Negros e Pardos no Brasil
Um estudo do Centro Internacional de Pobreza, um braço do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pnud, no Brasil, aponta que o status sócio-econômico dos negros e pardos no país, enquanto grupo, pouco avançou nos últimos 30 anos. A pesquisa dividiu a população total do país em 20 grupos e calculou suas condições de rendas e progresso financeiro. O resultado mostrou que nas faixas mais pobres, a proporção de negros é drasticamente maior. A reportagem é de Alan Spector.
Quase 120 anos depois da Lei Áurea ter sido assinada, o pesquisador do Centro Internacional de Pobreza, Rafael Osório, examinou a participação dos negros e pardos nos diferentes estratos de renda no Brasil, durante as últimas três décadas.
O estudo “Tem Havido Mobilidade Social Entre os Não-Brancos no Brasil?" mostra que, até hoje, os negros encontram dificuldades para ascender socialmente e que a raça ainda é um fator determinante da classe social no país. O pesquisador falou à Rádio ONU sobre os resultados encontrados.
"Os negros, como indivíduos têm mobilidade social. Mas, com esse estudo, o que a gente pretendeu mostrar é que, enquanto grupo, os negros permanecem relativamente na mesma posição na distribuição de renda, para todo o período para o qual a gente tem boas informações; que é de 1976 a 2005.
Se a gente for fazer uma analogia, é como se os negros tivessem sempre trocando de posição de geração para geração com outros negros. Ou seja, um negro pobre fica rico, mas, ao mesmo tempo, um negro que era rico ficou pobre. A gente está falando de trocas entre posições de pais e de filhos", disse.
O pesquisador disse também que a análise destes resultados permite, inclusive, fazer projeções.
"O que a gente observa e que essa associação praticamente não muda e ela pode ser até descrita por uma equação matemática. Isto quer dizer o seguinte: se eu tiver um bom palpite sobre quanto vai ser a proporção de negros na população brasileira em 2010, eu posso dizer quantos negros vão estar entre os 5% mais pobres da população. E isto é uma coisa cruel, pois é como se existisse uma regra social que confina todo um grupo da sociedade - que é metade da sociedade - a uma determinada zona da estrutura sócio-econômica.
Se existe mobilidade dos indivíduos, mas não existe mobilidade do grupo, isto quer dizer que existem barreiras na sociedade para que indivíduos negros cheguem a determinadas posições que são, tradicionalmente, ocupadas por brancos", afirmou.
O reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares em São Paulo, José Vicente, ativista do movimento negro, concorda com o autor do estudo. Segundo Vicente, o racismo e a discriminação estão muito presentes no dia-a-dia da sociedade brasileira como, por exemplo, na hora de buscar emprego.
"O racismo se manifesta sobre todos os vieses, com mais ou com menos intensidade, dependendo do espaço social, das circunstâncias e da área de atuação que estamos falando”, diz.
Antes, os jornais e as agências contratadoras de mão-de-obra já colocavam nos seus anúncios: “Precisa-se de um trabalhador, exige-se boa aparência". E todos os negros já sabiam o que significava “ter boa aparência”. E, hoje, trocaram o "boa aparência" por "aguarde em casa". Então, você ate vai em busca do emprego, eles te entrevistam, analisam seu currículo e dizem: "aguarde em casa que vamos comunicar". E você vai criar teia de aranha na cadeira da sua casa, esperando ser chamado. A evidência disso é tão impactante, que um simples olhar nas estruturas de prestígio e status do poder, se comparado com a porcentagem da representação social dos negros, confirma empiricamente isto que estamos falando", disse.
O pesquisador Rafael Osório afirma, no entanto, que nem toda desigualdade racial no Brasil é fruto de racismo.
"O grande determinante dessa estabilidade da posição relativa dos negros, enquanto grupo, na distribuição de renda é a origem social o aproveitamento das oportunidades educacionais é também uma discriminação racial, que pode ser uma discriminação racial pura. Principalmente, o aproveitamento das oportunidades educacionais. Por quê? Porque, a medida que as oportunidades educacionais se expandem, as pessoas que se aproveitam dessa expansão são sempre as pessoas mais ricas. E os negros estão sempre entre os mais pobres. Então, eles não têm a chance de se aproveitar disso.
Por exemplo, quando ninguém na sociedade brasileira, tinha 2º grau, ter 2º grau era uma coisa que botava as pessoas lá em cima. Mas quem tinha 2º grau? Os filhos da elite. Hoje em dia, quase todo mundo tem 1º grau. O 2º grau está crescendo bastante e crescendo também o acesso à universidade. Mas, hoje, todos os filhos da elite fazem pós-graduação. Isso quer dizer o seguinte: daqui a 20 anos, o que vai fazer a diferença no mercado de trabalho é ter pós-graduação e aí, se os negros conseguiram ter 2º grau, isto não vai adiantar mais e a desigualdade vai tender a se reproduzir para sempre”, disse.
O pesquisador apontou ainda que esta não é uma tendência exclusiva do Brasil. Segundo ele, as sociedades contemporâneas, em geral, trazem a promessa de que a posição sócio-econômica estaria cada vez mais relacionada às próprias realizações individuais, ou seja, às habilidades, ao talento e aos esforços de cada um. Mas ele diz que, na prática, não é bem assim
"A promessa do desenvolvimento, com as sociedades democráticas de economia aberta, levam para sociedades onde a posição social dos indivíduos independe do que eles são, ou seja, de onde eles nasceram, se eles são negros, se eles são mulheres, deficientes físicos, se pertencem a alguma minoria étnica. Então, a promessa da nossa sociedade é que ela tenha igualdade de oportunidades, ainda que ela tenha desigualdades. O que esse estudo mostra é que essa igualdade de oportunidades é uma falácia; na verdade ela não existe.
Estudos internacionais sobre mobilidade social têm demonstrado de uma forma geral que, em todas as sociedades, mesmo naquelas que a gente tem como mais avançadas nesse percurso do desenvolvimento – em alguns países da Europa e nos EUA – ainda assim, a influência da origem social das pessoas é muito importante. Estes estudos apontam apenas Suécia e Holanda como países, onde as pessoas, realmente, podem chegar a ser qualquer coisa, independentemente da família em que elas nasceram, do lugar onde nasceram, da sua cor, da sua etnia ou do seu sexo", disse Osório.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2001, mais da metade da população branca entre 20 e 24 anos cursavam o ensino superior. Mas menos de 2 em cada 10 negros e pardos estavam na universidade.
Nesta faixa etária, 44% dos negros ainda não tinham terminado o Ensino Médio e somente três em cada 10 se encontravam no ensino fundamental.