Perspectiva Global Reportagens Humanas

Mundo precisa “conhecer, valorizar e respeitar” os indígenas, diz ministra Sonia Guajajara

Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara

Nós, povos indígenas, plantamos, comemos e cuidamos, mas a gente sempre se preocupa com essa sustentabilidade, com esse respeito e com esse cuidado de proteção da biodiversidade.

ONU News - PT
Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara

Mundo precisa “conhecer, valorizar e respeitar” os indígenas, diz ministra Sonia Guajajara

Assuntos da ONU

Em entrevista à ONU News, em abril, chefe da pasta dos Povos Indígenas do Brasil destacou medidas de proteção em áreas afetadas por violência; Guajajara defende representatividade indígena na política e gerenciamento da crise climática.  

Pela primeira vez, uma mulher indígena representou o Brasil como ministra de Estado na ONU.  

Em 17 de abril, Sônia Guajajara discursou na 22ª sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas. 

Antes de assumir a tribuna, a ministra conversou com a ONU News, em Nova Iorque, e destacou as ações do novo Ministério dos Povos Indígenas para acabar com o sofrimento do povo yanomami, no norte no Brasil.  

Guajajara também falou da insegurança no Vale do Javari, na Amazônia brasileira, e dos esforços para proteger a população local.  

Acompanhe a conversa com Felipe de Carvalho.  

ONU News: Em primeiro lugar, bem-vinda à ONU News em português. É uma grande alegria recebê-la aqui no nosso estúdio. E eu queria começar perguntando qual é a sua mensagem principal para o Fórum Permanente das Questões Indígenas?  

Sonia Guajajara: Esse fórum é muito importante para os povos indígenas do mundo, que é o lugar onde as lideranças vêm trazer as demandas dos países, vêm fazer as denúncias. E nesse momento, o Brasil comemora o Ministério dos Povos Indígenas. É um Ministério inédito e tem não só um indígena, mas uma mulher indígena à frente. E isso para nós é muito significativo. Então a gente traz aqui agora, nesse fórum, esse momento que o Brasil está passando. Essa retomada da discussão da política indigenista. 

E agora não mais com outros falando por nós, mas com representação indígena também na Funai. É a primeira vez que a Funai está sendo presidida por uma indígena e uma mulher também. A Secretaria Especial de Saúde Indígena, a Sesai, também está sendo conduzida por um indígena. Então é um momento que realmente marca um novo tempo na história dos povos indígenas no Brasil. 

Claro que, atrelado a essa representação, nós queremos trazer a pauta indígena para o centro do debate público. Afinal de contas, temos vários tratados internacionais que já reconhecem os povos indígenas como os maiores guardiões do território, da biodiversidade. Povos indígenas, com o conhecimento tradicional, também considerado conhecimento científico pelo Acordo de Paris. Então é hora de a gente transformar todos esses tratados em políticas públicas efetivas. 

ON: E a senhora acredita que na arena internacional essa maior representatividade dos povos indígenas também tem avançado? Como é que é a sua experiência, a senhora que já acompanha esse fórum, há muitos anos, e vem agora como a primeira representante indígena do Estado brasileiro? Como é que você observa a questão da representatividade nesse espaço do fórum multilateral? 

SG: Eu acho que a representação indígena tem aumentado bastante em vários países. Indígenas estão ocupando espaços no poder executivo, a exemplo aqui da secretária Deb Haaland, nos Estados Unidos. Acho que é uma participação relevante, muito relevante, ter uma mulher indígena também nesse lugar. E aqui no fórum, pelo que eu percebi hoje, acho que precisa aumentar mais a representação indígena dos países aqui no Fórum Permanente. 

Em algum momento, parece que já teve muito mais representações e agora eu acho que é hora dessa retomada também, de a gente ocupar os espaços nos nossos países, mas também marcar essa presença forte aqui nas Nações Unidas. Afinal de contas, esse bloco de países é importante para o mundo e tem posições com boa repercussão. Então aqui é muito importante que a nossa voz também seja fortalecida.  

ON: E agora, ministra, passando para o contexto brasileiro, território yanomami. Conforme já foi reportado por diversos veículos nacionais de imprensa, internacionais também, ali existe uma situação de saúde pública, uma situação humanitária, uma situação de conflito. Como a senhora percebe esse contexto? Qual é a sua análise desse contexto? Na visão da senhora, quais são os passos que ainda faltam para acabar com o sofrimento da população yanomami? 

SG: São muito passos ainda que precisam ser dados para tirar o povo yanomami dessa situação de calamidade, de crise humanitária, de crise sanitária, que a gente encontrou. Isso é resultado de anos de abandono do poder público, de uma desassistência a saúde. Mas também é fruto de uma conivência do governo passado com a invasão do território para a exploração garimpeira. 

20 mil garimpeiros dentro do território yanomami e 30 mil indígenas. Então é um território em disputa ali dos garimpeiros, das pessoas envolvidas na atividade garimpeira que circulavam ali livremente. E tudo isso impediu os yanomamis de viverem a sua vida plena e a sua dignidade. 

É uma área de difícil acesso, uma área remota que precisa de muita estrutura para garantir que as equipes de saúde cheguem de forma suficiente para garantir a construção de uma outra estrutura para fazer esse atendimento. É uma área que tem ali uma base do Exército. E do Exército depende também a construção de uma pista de pouso que possa suportar um avião maior e assim levar mais materiais e instrumentos para construção de hospitais, inclusive. 

Então é um trabalho integrado, de forma articulada, com mais oito Ministérios. O Ministério dos Povos Indígenas assume essa liderança. E aí tem o Ministério da Justiça, que tem a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, que trabalham nessas ações. O Ministério do Meio Ambiente, e aí vem o Ibama e a Funai. Ministério de Direitos Humanos, Ministério Desenvolvimento Social e o Ministério da Saúde, que está acompanhando todas as ações para garantir essa assistência da saúde às equipes no território. 

Estamos nesse momento ainda no emergencial, ainda tirando a emergência. E temos um plano de continuidade, porque é preciso garantir agora a saída dessa situação de emergência, mas que a gente mantenha essas ações ali, fiscalizando, monitorando, para evitar a volta desses invasores para dentro território yanomami. Então são ações a prazo curtíssimo, imediato, que é o que a gente já fez e o que estamos fazendo agora em curto prazo. 

Tem ações a médio prazo, que são essas construções de postos de saúde, de hospitais dentro do território. E a longo prazo, que é manter essas entradas e saídas com monitoramento e fiscalização da Polícia Federal do Ibama, para poder controlar essa saída, pois ainda tem muitos garimpeiros ali dentro. A gente precisa controlar essa saída e evitar o retorno.  

ON: E nesse curto prazo, qual é a principal prioridade? 

SG: Olha, a gente está reestabelecendo a saúde das crianças, pois estavam morrendo muitas crianças ali toda semana, então acho que a principal coisa é salvar essas vidas. Salvar a vida dessas crianças, reestabelecer a saúde das crianças e dos idosos, devolver os indígenas que estavam em Boa Vista, que já tiveram um atendimento e já estão com alta para voltar, pois eles estavam sem estrutura nenhuma para voltar para suas aldeias. Então devolver esses indígenas para suas aldeias e retirar esses garimpeiros, porque enquanto eles estiverem ali, os yanomamis não têm segurança para voltar para dentro das suas aldeias.

 

ON: E senhora ministra, uma outra região, já no estado do Amazonas, que também chamou bastante atenção em nível internacional pela situação de criminalidade, pelos episódios de violência que aconteceram ali, é o Vale do Javari. Então gostaria também de ouvir da senhora quais são as estratégias para lidar com esse território em particular e para garantir que os povos indígenas que vivem ali tenham garantido seus meios de subsistência e não sejam mais impactados por essa situação de tráfico, de crimes que têm acontecido ali. 

SG: Vale do Javari é uma área também de muito risco, de muita violência. É a área onde tem a maior quantidade de povos isolados, povos indígenas que não têm nenhum contato com a sociedade. É uma área que tem muita exploração ilegal de madeira, de caça e de pesca, o que torna esses povos totalmente vulneráveis. 

Então, o Vale do Javari precisa ter uma fiscalização permanente também ali dos órgãos responsáveis como Ibama, como a Funai. O Ministério vem agora fazendo todo esse acompanhamento. Tivemos uma visita lá na cidade de Atalaia. A gente não conseguiu ir até a aldeia porque foi um período de chuva. O avião não conseguia pousar e a gente não conseguiu ir até a aldeia. Mas a gente fez esse primeiro momento ali com as lideranças que vieram para Atalaia. Fomos lá com vários Ministérios para a gente poder dar um sinal ali dessa volta do Estado. 

A presença do Estado nesses territórios, nessas áreas mais remotas. Então nós estamos trabalhando agora para criar um comitê operacional que envolve Ministérios dos Povos indígenas, Direitos Humanos, Ministério da Justiça, Casa Civil, para que a gente possa ter agora o encaminhamento ao plano que foi elaborado. Logo após a nossa visita foi elaborado um plano de segurança e fiscalização do Vale do Javari. 

Depois teve a Assembleia dos Povos que apresentaram para a gente um documento. Então esse grupo vai trabalhar para definir as estratégias para implementar esse plano. E aí envolve também produção, o apoio às atividades agrícola dos povos indígenas, valorização da bioeconomia. São sempre muitas as demandas, foi muito tempo de abandono.  

O Vale do Javari também foi esse palco da brutalidade do crime contra Dom Phillips e Bruno Pereira, então a gente precisa realmente dar uma atenção especial ali para evitar que outras lideranças e outros indigenistas venham a ser mortos simplesmente por estarem lutando para proteger esses territórios 

E aí conta também a estruturação da Funai, que já está sendo feita, e a construção das bases e reforma das bases de proteção etno-ambiental, que é o que trabalha diretamente nos territórios que tem povos isolados. 

A líder indígena brasileira, Sônia Guajajara, discursou no evento.
ONU News/Daniela Gross
A líder indígena brasileira, Sônia Guajajara, discursou no evento.

ON: Ministra, minha última pergunta: aqui no Fórum Permanente das Questões Indígenas, um dos temas centrais é como a gente pode aprender, cada vez mais, com os povos indígenas, soluções para a crise climática que a gente vive. Então, com base na vivência que a senhora tem tido já como ministra, as visitas que tem feito aos mais de 700 territórios indígenas no Brasil, que soluções, que exemplos acredita que podem ser mais valorizados? Como preservar ecossistemas? Como prevenir a crise climática que está aí no nosso horizonte? 

SG: É a própria relação de respeito à natureza. Esse cuidado com o território. Para nós, o território é esse todo que você considera a água, a floresta, os animais, as pessoas, a cultura, a alimentação, os hábitos alimentares. O que a gente hoje tem falado muito é a urgência dessa necessidade de mudar os sistemas alimentares por meio das monoculturas, do agronegócio, da agropecuária. Nós, povos indígenas, plantamos, comemos e cuidamos, mas a gente sempre se preocupa com essa sustentabilidade, com esse respeito e com esse cuidado de proteção da biodiversidade. E eu acho que é isso, que a humanidade precisa hoje pensar nas suas formas de consumo. O que é que se está consumindo, de onde vem esses produtos e verificar se não está impactando o meio ambiente, se não está violando os direitos humanos. 

Então, eu acho que essa mudança toda de consciência depende também dessa mudança na responsabilização das empresas. A gente já viu que o planeta está em risco e as mudanças climáticas só aumentam. E são muitos os tratados internacionais que precisam se efetivar em políticas locais. E aí, para nós, no Brasil, a política local requer a demarcação dos territórios indígenas. 

Então a gente segue nesse governo dialogando e articulando para que seja retomada a demarcação dos territórios indígenas, para que haja uma proteção aos territórios indígenas, para que haja segurança dos indígenas dentro desses territórios e para que haja uma gestão própria desses territórios. Então essas são as nossas prioridades agora nessa gestão e que acho que é o que o mundo precisa também conhecer, valorizar e respeitar. 

ON: Antes de a gente encerrar, ministra, a senhora gostaria de deixar mais alguma mensagem, mais alguma coisa, que gostaria de colocar nessa entrevista? 

SG: Eu acho que é esse cuidado, esse momento. Se nós povos indígenas já somos considerados como os maiores guardiões do planeta, os maiores guardiões do meio ambiente, da floresta. Se nós somos o próprio meio ambiente, a própria floresta. E se os direitos dos povos indígenas estão em risco, essa biodiversidade toda também está ameaçada. E se a biodiversidade toda está ameaçada, a humanidade inteira também está. 

Então eu acho que é muito importante essa associação das pessoas sobre quem são os povos indígenas, qual o papel dos povos e dos territórios indígenas, não só para o clima, mas para a vida no planeta. É muito importante que as pessoas se atentem a isso e comecem a abraçar a causa indígena. 

ON: Ministra, mais uma vez eu gostaria de agradecer, em nome de toda a equipe da ONU News, a sua presença, a sua participação. 

SG: Obrigada, Felipe.