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Da alfabetização à saúde, Mauricio de Sousa revela que Turma da Mônica prepara novidades

Mônica e amigos participam da Campanha "Verificado" pela ONU

Fui homenageado pela Unesco pelo reconhecimento de que nossas revistas alfabetizaram e estimularam milhões de crianças nesses mais de 60 anos de publicações

ONU
Mônica e amigos participam da Campanha "Verificado" pela ONU

Da alfabetização à saúde, Mauricio de Sousa revela que Turma da Mônica prepara novidades

Cultura e educação

Escritor e desenhista brasileiro conta sobre seu processo de criação e planos para seus personagens; Chico Bento deve ganhar filme e autobiografia pode chegar ao cinema.

O criador da Turma da Mônica, Mauricio de Sousa, afirma que quer ser lembrado por atuar na alfabetização de milhares de crianças em língua portuguesa. Em entrevista ao Podcast ONU News, ele cita que seu trabalho já foi destacado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. 

No último ano, para comemorar o Dia Internacional da Alfabetização, a Unesco reconheceu a importância do autor para alfabetizar e estimular à leitura, uma vez que, a partir de seu trabalho de mais de 60 anos, ele vem contribuindo para despertar a vontade de ler em milhões de crianças no Brasil e no mundo.

Acompanhe a entrevista com Monica Grayley e Felipe de Carvalho.

Autor da “Turma da Mônica” celebra alcance de milhões de crianças com alfabetização

ONU News: Maurício, a Turma da Mônica ganhou o mundo. Eu gostaria que você comentasse com a gente sobre os temas da ONU – diversidade, clima, meio ambiente – como as histórias da Turma da Mônica também abordam esses assuntos?

Mauricio de Sousa: Bem, nós estamos falando da ONU, estamos falando do mundo e de todos os assuntos. Principalmente entre os que dizem respeito à proteção, chegarmos à família, chegarmos à criança. Essa parceria começou em 2005, mais ou menos, e nesse tempo nós desenvolvemos vários projetos. O mais recente é o Donos da Rua, porque a Mônica é a dona da Rua do Limoeiro, onde são homenageadas grandes personalidades femininas do mundo inteiro e faz parte do Pacto Global da ONU para mulheres.

ONU News: Esse é um grande tema que você aborda agora e a gente lembra que a Mônica fez 60 anos. Eu queria te perguntar Mauricio, quando você começou lá atrás, você imaginou que a Mônica ia chegar tão longe: sair dos quadrinhos e ir para as telas. Você imaginou, assim que a Mônica ia chegar tão longe?

Mauricio de Sousa: Quando eu comecei a criar, eu vi que dava para criar uma coisa atrás da outra, uma coisa em cima da outra e tudo mais. E, logicamente, ampliar o nosso número de personagens, para que eu pudesse usar esses personagens em diversos tipos de assuntos, de temas, etc. Foi muito bom eu ter essa mania de ficar criando, porque me deu o material de trabalho nesses 80 e poucos anos que eu estou trabalhando.

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ONU News: Maurí\icio, você sonha com esses personagens? Eles estão com você durante o dia, quando vai almoçar, eles falam com você? Como é que esse processo criativo?

Mauricio de Sousa: De alguma maneira você adivinhou alguma coisa, né? Alguns personagens que eu tenho são baseados nos meus filhos. E meus filhos, como moravam comigo, estavam lá comendo, tomavam café, brincando e tudo mais. Aliás, se eu tivesse 10 filhos, eu não teria de alguma maneira aberto tantas vezes a criação dos personagens. 

Daí veio a Mônica, a Mariângela, que é a primeira menina. Veio a gulosa, a Magali, eu não inventei. Eu olhava em volta e estava lá, a Magali comendo a melancia inteira. Eu olhava, chegava em casa, estava a Mônica arrastando um coelho, a Mariângela toda delicadinha, junto com as irmãzinhas também. E fora tudo isso, a minha memória volta um pouco da minha infância, quando eu jogava bola no campinho lá em Mogi das Cruzes. 

Eu estava lá junto com um menino, o amiguinho meu, que trocava o R pelo L e tinha o cabelo espetado, com o apelido de Cebolinha, dado pela molecadinha. E ao lado dele, tinha aquele que aquele não era muito asseado. o Cascão, que chegava geralmente cheio de lama. 

Então, ainda bem que eu tive meus filhos e os meus amiguinhos. E tive também pessoas e adultos, tudo mais que me inspiraram a minha avó, é a vó Dita, do Chico Bento, contando a história, é um personagem riquíssimo e para mim, como criança, também foi maravilhosa. Ela me ensinou a contar a história.

Quando ela me ensinou a contar a história, para mim e para os meus amiguinhos, eu gostei da ideia. Eu comecei a copiar as histórias que ela fazia, eu desenhava as histórias que ela contava. Eu pegava a história, desenhava em uma folha de papel, grudava as folhas de papel, fazer um rolo e voltava lá no caixote para fazer o cineminha, com a vela acesa vai ao fundo do caixote.

E eu cobrava dos meus amiguinhos, eu cobrava palito de fósforo. Eu dava fósforo para minha mãe, outro palito de fósforo para avó e assim por diante. Foi testando já o meu momento comercial.

ONU News: Temos uma fã do Rio de Janeiro, Lis Reis. Ela tem uma pergunta sobre como criar, se inspirando muito em você, ela lê muito essas histórias: “Sou a Liz, tenho 10 anos. Estou falando do Rio de Janeiro. Eu tenho várias revistinhas, várias coleções, leio muitas das historinhas e eu tenho a pergunta: Qual conselho você teria para quem está querendo fazer alguma revistinha?”

Mauricio de Sousa: Tem uma orientação muito fácil de ser entendida ou seguida: é só continuar desenhando, brincando de desenhar, sem a preocupação de fazer ou fazer igualzinho o Maurício, não precisa. Nem os meus primeiros desenhos estavam bons. Todo mundo treina bastante no começo, não dando certinho, mas com o tempo o pessoal aprender a desenhar e melhorar a técnica, o estilo e tudo mais. E é muito importante que leia muito, muito! Treino mais leitura vai produzir mais o desenhista.

ONU News: Mauricio, tem alguma dica para manter um nível de criatividade tão alto quanto esse que você tem de criar? Tanta história, tanto personagem...

Mauricio de Sousa: Viver a vida! E lembrar do que você viu, do que você percebeu, do que das sensações que você teve. Então, realmente, você não pode ficar parado em algum lugar, sentindo o que está acontecendo em volta de você. Principalmente, fique perto de crianças, olhando as crianças, o que elas fazem e falam, tudo mais me dá, e dá para qualquer pessoa, uma inspiração sem problema nenhum.

Diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, lembra que a alfabetização é um direito humano essencial
Unicef/Raoni Libório
Diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, lembra que a alfabetização é um direito humano essencial

ONU News: Bom, agora vamos falar da Mônica: Mônica é líder. As pessoas escutam o que ela fala. Agora, esse é um personagem que começou há 60 anos e muita gente hoje olha para a Mônica justamente por esse ângulo, por esse prisma da autonomia, do poder para mulheres e meninas, da mulher em espaços de decisão e liderança. Como é que isso aconteceu lá atrás? 

Mauricio de Sousa: Ela já veio assim. Quando eu dei o coelho para ela, fui comprar na feira, feito de palha. Ela levava o coelho para lá e para cá, às vezes ela queria levantar o coelho, mas era mais pesado do que ela achava e a Magali escapava, pegava o pé dela enquanto ela estava comendo de melancia.

Então, a Mônica sempre na escola, na casa, com as irmãs, ela foi líder. Ela falava o que e como é que devia ser uma coisa, como é que ela queria uma coisa, como é que ela queria um prato de comida e assim por diante. Eu não precisei inventar a Mônica. Eu olhava e via o personagem ao vivo.

ONU News: Ela se torna a primeira personagem de uma revista em quadrinhos, embaixadora do Unicef. Seria muito interessante saber como é que você se sentiu quando os personagens também contribuíram para a campanha de vacinação, para ajudar a avançar objetivos de saúde pública, ajudando as pessoas a entender a importância, lidar com informações falsas durante a pandemia. Como é que você se sentiu tendo esse papel, da Turma da Mônica ajudando na saúde global?

Mauricio de Sousa: Tudo nasce pelos personagens. Por exemplo, o Cascão. Pelo nome, dá para perceber que ele não gosta muito de água, de tomar banho. E na campanha que nós fizemos sobre os cuidados de higiene para evitar o Covid-19, uso de máscara, lavar as mãos... o Cascão apareceu lavando as mãos e foi uma coisa diferente de tudo. Foi para as crianças um sucesso. Os personagens participam com as características deles e com isso o leitor, principalmente a criançada, segue também aqueles hábitos que eles estão vendo.

ONU News: A gente sabe que você está em pelo menos 120 países e essas revistas vendem mais ou menos 120 milhões de revistas por ano, sem falar nos bilhões de visualizações do canal da Mônica no YouTube e nas televisões fechadas e a cabo. Vamos falar um pouquinho da África?

Mauricio de Sousa: Nós temos também um desenho animado “Monica Toy”, que nós mandamos pelo YouTube e que tem o número fantástico de ideia de pessoas vendo. É um desenho animado, curto, sem idioma. Então, uma vez que nós terminamos de fazer o desenho para podermos mandar para o mundo inteiro instantaneamente, com isso a gente consegue fazer esse nosso filme Mônica Toy e ir para 15 milhões.

ONU News: Temos mais um convidado aqui com uma pergunta diretamente de Moçambique, o nosso convidado Ícaro Manoel, que também mandou um vídeo. Seu fã, também lê bastante e ele tem uma dúvida sobre a Turma da Mônica lá no continente africano: “Olá, sou Ícaro, natural de Maputo, Moçambique. Gostei muito de ler seus livros, parabéns por eles. Minhas perguntas são: senhor Mauricio de Sousa, como escrever para público de África? Tem planos de fazer um personagem de África? Já recebeu um comentário de África sobre o seu trabalho? Obrigado. Estas foram as minhas perguntas e até mais logo!”

Mauricio de Sousa: Pode ser que nasça personagem africano, porque eu estou para viajar para Moçambique daqui dois meses. Nessa viagem, nós estamos preparando revistas que falam do progresso que está acontecendo em Moçambique. Nós vamos conhecer Moçambique, falar com o pessoal do governo e fazer uma revista especial para eles também.

O sonho de Thérèse é se tornar governadora da província de Tanganica. Ela está sentada em uma sala de aula recém-construída na escola primária Lubile, na província de Tanganyika, graças ao Unicef e Education Cannot Wait.
© UNICEF/Josué Mulala
O sonho de Thérèse é se tornar governadora da província de Tanganica. Ela está sentada em uma sala de aula recém-construída na escola primária Lubile, na província de Tanganyika, graças ao Unicef e Education Cannot Wait.

ONU News: Seu trabalho ele é muito incrível, porque ele atravessa gerações. Eu li muitos quadrinhos da Turma da Mônica na minha infância. Mas como é que você vê o futuro dessa arte? Considerando que hoje existem outras formas de entretenimento, como você vê a Mônica, que hoje está com 60 anos, daqui a 100 anos? 

Mauricio de Sousa: Como o cérebro da gente não para eu não estou parado e não estou fazendo só a história em quadrinhos. Nós estamos fazendo revistas, livros e cada vez mais cinema. Nesse momento há dois filmes em produção: vem aí o filme do Chico Bento e, em seguida, vem um filme com a história da minha vida, com parceria com a Disney. Eu fiquei muito feliz. Eu nunca imaginei que eu ia entrar num filme junto com o pessoal da Disney. Eu fiquei maravilhado com essa força que vai ter esse nosso filme. O ano que vem vamos lançar.

ONU News: A Mônica e os demais personagens vão ser lembrados pelas características de cada um. E você? Como você quer ser lembrado? 

Mauricio de Sousa: Eu quero ser lembrado como eu estou agora, de maneira que eu ouço, vejo, leio tudo mais. O pessoal, de alguma maneira, acompanhando a nossa produção, o cinema, a história em quadrinhos, livros e tudo mais. Na alfabetização, a criançada via o gibi, eu sou conhecido por isso. E eu acho que, por isso mesmo, eu recentemente fui homenageado pela Unesco ao final de 2022, se não me engano, pelo reconhecimento de que nossas revistas alfabetizam, estimulam milhões de crianças nesses mais de 60 anos de publicações. Essa é a minha maior alegria.

ONU News: Maravilhoso! Com essa alegria a gente vai terminar, porque o nosso tempo acabou. A gente fica tão feliz com a sua presença. Que alegria ter você aqui!