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Especialista explica riscos da instabilidade e falta de regulação das criptomoedas BR

A economista Marina Zucker faz parte da Divisão de Financiamento de Dívida e Desenvolvimento da Unctad

Descobrimos que entre os 20 países que mais usam criptomoedas, 15 são países em desenvolvimento. Entre eles, por exemplo, o Brasil

Marina Zucker , Economista da Unctad

Marina Zucker
A economista Marina Zucker faz parte da Divisão de Financiamento de Dívida e Desenvolvimento da Unctad

Especialista explica riscos da instabilidade e falta de regulação das criptomoedas

Desenvolvimento econômico

Em uma série de boletins informativos, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Unctad, analisou os riscos e os custos, incluindo ameaças à segurança de sistemas monetários desses recursos. A ONU News conversou com uma das autoras dessas análises, a economista brasileira Marina Zucker, da Divisão de Financiamento de Dívida e Desenvolvimento da Unctad.

ONU News: Poderia explicar um pouco esse trabalho que a Unctad está fazendo sobre criptomoedas. O que motivou esse estudo? O que é que vocês estão analisando nessa série?

Marina Zucker: Bom, recentemente nós lançamos três boletins informativos que vocês podem acessar no nosso site. O primeiro a gente discutiu o aumento do uso das criptomoedas em países em desenvolvimento. As razões por que levou esse aumento. E recomendações para minimizar, tentar reduzir os impactos negativos do aumento das criptomoedas em países em desenvolvimento. A gente também lançou dois outros que, o segundo discute como países podem responder ao aumento das criptomoedas domesticamente, com a criação de moedas eletrônicas emitidas pelos bancos centrais, e como também meios de pagamentos como PIX no Brasil. E o terceiro, a gente discute como os criptomoedas podem impactar a mobilização de recursos domésticos nos países, porque eles facilitam a evasão de divisas e eles colocam em xeque o uso de uma política muito importante para países em desenvolvimento, que é o controle de capitais. Então, a gente discute nesse último boletim informativo essa questão. Eu acho que o principal motivo que levou a gente a discutir essa questão foi o aumento muito rápido do uso de tomadas em países em desenvolvimento. Também o aumento do preço, que chegou a um pico muito rápido. recentemente caiu. E isso leva a gente questionar quais são os impactos, em especial para países em desenvolvimento.

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ON: E sobre os países em desenvolvimento, alguma descoberta que você gostaria de destacar nessa parte?

MZ: Bom, nós descobrimos que entre os 20 países que mais usam criptomoedas, 15 são países em desenvolvimento. Entre eles, por exemplo, o Brasil está na lista entre o 11.º. Então, foi uma descoberta. E é aí têm várias razões que podem explicar o aumento do uso nesses países. Uma primeira questão é o uso de pagamentos de remessas, que realmente o custo internacional é alto. Em alguns casos, criptomoedas são utilizadas para facilitar remessas e também nós usamos pesquisa para entender um pouco melhor, porque famílias em países em desenvolvimento estão utilizando criptomoedas. E isso vai desde razão de proteção de inflação, de proteger a riqueza da família até facilitar remessas, mas essas vantagens são muito circunstanciais. Então, enquanto o ativo das criptomoedas estava aumentando, poderia fazer algum sentido. Mas claro, eles envolvem muitos riscos, incluindo a queda do preço que coloca em xeque os rendimentos. E você tem casos de fundos perdidos. A proteção ao consumidor não existe. São algumas tentativas, mas isso não significa que para as famílias isso é algo positivo. Então, a gente percebeu que tem muitos problemas, apesar de algumas famílias estarem procurando o uso das criptomoedas.

 

Bitcoin é uma moeda digital descentralizada que você pode comprar, vender e trocar diretamente, sem um intermediário como um banco
Unsplash/André François McKenz
Bitcoin é uma moeda digital descentralizada que você pode comprar, vender e trocar diretamente, sem um intermediário como um banco

 

 

ON: Quais são os riscos, os pontos positivos e os pontos negativos da criptomoeda?

MZ: Bom, os riscos em geral. Eu acho que o primeiro risco que a gente nota é o risco para quem investe em criptomoedas. Então, como eu disse, é um ativo muito volátil. Então, famílias que investem, elas podem ver do dia para a noite, a sua riqueza diminuir muito. Então, é um ativo muito arriscado. Muitas pessoas investem e não compreendem totalmente os riscos que elas estão expostas. Então o primeiro risco é um risco para as famílias e para os investidores que estão envolvidos com as criptomoedas. Mas, além disso, também tem um risco para a estabilidade econômica dos países em desenvolvimento. Então, a gente está vendo que não só tem famílias investindo em criptomoedas, mas também alguns bancos e instituições financeiras que são regularizadas, elas estão se envolvendo no mercado de criptomoedas. E quando a gente tem isso, isso pode se tornar um problema público, porque isso pode, a partir do momento que o preço das criptomoedas cai, por exemplo, a gente pode ter um risco de instabilidade monetária para economia inteira. Então não é só um risco privado das famílias, também pode se tornar um risco público.

 

Criptomoedas podem colocar em xeque o uso de controle de capitais, que é uma ferramenta muito importante para países em desenvolvimento
ONU News/Daniel Dickinson
Criptomoedas podem colocar em xeque o uso de controle de capitais, que é uma ferramenta muito importante para países em desenvolvimento

 

ON: E que tipo de recomendações a Unctad faz baseado nessa análise? É o momento de regulação das criptomoedas?

Com certeza é um momento de regulação doméstica. A gente está vendo isso. Países já estão começando a regularizar, mas em velocidades muito diferentes. A gente tem países hoje que são que estão banindo completamente, como é o caso da China. Você tem outros países que estão numa perspectiva muito mais branda com as criptomoedas. Então a gente está vendo que essa diferença de regulação precisa de uma normalização, porque essa diferença pode levar a que investidores tentam explorar diferentes regulações e, a despeito do impacto para o próprio setor público, então é muito importante que os países tenham uma regulação básica no que diz respeito à regulação de criptomoedas. Isso não é só algo que a Unctad está levantando, mas tem outras instituições internacionais levantando esse ponto, como o FMI, o Bank for International Settlements, em Basileia, também é outra instituição que está levantando esse ponto. A gente também recomenda a regulação financeira. Então, um primeiro ponto é a regulação de bancos e instituições financeiras já regularizadas, que elas estão tendo mais exposição a criptomoedas. E isso pode, como eu falei, ter um impacto para a estabilidade financeira muito importante, que bancos centrais e governos regularizem essa situação e que tenha controles para que bancos e outras instituições financeiras oferecerem criptomoedas para consumidores finais e também como como ativo próprio de investimento das instituições financeiras. A gente também recomenda que tenha uma regulação dessas, desses mercados de criptomoedas que na realidade, eles são intermediários financeiros não regulados e eles precisam entrar na regulação. A gente também recomenda que países em desenvolvimento desenvolvam ou ofertem alternativas públicas de sistemas de pagamento, como moedas eletrônicas oferecidas pelo Banco Central ou sistemas de pagamento rápido, como é o caso do PIX no Brasil. Isso é muito importante para ajudar na inclusão financeira e ajudar na inclusão financeira de uma maneira que seja sem causar, sem colocar em risco a estabilidade financeira nacional.

 

Preço do Bitcoin e outras criptomoedas começou a cair e mais turbulência está sendo esperada
Unsplash/Sigmund
Preço do Bitcoin e outras criptomoedas começou a cair e mais turbulência está sendo esperada

 

ON: O bitcoin já existe há alguns anos, mas há dois anos ele teve um boom e agora começou a entrar numa queda e questiona-se muito se é o fim do bitcoin ou se ele veio para ficar. O que você tem a dizer sobre isso?

Então, realmente as criptomoedas entraram como um novo ativo do sistema financeiro, mas hoje elas são ativos que não são regulados. Então a gente vê historicamente que no sistema financeiro aparecem novos produtos financeiros, mas eles precisam ser regulados de forma correta para não impor risco nem para a economia nacional nem para os consumidores.

 

ON: E que risco seria esse para economia nacional? Eu li uma matéria que falava que se o bitcoin começa a ser usado mais do que a moeda local, como moeda nacional, isso pode trazer um risco para o país? Isso veio de um estudo da Unctad?

A gente no estudo também percebeu que criptomoedas, e não somente o bitcoin. Bitcoin é uma das 19 mil moedas que criam criptomoedas que ativos que existem hoje. Elas podem facilitar a evasão de recursos domésticos, e colocar em xeque uma ferramenta muito importante para os países em desenvolvimento que é o controle de capitais. Então, tem esse aspecto. Além disso, muitas das criptomoedas em muitos países não há imposto sobre elas ainda. A regulação não chegou a esse ponto. Em países que estão colocando impostos para criptomoedas, às vezes ainda não há formas de garantir que esse imposto realmente chegue ao poder público, então elas podem diminuir os recursos financeiros do governo. Então, é uma preocupação também. Então, esses são alguns dos riscos que as criptomoedas impõem para os países em desenvolvimento.

El Salvador foi, até agora, o único país que definiu bitcoin como uma moeda de curso legal e tinha muita expectativa de que isso poderia resolver muitos problemas nos países em desenvolvimento e na realidade o que a gente está vendo é o contrário

 

ON: Há alguma coisa para destacar de novidade antes de encerrar a entrevista?

MZ:  El Salvador foi, até agora, o único país que definiu bitcoin como uma moeda de curso legal e tinha muita expectativa de que isso poderia resolver muitos problemas nos países em desenvolvimento e na realidade o que a gente está vendo é o contrário. Então tinha muita promessa de que as criptomoedas e o bitcoin, no caso do El Salvador, iria a aumentar a questão da inclusão financeira e aumentar remessas de imigrantes, que é um recurso muito importante para vários países em desenvolvimento e para El Salvador. Mas a gente está vendo que isso não se concretizou, então você tem somente cerca de 10% da população em El Salvador usando Bitcoin de maneira corrente e, segundo dados mais recentes, menos de 2% das remessas de migrantes que vão para El Salvador são canalizadas para criptomoedas. Então, na realidade, essas promessas de resolver alguns dos problemas dos países em desenvolvimento não foram respondidas e, além disso, colocou muito risco para as famílias que investiram em criptomoedas e para o governo, que agora está tendo uma exposição a elas. E quando o preço cai, tem uma questão diminuição dos recursos disponíveis para o governo. Então é um exemplo que assim que as criptomoedas não são uma solução para os países em desenvolvimento, então elas são um ativo e muitas vezes um ativo especulativo, e por isso que elas devem ser regularizadas e elas não podem ser consideradas como uma moeda de corpo legal, por exemplo.

Especialista explica riscos da instabilidade e falta de regulação das criptomoedas