão honrar o resultado eleitoral.

RO: Eu acho que é a primeira vez que um Prémio Nobel da Paz dirige um processo dessa natureza. E nós sabemos que o senhor vai deixar essa missão em breve. O que vai fazer depois?

Ban Ki-moon e José Ramos Horta. Foto: ONU JRH: Sim, é verdade. A minha missão termina no dia 30 de junho, onde me aguardam novas responsabilidades para continuar a apoiar o meu povo, mas também tenho compromissos na Ásia, na Tailândia, no Japão, no Mianmar, mas continuarei a contribuir para a Guiné-Bissau na medida que os irmãos guineenses o desejarem e na medida em que o senhor secretário-geral, por quem tenho grande estima e respeito, o desejar. Se o senhor secretário-geral quer que eu continuo a acompanhar, mas em outra condição, não como representante especial residente, obviamente que farei isso, porque a ONU contribuiu muito para Timor-Leste. Eu conheço a ONU há 40 anos. Cresci, envelheci com a ONU, a ONU contribuiu muito para o meu país. Nunca, uma única vez, o Conselho de Segurança, o secretário-geral, todos à volta deles negaram apoio a Timor-Leste. Esta é a altura de o Timor-Leste e eu próprio reciprocarmos e tentarmos devolver um pouco do muito que foi dado a nós e foi dado a mim pessoalmente.

RO: Presidente Ramos Horta é sempre um grande prazer falar com o senhor. Muito obrigada por esta entrevista em português à Rádio ONU.

JRH: Muito obrigado pela atenção. Deus vos abençoe.