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Líbano, Um Ano Após o Conflito

Líbano, Um Ano Após o Conflito

Em 12 de julho completou um ano do início de um conflito armado entre tropas de Israel e militantes do movimento islâmico Hezbollah, no sul do Líbano. O confronto eclodiu após o seqüestro de dois soldados de Israel pelo Hezbollah. Nos combates, que duraram pouco mais de um mês, morreram cerca de 1,2 mil libaneses e 160 israelenses.

"A gente ainda tem medo. A gente ainda, eu pelo menos, não tem uma segurança total de que nada vai acontecer. Quando a gente escuta os barulhos que a gente chama de booming, a gente se assusta. Agora, por outro lado as notícias são que está tudo tranqüilo, que não vai acontecer nada. Agora, a minha preocupação pessoal é que eles não se preocuparam muito em arrumar os bunkers. A gente sente perigo. Eu até quatro meses ainda sonhava quase todas as noites com isso. Sonhava com a sirene tocando, sonhava que tinha que sair correndo. E eu precisei receber ajuda do governo com relação a isso", diz.

O conflito entre Israel e o Hezbollah chegou ao fim após a aprovação, por unanimidade, da resolução 1701 pelo Conselho de Segurança da ONU.

Pouco antes de fazer um ano do início dos combates, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que o Líbano não obteve o progresso desejado para alcançar um cessar-fogo permanente. Ban disse ainda que está preocupado com a crise política no país.

O Secretário-Geral também afirmou que apóia as recomendações do relatório da ONU, que sugere que os governos libanês e sírio devem se esforçar mais para fazer um controle mais eficiente de armas na fronteira.

Muitas pessoas foram obrigadas a deixar o Líbano durante julho de 2006 por causa dos combates. Uma delas, foi a professora, Nasra Seisi, que passou dois meses no Brasil como refugiada.

“A gente foi para o Brasil quando tinha guerra aqui. Passamos dois meses no Brasil e depois voltamos porque não dá para parar, tem que voltar para a escola. Aí você manda as crianças para a escola e não sabe se vão passar o dia bem ou não. Porque de um ano para cá a gente não teve um dia de sossego, sossego de não pensar em guerra. Sempre tem alguma coisa acontecendo para deixar você atenta. Eu vou fazer um noivado para a minha filha, só que você não consegue pensar uma semana para a frente no que você vai fazer. Você não sabe o que vai acontecer. Você vive o dia por dia, não dá para viver uma semana para a frente. O dia que tem uma bomba alguma coisa, você fica parado dentro de casa e no dia seguinte a gente continua porque a gente já acostumou com a guerra também, então não dá para parar. Se parar a gente volta para trás, não dá para parar”, disse.

Desenvolver mecanismos para lidar com a realidade de uma guerra se tornou natural também para a brasileira e israelense Silvia Nudelman.

“De repente você acorda de manhã e a sua cidade está sendo bombardeada no centro da cidade. Uma coisa que nunca tinha acontecido. No centro mesmo onde você faz compra. A minha cidade é pequena. E de repente está tudo sendo bombardeado e você não sabe nem de onde vem, nem para onde vai. Quer dizer que não é que você pode se defender. Você não tem como se defender. Eu moro perto da praia e você vê bem a fronteira, bem a montanha mesmo. Ali caiu uma montanha de bombas, mas uma montanha. Tinha época, eu me lembro teve um sábado mas que caiu tanta bomba que a gente não conseguia sair de dentro do bunker. A gente aprende a não ter medo. Você aprende assim: se acontecer, você vai ter que se defender de alguma maneira. De que maneira? Se abaixando na rua entre um muro e o asfalto ou entrando no primeiro prédio que tiver e entrar num bunker, ou entrar num bunker público que estiver aberto e se nao tiver você pode entrar em qualquer edifício, eles são obrigados a deixar você ficar lá dentro”, disse.

Durante o conflito em 2006, muitos libaneses se refugiaram no paíse vizinho, a Síria, e milhares deles embarcaram para o Brasil, onde vive a maior comunidade libanesa, em nível mundial. Existem mais libaneses vivendo no Brasil, que no próprio país de origem.

Um deles, é o médico clínico-geral, Riad Ilelsaifi. Assim que ficou sabendo do confronto, ele decidiu fazer o caminho inverso: embarcou para o Líbano para cuidar da família. Mas a entrada no país não foi muito fácil. Ele teve que cruzar a fronteira com a Síria a pé para rever a família. Ainda vivendo no Líbano, Riad disse a vida ainda é muito tensa.

“Sempre a guerra dá dor de cabeça para todo mundo, então não é coisa boa. Atrás de guerra vão cidades, bairros destruídos, muita gente morre, fica ferida. Quando a guerra começou, eu voltei para cuidar da minha família. Todo mundo estava esperando que alguma coisa acontecesse. Aqui ninguém tem tranquilidade na cabeça, todo mundo tem medo que daqui a pouco vá acontecer alguma coisa. Será que é melhor ficar aqui ou viajar para fora do país? Será que a guerra vai começar de novo? O ser humano faz um plano, ele faz um plano para a vida dele: ‘amanhã faço isso, mês que vem vou fazer outra coisa, vou viajar’. E estes planos foram destruídos, você não sabe o que vai planejar porque a gente está esperando que alguma coisa aconteça. Alguém por exemplo que tem comércio vai comprar mercadoria para vender, ele não vai comprar mais, ou compra pouco porque ele não sabe o que vai acontecer. É assim mesmo, se alguém vai construir uma casa, espera até saber o que vai acontecer no futuro”, disse.

E o motivo do conflito, o seqüestro dos soldados de Israel, continua sobre a mesa de conversações quanto à liberação do mesmos. Segundo agências de notícias, um deles, Gilad Shalit, está sofrendo com problemas de saúde. O tema ainda é motivo de debates em Israel como contou Sílvia Nudelman.

“Eles seqüestraram os nossos soldados e não devolveram. Eu considero que a gente perdeu a guerra porque foi feito uma guerra para devolver eles e eles não devolveram. Soldado nosso é menino, menino porque com 18 anos entra para o Exército. Existe um ódio mútuo em que eu acredito que não possa haver uma paz entre esse ódio que eles têm entre um e outro. Isso é uma coisa que me dá muita saudade do Brasil. Aqui existe um preconceito muito grande. Embora haja uma convivência, existe um preconceito dos dois lados. Existe muita traição”, disse.

Para a professora libanesa, Nasra Seisi, mesmo com ameças de novos conflitos, ela acredita que os libaneses não tolerariam mais uma nova guerra. Segundo ela, os combates deixam marcas e traumas profundos, difíceis de apagar da memória, e que a perseguem até hoje.

“Só que no final as crianças e eu não conseguíamos mais dormir. Você passava a noite com aquele negócio voando em cima da sua cabeça e o ‘zzzzz’ o tempo inteiro e não dá para dormir, parece que alguma coisa vai cair, então a gente foi embora mais para esquecer esse barulho todo. Mas quando voltamos tudo mudou. Todo mundo que está aqui, não só eu, está esperando começar uma guerra. Se Deus quiser não vai começar, porque a gente não quer. Eu tentei ficar no Brasil só que para mudar a língua do árabe, inglês para o português é muito difícil. O que eu quero falar é que, pode ser que há uns 20 anos, o que eles estão tentando fazer aqui no nosso país dava certo. Eles estão tentando fazer uma guerra entre religiões aqui no Líbano, só que agora não dá mais porque eu e a minha vizinha, a gente se dá bem e a gente não vai fazer guerra. E a gente fala com as pessoas das outras religiões e ninguém está pronto para fazer guerra nenhuma. Antigamente as pessoas não pensavem muito no que ia acontecer, se acontecesse uma guerra, mas agora a gente já sabe que se acontecer a guerra, como é que a gente vai sofrer. Então por isso que quando sai uma bomba parece que está todo mundo segurando para não acontecer uma guerra civil, e se Deus quiser não vai acontecer”, concluiu.

Reportagens e Destaques

Produção: Rádio ONU em Nova York

Apresentação e Edição: Mônica Valéria Grayley

Reportagem: Ana Cristina Campos e Letícia Camargo

Produção: Sandra Guy e Eduardo Costa

Direção Técnica: Louis Bastion