Perspectiva Global Reportagens Humanas

Exclusiva: Gordon Brown fala sobre Malala BR

Exclusiva: Gordon Brown fala sobre Malala

Enviado especial do Secretário-Geral para Educação, Gordon Brown fala à Rádio ONU sobre o Dia de Malala, marcado neste 12 de julho na sede das Nações Unidas.

A data foi escolhida para coincidir com o aniversário de 16 anos de Malala Yousufzai, a menina paquistanesa que foi atacada a tiros por militantes extremistas, por defender o direito de meninas irem à escola.

Malala fala, nesta quinta-feira, a um grupo de jovens sobre o direito à educação, e a necessidade de governos de investirem em escolas com quantidade e qualidade.

Leia, na íntegra, a entrevista de Gordon Brown concedida à Alexandra King. Áudio disponível (em inglês).

Rádio ONU: Primeiro-ministro, o sr. falará à Assembleia de Jovens com Malala. Como a luta de Malala inspira o sr.?

Gordon Brown: Ela irá completar 16 anos amanhã. Ela é uma menina frágil. Malala sofreu ferimentos no Paquistão (após ser baleada), e eu vi a saúde dela progredir. Ela está bem agora, mas eu nunca a vi desistir da missão de defender o direito de cada criança de ir à escola. Ela se recusa a desistir mesmo quando foi intimidada e ameaçada. E a determinação dela e o direito que ela sabe que tem de poder ir à escola. Ela quer que todas as crianças tenham o mesmo direito em qualquer parte ou país do mundo. Ela é a menina mais corajosa que eu já vi. Eu acho que o senso de convicção e a força de vontade são fundamentais em pessoas corajosas. E o que Malala tem é que ela acredita na causa dela de que cada um tem o direito e a oportunidade à educação. E mesmo esta tentativa de assassinato nunca tirou dela esta convicção.

RO: Quando foi a primeira vez que o sr. a encontrou?

GB: Eu a conheci no hospital. E depois eu a visitei quando ela estava se recuperando dos ferimentos. E eu pude acompanhar o progresso da saúde dela. Ela passou por diversas cirurgias e ficou no hospital por meses por causa dos ferimentos severos que sofreu. E eu vi como ela se recuperou, mas ela nunca perdeu a força moral. Isso sempre esteve no centro de tudo que ela fala. Quando ela foi perguntada sobre o que queria fazer no aniversário de 16 anos, ela disse que queria construir escolas. É uma coisa maravilhosa que uma menina tão jovem possa dizer, principalmente porque ela foi terrivelmente atacada por defender o direito de meninas de irem à escola. Ela chama esta vida após o atentado, de segunda vida. E está determinada a ajudar outros meninos e meninas a terem uma chance à educação.

RO: Que estratégias o sr. está propondo para mudar as atitudes que se têm com relação à educação de meninas?

GB: Eu acho que as posturas estão mudando. O que estamos falando agora é sobre a maioria silenciosa que sabe que a educação das meninas é um direito que não pode ser negado a elas. A questão é como damos voz a estas pessoas para que elas falem e não se calem. O que os homens armados, os extremistas, os militantes, querem é silenciar estas pessoas para que elas não falem a favor deste direito. Nós vimos 2 mil escolas serem queimadas no Afeganistão e no Paquistão. Vimos professores serem assasinados só porque eles davam aulas em escolas de meninas. Nós vimos ainda meninas serem baleadas, assassinadas e perseguidas por quererem ir à escola. Mas da última vez que eu estive no Paquistão, eu também vi pessoas nas ruas dizendo: ‘Nós apoiamos Malala.’ Eles tinham uma bandana na cabeça que dizia: “ Eu sou Malala.” Quer dizer, as posturas estão mudando. Essas pessoas se posicionaram, fizeram um gesto contra aqueles que dizem que não faz sentido defender o direito das meninas de ir à escola. É uma questão cultural, mas nós também precisamos oferecer os recursos para que as escolas sejam construídas, e para oferecer um bom serviço. Acho que também temos uma obrigação de ajudar governos que querem dar educação, mas que não têm o recurso para tal.

RO: Uma coisa é oferecer educação, e outra é educação com qualidade. Em muitos países, existem crianças que aprendem embaixo de uma árvore porque não têm uma sala de aula. Como podemos assegurar qualidade e quantidade?

GB: Acho que as duas coisas se completam. Se as pessoas acreditam no poder da educação para mudar vidas, elas vão querer resultados. Não vão querer só números, mas também qualidade. Mas acho que o problema é que nós somos muito complacentes com o fato de que 57 milhões de crianças estão fora da escola.  Nós deveríamos estar revoltados que em 2013, crianças estão fora da escola por causa de trabalho infantil, casamentos de crianças ou até mesmo falta de prédios escolares. Tantos milhões de crianças que não vão à escola deveriam nos deixar aterrorizados de que nada foi feito no ano anterior para mudar esta situação. Eu acho que se as pessoas têm a convicção de que é preciso investir em educação, elas têm que estar conscientes de que esta educação tem que ser de qualidade. Precisamos de mecanismos para mensurar resultados, certificar professores e qualificá-los, avaliações para o sucesso desta mesma educação. Mas não existe uma escolha entre qualidade e quantidade. As duas coisas ocorrerão caso as pessoas creiam no poder da educação.

RO:  No início de sua carreira o sr. era leitor de universidade. Qual foi a razão para o sr. se tornar um grande defensor da educação?

GB: Eu acho que tudo o que eu tive condições de alcançar foi porque eu tive a oportunidade de ir à universidade, de fazer uma pós-graduação e a oportunidade de ser um leitor de universidade. Eu tive a oportunidade de escrever livros e de fazer essas coisas porque eu recebi a educação correta. Quando você pensa sobre a história mundial, durante séculos nós desenvolvemos apenas alguns potenciais de algumas crianças quando deveria ser básico, uma coisa comum: o desejo de desenvolver todo o potencial, de todas as crianças. Enquanto eu me beneficiei, eu senti que muitas pessoas perderam. E elas perderam na Grã-Bretanha, mas muitos mais perderam nos países mais pobres do mundo, onde jovens com talento, energia, entusiasmo, disposição para aprender e a qualidade intelectual, não tiveram a oportunidade. Isto é um desperdício para o mundo inteiro e nós devemos fazer alguma coisa sobre isso.

RO:  Faz um ano que o senhor foi nomeado enviado especial das Nações Unidas para Educação, durante esse período o senhor se tornou mais ou menos otimista sobre alcançar a meta de uma educação universal de alta qualidade?

GB:  Eu acho que você tem que reconhecer que nós estamos num período em que a ajuda tem sido cortada, onde o progresso da educação está estagnado há alguns anos, e onde somente através de uma grande movimentação e participação nós conseguiremos os recursos e o compromisso necessários para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Se até o fim de 2015 nós conseguirmos atingir as metas do milênio... Na verdade, você não precisa de uma grande descoberta científica, como a cura de alguma doença. Você precisa da vontade para alcançar o que tem basicamente um custo efetivo dos investimentos em educação, para colocar 57 milhões de crianças nas escolas. Eu vejo nos próximos três anos 60 milhões (de crianças) nas escolas, eu vejo a atenção voltada para países como a Nigéria, onde 10 milhões de crianças estão fora da escola, Paquistão, 5 milhões ou mais, Afeganistão, Índia e Etiópia. Países onde podemos alcançar progresso rapidamente. E também temos que lidar com as áreas em conflito, como a Síria, atualmente, e a Somália, no passado. Muitas crianças foram excluídas dos colégios por causa de uma guerra civil ou pela queda de um regime. Eu posso ver um plano que exija que os governos e as organizações internacionais tenham maior coordenação na forma como lidam com isso. Gostaria de ver essa visão estratégica dominar o pensamento da Assembleia Geral da ONU em setembro.

RO: O que o sr. gostaria de ver como resultado do Dia de Malala, neste evento aqui na ONU?

GB: Uma determinação para dizer a cada governo onde há crianças fora da escola, que eles têm que fazer algo rapidamente para mudar esta situação. E uma determinação para nunca mais sermos complacentes com o fato de que milhões de meninas, especialmente, sejam impedidas de ter uma chance à educação. Eu acho que antes de Malala ter sido baleada (na tentativa de assassinato), havia uma presunção no mundo de que a gente conseguiria progresso com relação aos objetivos de educação universal. E que para chegarmos lá, era apenas uma questão de tempo. E desde que ela foi baleada, existe agora mais atenção à questão do trabalho infantil, do casamento de crianças, e também à discriminação a meninas, e ao tráfico de crianças também. Eu acho que as pessoas passaram a prestar mais atenção a isso tudo após o que aconteceu com Malala de que existem injustiças. E isso tem que ser corrigido rapidamente. Eu acho que no Dia de Malala quando as pessoas souberem mais sobre as injustiças que as crianças sofrem, não por culpa delas, e como elas são lançadas no trabalho infantil e são impedidas de ter um professor ou uma escola, acho que só assim haverá mais pressão sobre governos em todas as partes do mundo para se fazer mais para colocar as crianças na escola. Isso só vai acontecer quando os pais, professores e os alunos, e os governos, concluírem que a barreira de colocar uma criança na escola não é financeira, mas sim uma questão de determinação e vontade políticas, como a Malala mesma mesmo dirá, para resolver isso.

RO: O que o sr. diria aos jovens hoje, como eles poderiam promover educação a todos?

GB: Bom, nós poderíamos ter a própria Malala falando a diplomatas, chefes de Estado, políticos, mas parece que o mais certo é que ela fale a jovens, às pessoas da geração dela, ela é tão líder quanto outros líderes, que também estão tentando resolver esse tema. E com a Malala, estarão outras crianças corajosas que lutaram para resolver esta questão em outros países como Índia, Paquistão, Marrocos, Afeganistão, Nigéria. Estas crianças ou jovens de coragem também lutaram pelo direito à educação. Acho que a ideia é combinar estas pessoas e defender o caso da educação para angariar apoio em cada continente, e no mundo. E aquilo que é um caso de uma luta de direitos civis para meninos e meninas, pode ganhar força em várias partes do mundo, ganhar simpatizantes. As pessoas irão colocar pressão sobre seus governos. E estas petições, vão pressionar organizações internacionais, doadores para que eles façam mais pela educação. E acho que os jovens é que vão liderar esta luta para que cada criança possa ir à escola.