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Entenda a crise no Chifre da África

Entenda a crise no Chifre da África

A Rádio ONU discute com especialistas os fatores que causaram a situação humanitária mais severa dos últimos 60 anos; como a instablidade política, conflitos internos e mudanças climáticas agravaram a crise.

[caption id="attachment_203528" align="alignleft" width="300" caption="Segundo o Ocha, mais de 12 milhões precisam de assistência"]

Yara Costa, da Rádio ONU em Nova York.

No encontro de alto nível da Organização da ONU para Agricultura e Alimentação, FAO,  recentemente realizado em Roma, o Brasil reafirmou o seu apoio à crise humanitária no Chifre da África.

Diante de representantes de 191 Estados-membros, reunidos  para discutir novas medidas de mitigação da crise, o país disse estar disposto a ajudar a evitar que a situação se repita na região africana.

Contribuição

Em entrevista à Rádio ONU, após ter falado à FAO, o representante permanente alterno do Brasil junto à agência, Olimpus Vieira, destacou como forma de aliviar a crise, a transferência de tecnologia e compartilhamento de experiências bem sucedidas do setor agrícola.

"As semelhanças entre muitas áreas do continente africano e o Brasil são grandes, de modo que se pode sim, com certa segurança, dizer que muito do que nós desenvolvemos no Brasil pode ser levado para o continente africano. Claro que isso não significa simplesmente apanhar uma semente no Brasil e levar para o outro lado do Atlântico. Significa que há um conhecimento no desenvolvimento e existe um protocolo científico que tem que ser observado para que isso tenha sucesso, " disse.

Combate à Fome

O Brasil é o 10º maior doador em alimentos para crise no Chifre da África,

que está afetando pelo menos 12 milhões de pessoas. A situação humanitária é considerada a mais severa dos últimos 60 anos.

Dados da ONU indicam que mais de 2 milhões de crianças estão subnutridas e a assistência ainda não é suficiente para suprir as necessidades básicas de milhares de refugiados. Mas como a situação chegou a este ponto?

Agravamento

O historiador do Instituto Universitário de Lisboa, Manuel João Ramos, acredita que há uma relação direta entre o contexto político do país mais afetado, a Somália, e o agravamento da crise humanitária.

Numa entrevista à Rádio ONU, de Lisboa, Ramos lembrou que o país está desintegrado. Segundo ele, a complexidade de cada região explica a vulnerabilidade do sul, o mais prejudicado pela crise.

"A Somalilândia está relativamente estabilizada, é reconhecida apenas pela Etiópia como país independente. A Puntlândia está também relativamente estabilizada, entre piratas e caciques, mesmo assim, é uma zona estabilizada e sob o controle indireto do regime etíope. O norte da Somália, a antiga somália italiana, neste momento, está também relativamente pacificado. É de fato o sul da Somália o grande espinho cravado no Corno de África,"afirmou.

[caption id="attachment_203530" align="alignleft" width="175" caption="Vítima da seca na Etiópia"] Conflitos Internos

Para o acadêmico, a resolução dos vários conflitos internos na Somália está comprometida, já que a crise e a "fragilidade do tecido social" garantem a hegemonia de algumas facções. O grupo islâmico al-Shabab é o maior oponente do governo de transição, como diz Manuel João Ramos.

"Os conflitos transformam as crises em quase catástrofes porque impedem que os mecanismos de ajuda, seja interna ou externa, funcionem. A utilização que o al-Shabab faz da crise é uma espécie de arma política para manter a sua legitimidade e hegemonia no terreno, " explicou.

Segundo Ramos, apesar de ter saído da capital somali, Mogadíscio, o al-Shabab continua no sul, onde está também um grande número de refugiados. A presença das milícias  dificulta a chegada de ajuda de alimentos, principalmente nas fronteiras com a Etiópia e o norte do Quênia, também afetadas pela seca.

Zona árida e semi-árida

Considerada uma zona árida e semi-árida, o Chifre da África sempre teve um ecossistema frágil e secas cíclicas.

Tradicionalmente, a população da região vive do pasto de gado. Em situação de seca, as terras aráveis para pasto ficam limitadas.

A explosão demográfica do século 20, aliada aos recursos limitados da terra viraram problemas cíclicos que se agravam em épocas de seca.

Efeito de mudanças de climáticas

O professor de Ciências do Ambiente da Universidade de Lisboa, Filipe Duarte Santos, explicou, numa entrevista à Rádio ONU, da capital

portuguesa, que a falta de chuva durante  dois anos consecutivos em toda a região instaurou o novo período de seca. Mas considerou que um outro fator também foi decisivo.

"Há indicações de que as secas, naquelas regiões estão a se tornar mais freqüentes e mais severas devido às alterações climáticas provocadas por algumas atividades humanas. Esta seca insere-se numa tendência que se verifica por todo o mundo de maior intensidade e freqüências de secas nas regiões onde sempre existiram secas. Mas agora elas são mais prolongadas e mais severas, " disse.

Instabilidade na região

O Chifre da África, também conhecido como nordeste da África, inclui a Somália, o Djibuti, a Eritréia, o Sudão, o Sudão do Sul e a Etiópia.

Segundo o historiador Manuel Ramos, a instabilidade política e econômica de cada país permitu que a crise se tornasse severa. Entre os vários conflitos, ele ressaltou a longa tensão política interna no Sudão, que resultou no nascimento de uma nova nação, o Sudão do Sul, em julho deste ano.

''A Eritreia, com algum apoio da Liga Árabe, tem fragilidades econômicas fortíssimas.O Djibuti vive relativamente bem graças ao aluguel de instalações militares a franceses e americanos. A Etiópia, que neste momento tem praticamente metade da população muçulmana e cristã, não apresenta um quadro muito claro no futuro de médio prazo de estabilidade politica'', detalhou.

Soluções

Apesar dos relatos alarmantes da crise alimentar no Chifre da África, a chefe dos Serviços de Emergência da FAO para o continente, Cristina Amaral, acredita numa saída para o problema.

"Há soluções para sair desta crise. Não está tudo perdido e é possível fazer com que as pessoas nos próximos meses saiam desta crise. É preciso que haja uma ação combinada, é preciso aumentar a resiliência do setor agrícola, de modo que possam fazer face a secas sem que isso degenere em fome", explicou.

Entretanto, Amaral lembrou que as Nações Unidas e o mundo devem buscar soluções de longo prazo.

"É preciso que se aprenda esta lição e que se comece a investir mais seriamente na agricultura. Nos planos que a União Africana e os países da zona tem para investimento a mais médio e longo prazo e que isto seja um exemplo que não se repita."