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Falsa narrativa de que mulheres não gostam de política atrasa avanços

Rebecca Tavares, presidente da Brazil Foundation.

A melhor forma de influenciar políticas de equidade de gênero é ter mulheres na política.

Rebecca Tavares (arquivo pessoal)
Rebecca Tavares, presidente da Brazil Foundation.

Falsa narrativa de que mulheres não gostam de política atrasa avanços

Mulheres

A opinião é da ex-representante do Fundo das Nações Unidas para a População, Unfpa, no Brasil e ex-chefe da ONU Mulheres em vários países asiáticos; Rebecca Tavares afirma que é preciso apoiar as mulheres, de forma decisiva, nos espaços políticos para gerar verdadeira mudança. 

Acompanhe à entrevista à Monica Grayley e a Felipe de Carvalho no Podcast ONU News.  

 

 

Leia a entrevista aqui: 

 

ONU News: Rebecca, seja muito bem-vinda ao nosso estúdio. É um prazer recebê-la aqui. Gostaria de começar perguntando sobre as prioridades da Brazil Foundation nesse momento. Olhando para o cenário brasileiro, as necessidades do país, que focos de atuação que mobilização de recursos a Brasil Foundation pretende fazer para apoiar os projetos sociais no Brasil? 

Rebecca Tavares: Obrigada, Felipe! Em primeiro lugar, obrigada pelo convite. É um prazer estar com vocês. Nós estamos lançando nosso novo plano estratégico de quatro anos, com quatro pilares e para cada pilar estamos estabelecendo um fundo designado para um tema específico. Então, hoje, os pilares ou fundos temáticos são: educação, empreendedorismo negro, meio ambiente e mudança climática e equidade de gênero. A gente passou por um ano de análises das questões mais importantes no Brasil, consultamos a sociedade civil, o setor privado, acadêmicos... Então, essas foram as áreas mais a ser consideradas, os mais importantes neste momento. E a gente teve uma doação específica para poder trabalhar com programas pertinentes. São fundos sementes de US$ 500 mil cada um. 

 

ON: Rebecca, se eu puder te perguntar em termos de comunicação, como é que o que vocês aprenderam nesse nessa trajetória da Brazil Foundation, o que funciona como o caminho para despertar solidariedade nas pessoas? Vocês têm uma rede muito grande de apoiadores, sejam famosos ou não. Pessoas que se preocupam com causas sociais relevantes no Brasil. Como despertar essa solidariedade nas pessoas? 

 

RT: Nós realmente descobrimos, durante a pandemia, que a resposta melhor e maior foi justamente quando se tratava de uma crise humanitária. Então, a gente recebeu muito mais doação durante essa época, que foi diretamente para a ajuda humanitária. Durante a pandemia, a gente recebeu muitas doações pequenas. Eram US$ 12 da Índia e US$ 15 da Polônia. 

 

ON: Que fazem a diferença. 

 

RT: E também a solidariedade. Acreditamos que quando as pessoas acham que elas podem ajudar com uma causa, é urgente, imediato. Então a resposta é maior quando se fala, de forma abstrata, sobre as causas sociais sem a cara da pessoa que vai ser beneficiada é mais difícil.  É muito melhor comunicar diretamente em nome de entidades e comunidades com as pessoas que vão receber o apoio. 

 

ON:  Aproveitando esse tema da pandemia, a pandemia deixou algumas marcas muito profundas, principalmente em relação à fome, atraso escolar e desemprego. Então, o que projetos que hoje vocês apoiam que tem a ver com essas ações? Tem alguns exemplos. 

 

RT: Então, a questão de emprego a gente está apoiando aceleradores para empreendimento negro. Então, essa é um dos nossos pilares, nossos programas temáticos e para apoiar o crescimento, acesso de e pessoas negras à cadeia de suprimentos, novos mercados, diversificação de produtos através de capacitação e assessoria. Então estamos apoiando os aceleradores que estão oferecendo esse tipo de apoio para empresários negros. Também temos um programa junto com uma fundação cooperativa para assistir diretamente os “nem-nem”, os jovens que não estão estudando e nem trabalhando. E muitas dessas pessoas saíram, desistiram da educação durante a pandemia. E esse é um grupo muito importante para realmente apoiar, para integrar essas pessoas na força de trabalho ou voltar para a escola. Mas, a grande maioria está se preparando para entrar num emprego. Então é US$ 1 milhão que a gente recebeu de uma fundação cooperativa. Vamos apoiar várias entidades no país para capacitar os jovens “nem-nem” para entrar na força de trabalho. 

 

ON: Agora, Rebeca, você estudou (na Universidade) em Yale e depois em Harvard. Aprendeu português. Como é que foi essa história com a língua portuguesa? 

 

RT: Bom, eu já estava trabalhando como uma entidade internacional na América Latina, em geral, essa entidade era a Accion International, ainda existe e faz o trabalho de apoio para microempresas. Então, eu trabalhei oito anos nesse campo na América Latina, mas não dentro do Brasil. Mas depois que eu fui chamada para a Fundação Ford e tive que aprender o português. E já estava no país. Era realmente uma crise porque eu falava espanhol, mas é muito difícil fazer a transição do espanhol para o português. E durante muito tempo, eu só falei portunhol. Mas depois de algum tempo, eu fiquei oito anos no Brasil na época, e me casei com um brasileiro. Aí não teve jeito, tive que aprender... 

 

ON: E nada melhor do que aprender no próprio país. Mas, a gente vai falar agora um pouquinho da sua história também nas Nações Unidas, porque você trabalhou na ONU durante bastante tempo. E aí nessas imagens (no telão) tem um pouco de Nações Unidas, mas também da própria Fundação Brasil. Mas vamos ao seu trabalho com a ONU Mulheres no Afeganistão, que é um país que voltou às manchetes e tem preocupado bastante o secretário-geral, as Nações Unidas, movimentos de mulheres e de direitos humanos, por causa da maneira como as mulheres agora estão sendo tratadas, não podem mais frequentar os estudos etc.  Por que é tão difícil falar de direitos das mulheres ainda hoje? 

 

RT: Infelizmente, temos vários países islâmicos que estão, realmente, voltando para trás. Essa interpretação do Corão não é universal. São muitas pessoas da religião islâmica que não praticam esse tipo de comportamento ou políticas públicas com relação às mulheres, mas é uma parte da religião islâmica que está sendo cooptada por esforços políticos em vários países. Mas no caso do Afeganistão, já tinha realmente, durante a época do governo Talibã anterior. As mulheres que eu conheci, várias mulheres e meninas, que viveram durante aquela época e me contaram o quanto difícil. 

 

ON: Você esteve em 2017. 

 

RT: Estive lá no ano de 2017. E enquanto eu estava lá, com o governo democrático de Ghani e de Abdulah Abdullah, o governo contemplou o Ministério de Direitos da Mulher, o Ministério de Direitos Humanos e trabalhava muito com projetos de direitos das mulheres, empoderamento das mulheres. A gente, como ONU Mulheres, teve muito apoio internacional para estabelecer abrigos para as mulheres e para as meninas, porque uma vez que a mulher é agredida dentro de casa, se ela sair daquela casa, ela não tem volta. Ela não tem como voltar, e então ela sai com as crianças. E em nosso abrigo, a gente tinha muitas mulheres junto com as crianças. E porque a sociedade também rejeita a mulher que está saindo do “papel dela”, saindo da casa, do lar. Tem um ditado no Afeganistão que diz que a mulher sai de casa duas vezes na vida: uma é para casar e a outra é para ser enterrada. Então, nessa interpretação do Corão, a mulher deve ficar dentro da casa. Então, nós apoiamos muitas atividades além dos abrigos e programas de combate à violência contra a mulher. Trabalhamos com a polícia, trabalhamos com a comissão eleitoral também ajudar as mulheres candidatas para postos políticos e também para postos no governo, na burocracia do governo. 

 

Rebecca Tavares, presidente da Brazil Foundation.
Rebecca Tavares (arquivo pessoal)
Rebecca Tavares, presidente da Brazil Foundation.

ON: Quer dizer, um esforço coletivo mesmo. E aí você passou por outros países, como Sri Lanka, Butão, Índia e você esteve no Brasil que foi seu primeiro posto na ONU, como você dizia. E a gente estava até conversando antes da entrevista, Felipe, sobre essa questão das mulheres na política, porque ainda é uma baixa participação, né? E você tem alguns dados sobre isso, Felipe. 

 

ON: Na verdade, a gente tem. Estudos recentes foram lançados pelas Nações Unidas mostrando que em muitos países, inclusive no Brasil, ainda tem uma alta resistência à participação na opinião pública da participação da mulher na política. Então a gente gostaria de perguntar qual seria a sua mensagem para os países onde ainda prevalece a violência contra a mulher na política, o preconceito contra a mulher na política? 

 

RT: É a verdade. A mídia internacional ainda está promovendo os preconceitos e as normas sociais que a mulher na política é vulnerável. Ela não está a par. São normas sociais que estão sendo promovidas em todas as áreas da vida e na educação propriamente também. Mas esse nexo entre violência contra a mulher e violência contra a mulher política é  chocante. Isso é muito prevalente. E o próprio feminicídio, no Brasil, é o número 1 no mundo. Nem sempre são casos de mulheres na vida pública. Às vezes, são violências domésticas também. Mas a tendência de cometer violência contra a mulher é universal. Infelizmente. a taxa de participação das mulheres na política, na vida política, é 24%. É interessante porque nos Estados Unidos são 24%. No Brasil, acho que são 22% ou 21%. Então, não varia muito, mas não sai desse patamar. Então já temos décadas que não sai desse patamar. Ainda há muita dificuldade para as mulheres e elas também não são aceitas pelos partidos. Nós fizemos na ONU Mulheres uma pesquisa sobre os partidos políticos. E eles tentam colocar as mulheres para preencher uma cota, mas eles não financiam as campanhas das mulheres. Então, realmente, eles fingem que estão apresentando mulheres como candidatas, mas não estão apoiando as campanhas das mulheres, então as mulheres não avançam. 

 

ON: Quer dizer, tem que realmente estreitar o discurso com a prática. 

RT: Exatamente. Então, esse é um grande trabalho da ONU Mulheres: realmente promover a mulher na vida política e em políticas públicas, e também na vida do setor privado, educação em todos os setores. Mas como mulheres políticas é muito mais direta a forma de influenciar as políticas públicas sobre equidade de gênero. E agora, no Brasil, as políticas públicas são bastante progressistas. O marco jurídico legal no Brasil, especialmente quando se trata de violência contra a mulher, e acesso ao mundo do trabalho, acesso à educação etc. A questão de gênero está bastante avançada no Brasil. Só que, na prática, essas políticas não estão sendo implementadas de uma forma consistente. 

 

ON: Rebecca, muito obrigada pela sua entrevista. 

*As opiniões emitidas na entrevista pertencem às pessoas entrevistadas.