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Entrevista: Felipe Neto fala à ONU News sobre futuro da internet, jovens e discurso de ódio

O influenciador Felipe Neto no Podcast ONU News com Monica Grayley e Felipe de Carvalho.

Qual vai ser a próxima inteligência artificial? Não somos nós que vamos programar. Vai ser a máquina. E a coisa começa sair, completamente, da nossa linha de raciocínio de controle. Esse é o meu medo.

Felipe Neto , Influenciador e youtuber.

Eleuterio Guevane - ONU News Português
O influenciador Felipe Neto no Podcast ONU News com Monica Grayley e Felipe de Carvalho.

Entrevista: Felipe Neto fala à ONU News sobre futuro da internet, jovens e discurso de ódio

Assuntos da ONU

Influenciador digital diz que combate à desinformação e notícias falsas é dever também do usuário. Para ele, é preciso checar tudo “cinco vezes” e não confiar no que se recebe por causa da sofisticação das fake news.

Criador de conteúdo esteve nas Nações Unidas em 2 de maio para participar do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa a serviço da Unesco. Ele analisou o papel de crianças e jovens na rede, combate ao racismo e à desinformação, defendeu a regulamentação da internet, proteção de pessoas vulneráveis a ataques online e o combate a preconceitos linguísticos ao declarar sua paixão pela língua portuguesa.

Acompanhe a conversa com Monica Grayley e Felipe de Carvalho. 

 

ONU News: Como começou este projeto com youtuber lá em 2010. Como você lida hoje com a proporção que isso tomou. Tantos seguidores, status de celebridade? 

Felipe Neto: Caramba, já são 13 anos. É impressionante. Primeiro, obrigado pelo convite. É uma honra estar aqui. 13 anos de uma vida. Eu já sou um adolescente na vida digital. Oficialmente, não mais criança porque é justamente aos 13 anos...Começou como uma brincadeira porque na época que a gente começou a gravar vídeo lá trás ninguém fazia ideia de que isso seria uma profissão. Ninguém fazia ideia de que isso daria dinheiro. Era só uma grande diversão: vou produzir vídeos, vou colocar no ar e ver o que as pessoas acham. Então, muito inspirado também por alguns americanos que já começavam a fazer isso, eu comecei a gravar uns vídeos em casa e a coisa degringolou assim. Foi da noite para o dia. Um vídeo que eu tinha feito começou a pegar uma quantidade absurda de visualizações. E nunca mais parou. Desde então, é um trabalho sempre de reinvenção. De tentar descobrir como se recriar para continuar sendo assistido, continuar tendo relevância no cenário de entretenimento como qualquer programa sempre tem que fazer. E tem sido 13 anos de muitas vitórias, muitas conquistas, muita luta também. Mas também de muito orgulho de toda a trajetória que a gente construiu. 

ON: Felipe, muita gente diz que hoje as crianças estão passando muito tempo na internet. E você também já se pronunciou sobre isso. Eu queria saber até que ponto esse tempo passado na internet, ajuda, educa, também como você próprio diz, se vicia essas crianças. Isso é saudável? 

FN: Primeiro é importante a gente quebrar as idades. Isso é muito importante no debate. Eu não sou pedagogo, é óbvio que eu aqui falo como um estudioso desse assunto, não como uma pessoa acadêmica ou com propriedade para falar. Quem a gente tem que ouvir mesmo são os pedagogos, os psicólogos infantis, os educadores.  Ouvindo essas pessoas, o que eu aprendi foi. A mais importante medida inicial é quebrar as idades e entender quantos anos essa criança tem e a partir dessa idade qual seria a recomendação técnica especializada. 

Até dois anos de idade, a recomendação oficial é zero tela.  Zero. Já foi comprovado, inúmeras vezes, por diversos estudos diferentes, que até dois anos de idade toda exposição à tela é prejudicial.  Isso é realista? Não é. Hoje, com tecnologia invadindo e os pais com, cada vez menos tempo, porque hoje pai e mãe têm que trabalhar. Os dois estão sempre ocupados. O tempo é cada vez mais escasso. Você conseguir um tempo em que a criança fica ali, né, em paz, vamos dizer assim, acaba sendo sagrado para os pais. Então, é muito errado a gente apontar o dedo na cara dos pais, que não têm tempo, que são massacrados pelo atual sistema para conseguirem pagar as contas, “vocês são pais ruins porque estão deixando a criança na frente da tela”, é muito injusto.  Então, o que a gente precisa tentar é minimizar o dano, diminuir o perigo. Então, até dois anos, a recomendação é zero. Se não for possível, que o pai e a mãe assistam junto da criança. Não apenas deixem a criança com o device, com o aparelho solta num canto, concentrada assistindo.  Isso é extremamente perigoso. A gente está falando de linhas do tempo aí como TikTok, Reels e Shorts no YouTube que não têm nenhum tipo de trabalho para se precaver o que a criança vai assistir. O TikTok principalmente. Você não tem nenhum tipo de filtro ali. A criança vai entrar num vídeo bonitinho, fofinho e depois está vendo um vídeo adulto. Então é fundamental que determinadas redes não entrem em contato com as crianças. 

A partir dos dois anos de idade, você começa a ter a recomendação de introdução de tela, porque aí é inevitável, com determinadas limitações. Então até os seis anos de idade, que seria a idade pré-escolar, você vai ter uma recomendação de uma a duas horas diárias com o acompanhamento dos pais. De novo: é realista? Não é. Não é realista. A gente sabe que não vai acontecer. Você não vai conseguir deixar uma criança de 5 anos idade hoje assistindo a uma hora só na tela. Não dá para obrigar os pais. Então, os pais têm que, pelo menos, se fazer presentes. 

A partir dos seis anos de idade até os 13 anos idade, você tem uma maior inserção. e aí você tem outros limites sendo estabelecidos. Então, quebrar as idades, entender e ler sobre isso é fundamental para que a gente tenha um ambiente menos nocivo. Agora essas plataformas não estão nem aí para qual é a idade da criança, para o risco que está sendo colocar aquela criança exposta a determinados conteúdos e principalmente no vício que vai gerar na criança. Então, principalmente as timelines infinitas de vídeos curtos como TikTok, Reels, Shorts, Kwai etc são criadas para viciar. 

ON: E fica aquele loop, né? 

FN: Exato. O loop que você não para nunca de assistir, ele gera o que a gente chama de vício comportamental. De novo, estudado. Os especialistas vão falar isso abertamente: vício comportamental é o vício que você não consegue não agir de determinada forma mesmo que o dano, a longo prazo, seja grande. Então você vai ver aí jovens ficando 7, 8 horas, por dia, nessas timelines, sem conseguir sair delas, presas pela liberação de dopamina no cérebro pelo consumo dessas timelines.  

Esse é para mim, é o maior perigo, não só pelo vício. O vício, obviamente, é o maior problema, mas também pelo risco de radicalização quando entram conteúdos políticos, sociais e que normalmente vão para extremos. Nunca são razoáveis. São sempre extremistas. Então é uma área inteira, complexa e que precisa ser muito debatida. 

ON: E uma outra área complexa é a questão da inteligência artificial. Vou passar pra você, Felipe. 

ON: Eu gostaria de acrescentar esse ponto. Tem essas tendências que você está sinalizando com a timeline infinita, mas agora tem novas tendências como as plataformas de inteligência artificial que estão sendo cada vez mais usadas. Que preocupações você tem com este tipo de espaço, de ambiente e de tecnologia. 

FN: É importante que a gente entender qual é a inteligência artificial, né? Por exemplo, o algoritmo de recomendação que é o que vai mostrar o vídeo do TikTok pra você quando você vai passar pro próximo vídeo é uma inteligência artificial. Só que não é uma inteligência artificial com a qual você dialoga. Então, as pessoas tendem a pensar que a inteligência artificial é o ChatGPT. É aquele chat que você vai conversar como robô. A inteligência artificial, ela está ali o tempo inteiro na internet. Ela que impulsiona tudo.  

Hoje, está se falando muito sobre esses riscos da perda de empregos, de substituições de determinadas funções e tudo mais, graças à inteligência artificial que está chegando em níveis absurdos. 

Eu sou extremamente preocupado com este tema porque a mente explode quando você começa a fazer certas perguntas. A gente está criando uma inteligência artificial hoje que é capaz de criar. Ela é capaz de do nada reunir elementos que existem na natureza e na criação humana, unir isso e criar algo completamente novo. 

Esse é o processo que nós fazemos como seres humanos. Quando a gente cria uma música, a gente não inventa uma nota nova, a gente não inventa um som novo. A gente reúne o que existe. A máquina está fazendo exatamente o que o ser humano faz em termos de criatividade. Até que ponto isso vai chegar? Porque quanto maior o processamento e a capacidade dessa máquina, ela vai ser capaz agora de antecipar coisas que nós não conseguimos prever. Como? Qual vai ser a próxima inteligência artificial? Não somos nós que vamos programar. Vai ser a máquina. E a coisa começa sair, completamente, da nossa linha de raciocínio de controle. Esse é o meu medo. Mas é algo fascinante de ser ver, né? E que precisa ser regulamentado. Não tem jeito. A gente precisa de regulamentação. Caso contrário, a gente corre risco. 

ON: E a gente vai falar sobre isso daqui a pouquinho. Mas antes da minha próxima pergunta sobre você ser uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, segundo a Time, eu gostaria de saber como você consome a internet? Tem dias que você fica mais, tem dias que você fica menos. Como você consome esse produto? 

FN: Há três anos, eu estudo quase que, diariamente, o consumo de internet e como isso é prejudicial quando é demais. E todos nós estamos demais. O smart phone ele é uma das melhores e piores coisas já inventadas pela humanidade. Ao mesmo tempo que ele é fascinante para a gente ter as respostas na ponta do dedo, ele cria um vício, uma dependência que é impressionante. Talvez sem precedentes aí. 

Eu sou viciado. E acho que a esmagadora maioria da população hoje é. E eu tento, de alguma forma, lutar contra isso. Mas é muito, muito difícil. O cérebro da gente está, cada vez mais condicionado, à liberação constante de dopamina. A dopamina “é o hormônio” que produz a sensação de recompensa no nosso cérebro. 

Então, todas as drogas, todas elas. Elas agem com a dopamina. Vão agir em outros efeitos também, mas elas fundamentalmente estão relacionadas à dopamina, sensação de recompensa. E essa sensação de recompensa que era para a gente sentir, relativamente, muito pouco. Nós evoluímos sentido ela pouco, né? O que dava recompensa para a gente? Era terminar uma tarefa, fazer alguma coisa prazerosa, mas não o tempo todo. Nós transformamos isso em 24 horas por dia. A gente não consegue mais... O ser humano tem uma incapacidade hoje de sentir tédio. A gente sente tédio e se deprime. A gente fica melancólico, a gente se afunda quando está no tédio.  A gente vai para o fundo do poço quando a gente entre aspas não tem nada pra fazer. E isso pra mim é terrível assim. Eu, hoje em dia, tento dar valor para os meus momentos quando eu não tenho nada pra fazer e eu tento não fazer nada porque o nosso cérebro não deixa. Ela vai pegar o celular automaticamente. 

ON: E estar com pessoas, né, Felipe? Se relacionar... 

FN: Exatamente. Estar com pessoas. E hoje, a gente está vendo hoje uma quantidade enorme de crianças e pré-adolescentes que acham entediantes até as conversas. Isso não é querendo falar mal da próxima geração porque sempre tem essa tendência de querer criticar as gerações seguintes. Não é essa a questão. A questão é a introdução dos smartphones e o perigo que pode representar para esses jovens acharem a vida entediante, enquanto o digital é onde elas têm a liberação constante de dopamina e é a única coisa que importa. Esse é o perigo.  

ON: Felipe, já que você falou dos jovens, eu queria te perguntar: Se por um lado, as redes sociais têm esse risco de vício e problemas de saúde mental, por outro lado também é uma plataforma onde você pode defender causas de minorias e você tem feito bastante isso. Na sua visão, qual é o papel do jovem hoje na política? 

FN: Cara, em primeiro lugar, é importante dizer isso mesmo. Não adianta a gente só falar mal da internet, do celular, smartphone... Todas essas ferramentas são fantásticas, mudaram o mundo. A gente pode usar isso pro bem todos os dias. Eu crio conteúdo, Eu estou lá. Eu produzo vídeos. Eu quero levar entretenimento pras pessoas, alegrar a família, tirar risada. O que a gente precisa é moderar as coisas. É isso que a gente tem que defender, né? E o papel do jovem, hoje, ele vem se tornando cada vez mais potente porque hoje qualquer pessoa tem voz. Então todo mundo pode ser ouvido. Você pode falar essa frase de duas maneiras: “Todo mundo hoje pode ser ouvido” porque, ao mesmo tempo que a internet empodera vozes que podem ser revolucionárias para o bem. Ela também empodera vozes revolucionárias para coisas bem complexas. Como a gente está vendo aí: anti ciência, contra a democracia, teocratas que querem posição da religião na política. Coisas realmente terríveis que remetem a um resgate do século 16 e é por isso que a gente chama essas pessoas reacionárias. Então impedir o avanço desse tipo de comportamento extremista, conservador não tem problema, mas sim o ultraconservadorismo, é fundamental. 

E os jovens, eles são muito cooptáveis. O que isso significa? É fácil convencer. Então quando ele vê um vídeo na internet, muitas vezes curtos, dando respostas muito simples para problemas complexos, esse jovem se encanta. E aí você acaba tendo determinados expoentes políticos que se destacam e recebem muitos votos porque estão ali repetindo essas respostas simples: “como se resolve a criminalidade? Mata o bandido.”  E aí grita isso na cabeça de um jovem que não vai ler um livro de criminologia, obviamente, não vai estudar profundamente como funciona, ele vai entender (erroneamente): “É realmente. Se o bandido tá morto, ele não vai roubar de novo. Isso soluciona.” E ele começa a se encantar por esses discursos rasos, populistas e que não funcionam para absolutamente nada, e surgem esses expoentes políticos. 

Então, fazer com que o jovem tenha contato com conteúdo que seja leve, dinâmico e que traga informação precisa sobre política e sociedade é fundamental. Só que hoje, há muito pouco trabalho relacionado a isso. 

ON: E você? Então você é a favor do jovem, mais engajamento, jovens na política, claro. E você, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, aos 35 anos de idade, está na hora de se candidatar a um cargo político ou nada disso? 

FN: Sob nenhuma hipótese. Eu sinto que eu tenho muito mais a colaborar e contribuir do lado de fora da política do que dentro. Na verdade, eu estou dentro da política. O que eu não preciso é de um cargo eleito. Se eu tiver um cargo eleito, hoje, por exemplo, eu vou ter milhões de implicações e limitações, que eu não tenho não tendo um cargo eleito. Eu posso trabalhar como consultor, para determinados projetos, como trabalhei no PL 2630, o projeto da regulamentação da internet, durante três anos, eu venho envolvido como consultor. Então quando precisarem de mim, estou aqui. Estou disposto a falar o que eu penso, defender meus ideais, defender o que acredito.  Agora, se eu entro pra política, por exemplo, eu já não posso trabalhar como criador de conteúdo de entretenimento, que é a minha paixão, o que eu amo fazer. Então, eu sinto que eu sou um agente político, externo à vivência política tradicional e desta forma eu posso contribuir muito mais. 

ON: E você tem isso absolutamente claro na sua cabeça? Porque tem gente que diz, não sei, talvez no futuro... 

FN: Muito claro, eu não tenho absolutamente nenhum desejo. É óbvio, eu já não tive desejos na vida que depois se tornaram desejos. Embora esse eu acho que seja absolutamente remota a chance. Eu não quero deixar registrado em nenhum lugar que eu digo nunca. Eu não sei como vou estar quando eu tiver 60 anos, mas hoje sobre nenhuma hipótese. 

ON: Então vamos falar de política. Aproveitando essa sua colocação, um dos temas mais fortes no mundo e no Brasil também é o discurso de ódio. O que você pode contar para gente como produtor de conteúdo sobre esse “sem filtro” que as pessoas têm nas redes sociais. Isso piorou, isso sempre existiu?   

FN: Primeira coisa: É importante diferenciar “discurso de ódio” de “post com raiva”. São duas coisas bem distintas. Eu falo isso e a extrema direita fica revoltada. Quando a gente fala em coibir o discurso de ódio, ninguém está dizendo que você não pode ter estamos de ficar com raiva, indignação, cobrança, usar palavras contundentes nas suas críticas. Nada disso é o alvo quando a gente fala de discurso de ódio. O discurso de ódio é o uso sistemático de inferiorização de pessoas que já são marginalizadas. Então é o racismo. É lógico que tudo isso são crimes tipificados. Crime de racismo é crime de racismo. Não vamos chamar de discurso de ódio. É porque o discurso de ódio está envolvido com esses crimes tipificados. É a transfobia, é a homofobia, é o machismo, a misoginia. Existem zilhões de formas de você fazer esse discurso de ódio. Aí significa que o homem branco, hetero, não é capaz de ser alvo de discurso de ódio? Não. Não é isso que estou dizendo.  Só que o problema é que a extrema direita tenta cooptar o discurso de ódio para falar assim: “me xingou. Isso é discurso de ódio.” Ela usa, o tempo inteiro, a reação do oprimido, que às vezes, é uma reação de raiva, de frustração, cobrança, pra dizer que eles são os propagadores do discurso de ódio. 

Então quando você vê um político ser transfóbico, por exemplo, e a transfobia hoje, na Justiça brasileira, ela já foi igualada ao crime de racismo. Se você é transfóbico é o mesmo nível de um racista, você se revoltar contra a transfobia é como você se revoltar contra o racismo. E aí você se revolta contra isso, e eles dizem: “É você que está me censurando. É você que está tirando o meu direito de ser transfóbico. É inacreditável a gente viver um cenário desse. É inacreditável. A transfobia é igual ao racismo. Se você é transfóbico, se você é racista, você está no mesmo nível de pessoa. As pessoas têm que cobrar desse tipo de gente com toda contundência possível. Não existe debate ou diálogo com um racista. Não existe. Tem que ser coibido. Então a gente entender o que é o discurso de ódio parte do pressuposto de que a gente primeiro precisa defender as pessoas em situação vulnerável. 

Eu fui alvo de discurso de ódio amplamente. Como? Me acusando de crimes que eu não cometi, de maneira terrível e nojenta, mas não como pela minha cor da pele, pela minha sexualidade, por nada disso. Então, primeiro, a gente precisa proteger  as pessoas mais vulneráveis que são atacadas pelo que elas são. Depois, a gente precisa proteger pessoas que são expostas à situação de desinformação e ataques à reputação. 

Então essa pra mim, é a minha forma de enxergar o discurso de ódio, que, infelizmente, hoje, eu acho que a gente não está nem perto, de estar no caminho certo. 

ON: Felipe, e esta corrente de notícias, que a gente viu acontecendo, todos os dias, principalmente em épocas de campanhas políticas, uma enxurrada de notícias falsas, de desinformação deliberada. Você disse, em Paris, que começou a usar o mesmo estilo, de mostrar o noticiário e explicar o que acontecia, o quer mentira. Mas a impressão de que se tem, é que quase uma luta da qual não se pode escapar. O que cada um pode fazer, além claro de checar as notícias? Mas tem umas que são muito verossímeis... 

FN: Bom, a primeira coisa que a gente entender é o seguinte. Existem vários tipos de agentes, mas dois principais na desinformação. O que cria, deliberadamente, sabendo o que está fazendo ou seja: “estou criando essa notícia falsa porque estou numa guerra midiática. Eu preciso criar uma notícia falsa pra vencer essa guerra por que do outro lado está um inimigo muito poderoso que vai desvirtuar a família e matar criança.”  

ON: Ou que não é do “meu partido”, digamos assim, meu partido entre aspas... 

FN: Exato. Essas pessoas que criam essas notícias, elas têm plena convicção de que estão no caminho certo, de que estão lutando em nome de Deus, de que estão atendendo a questões espirituais muito mais importantes. Elas estão completamente perdidas. A partir daí, o que a gente tem é um mundo de pessoas que não são pessoas más. Não são pessoas vis. Não são pessoas que estão acordando, todo dia, pensando como eu vou destruir a reputação da outra pessoa por estar nessa guerra. Essas primeiras pessoas que eu descrevi são terríveis, precisam estar na cadeia. Essas segundas pessoas, não. Elas são o pai de família, a mãe de família, o tio do churrasco (risos), a gente chama sempre “tio do churrasco”, que recebem essas notícias e acreditam. Não é que ele está passando e achando que ele está desinformado. Ele acredita, ele tem certeza que aquilo é verdade, e sai passando adiante. 

Então diferenciar esses dois agentes é fundamental. E aí, você tem duas maneiras de agir diferente. O cara que está aqui na ponta fazendo a notícia, esse tem que ser investigado pela Polícia Federal. Esse tem que ter os acordos entre plataformas e sistema judiciário para conseguir ter quebra de sigilo, conseguir expor quem são essas pessoas: os agentes criadores das notícias de desinformação. 

A pessoa que está em casa compartilhando, essa pessoa não pode ser criminalizada. 

ON: É o usuário, né? 

FN: É o usuário. Então, quando o PL (2630) começou, existia ali uma tentativa de criminalizar essas pessoas. E eu fui uma das pessoas que mais levantou e gritou. Eu disse: gente, não. Vocês querem criminalizar o tio de vocês que está passando a notícia adiante simplesmente porque é uma vítima de um sistema onde não há educação. Então a gente tem que lutar para que essas pessoas sejam educadas a usar a internet. Eu sei que é utópico, é óbvio, mas a utopia existe porque a gente tem que ter um ideal de busca. A gente tem que buscar alguma coisa. Então levar educação digital para a vida dessas pessoas é o único caminho, a longo prazo, de solução: que é instruir, cada vez mais, campanhas de conscientização de que tudo que você recebe, na internet, você precisa checar cinco vezes. Tudo. Não importa se foi sua mãe que mandou, não importa se foi a pessoa em que você mais confia na Terra, não importa se você ouviu do influenciador que você confia. Tudo você tem que checar.  Criar essa cultura de checagem é fundamental para a gente conseguir fazer com que esses agentes da desinformação que criam as notícias se frustrem ao não vê-las sendo compartilhadas com muita intensidade. 

É muito difícil porque esses agentes criadores, eles estão cada vez melhores. Então, a gente conscientiza, a gente mostra pras pessoas. Elas entendem só que aí, cara, eles vêm com um vídeo, montado assim. O que eu tive que desmistificar... 

Você citou o vídeo que eu fiz para o Instagram. Ali, o que eu olhei? Eu observei e disse: eles fazem muitas visualizações com essas mentiras escabrosas, que são fáceis de provar que são mentiras. Então eu vou fazer o que eu faço de melhor na minha vida, que é me comunicar e fazer vídeo, e eu vou levar leveza para desmentir fake news. Ao invés de só ser aquela coisa um pouco tradicional: “isso é fake, ou checagem de fatos”, que é muito importante. A checagem é fundamental. Mas eu queria tentar fazer uma coisa jovem, fresh. Aí, eu pegava as notícias dessa galera, investigava, e aí foi a primeira vez que eu tive que fazer um trabalho jornalístico, na minha vida, de fato. Olha, e aí eu preciso tirar o chapéu para os jornalistas, vocês trabalham demais, meu Deus do céu! E aí, eu fazia um apanhado num vídeo provando que aquilo era uma mentira. Com links, com fontes, com informação, só que com piada, com humor, com leveza e tal. 

E não imaginava que o projeto ia pegar a quantidade de gente que pegou. Só no Segundo Turno (das eleições presidenciais no Brasil), aqueles 28 dias ali do segundo turno, eu fiz mais de 300 milhões de visualizações desses vídeos. Desmentindo fake news da extrema direita. E ali, eu pude perceber o quão trabalhoso é você mostra algo que é simples de provar que é mentira, o quanto de trabalho que isso dá para você transformar em palavras fáceis. É difícil. 

ON: Felipe, tem o papel das pessoas de checar a informação, mas tem também o papel das empresas, o papel dos governos na questão da regulação da internet e do conteúdo que circula na internet. Você está acompanhando, de perto, no Brasil esse processo de regulamentação da internet. Como está, na sua avaliação, caminhando esse processo. Essa é a única saída. 

FN: É a única saída. Não existe outra saída. E as próprias plataformas dizem disso. É uma ilusão, esse mundo neoliberal, bobo, de dizer que: é só você não criar lei nenhuma e regra nenhuma, que as empresas, o capital se regula. Ele se regula, sem dúvida nenhuma, esmagando a classe média pra baixo, deixando o máximo possível de pessoas numa situação precária para a concentração de renda ser a maior possível para os bilionários. Somente a força do coletivo é capaz de impedir a desigualdade. Não existe outra forma. Se você estudar todos os países que são os países com menor desigualdade social, você vai ver que são Dinamarca, Finlândia, Islândia, você vai enxergar um Estado forte agindo para evitar desigualdade, para diminuir a desigualdade, alicerçar a base da sociedade para ter condição de ter oportunidade. 

Você fala isso, as pessoas escutam comunismo. Acabei de falar Dinamarca, Islândia, Suíça, as pessoas escutam comunismo. Enfim. Por que eu digo isso? Porque é só através de regulamentação que você consegue ter harmonia. É justamente por isso, que as pessoas estudam isso a vida inteira. A TV é regulamentada, o jornal é regulamentado, rádio é regulamentado, por que a internet não pode ser regulamentada? Porque as pessoas criaram esse medo de que regulamentação é censura. Não é. 

ON: Porque já foi mais ou menos regulamentado pelas empresas de comunicação que têm os seus algoritmos que controlam. É isso? 

FN: Exatamente. Hoje em dia, a Justiça fica tentando aplicar para as empresas regulamentações da vida física. Então, a gente fica tentando adaptar, sabe? Então, discurso de ódio, como a gente combate? Com as tipificações criminais de: injúria, difamação, calúnia que não funcionam direito pro sistema digital. Então é uma série de problemáticas. Quando você começa a debater essa regulamentação, você começa a ter uma série de embates. Você vê gente saindo de bueiros assim desesperadas querendo gritar, todo tipo de coisa. Eu estou há três anos envolvido com o PL2630, junto com Orlando Silva, como consultor, dando meus pitacos, dando minhas ideias. E há três anos, eu ouço todo tipo de coisa escabrosa. É muito difícil. É um tema muito sensível. A gente precisa. É urgente porque a situação é caótica. E as empresas, as próprias plataformas ficaram três anos pedindo: regulamentem, regulamentem. E agora quando surge o PL (2630), elas estão gritando que tem que ser mais discutido. Três anos. E elas fingem que não teve debate. 

Então a situação terrível. Hoje, enquanto a gente grava, nesse exato momento, vai ao depois, mas para quem está assinto agora. Enquanto a gente está gravando isso aqui, a nossa Câmara (dos Deputados do Brasil) está votando o PL 2630 ou não votando porque eu acredito que não vai ser votado. Vamos descobrir. A situação é caótica e eu sinto que o Brasil deu alguns passos pra trás nessas últimas semanas.  

ON: E a gente lembra que é a Câmara de Deputados do Brasil à qual o Felipe se refere. A gente tem duas perguntas rápidas pra você.  

Eu vou começar com uma e depois passo para o Dia Mundial da Língua Portuguesa porque a gente está gravando na semana do Dia Mundial. Felipe, você fala de coisas que poucos falam. Uma delas é a questão da depressão. E você fala abertamente. Essa sinceridade, essa transparência, isso ajuda muitos dos seus seguidores. Mas se você chegar a um lugar onde poucos te conhecem, você citou o Oriente Médio. Vamos dizer que você chega lá. Como você se apresentaria? Por que as pessoas gostam de você? 

FN: (Risos). Que pergunta boa... Olha é difícil, viu? Eu sempre evitei a palavra youtuber. Mas fica impossível evitar, é difícil. Porque eu não crio conteúdo só pro YouTube, né? Mas eu me apresentaria como criador de conteúdo digital. Mas é difícil saber por que as pessoas gostam. Eu acho que eu tenho diferentes públicos porque eu tenho diferentes personas na internet. Quem me assiste só no YouTube não tem ideia das minhas pautas políticas. Às vezes, são jovens de 14, 15 anos me encontram na rua, às vezes, não fazem a mínima ideia, dizem: meu pai não gosta que eu te assista. Não sei por quê. Eu pergunto, ele gosta do Bolsonaro? E ele diz: “gosta”. É isso. E eu penso: Ah, ele não sabe. Não precisa saber. Não está na idade de saber. Então eu tenho públicos que é o público do YouTube, do Instagram, da Twitch. Às vezes, vem um senhor, sei lá 63 anos, ele vem dizer o quanto ele é meu fã, e eu falo: não é possível que este senhor está me assistindo minhas lives no YouTube. Mas aí, ele diz que o que eu falei no Twitter. E aí eu sei que é do Twitter, ou um molequinho que vem falar comigo, e eu sei que é do YouTube. Então, eu tenho diferentes públicos e por isso que minha audiência acaba sendo muito heterogênea. Diferentes idades, tipos de públicos, porque eu tenho diferentes personas, isso me agrada muito.  

E eu não forço isso. Não tento ser diferente. É porque no Twitter, eu falo de pautas sociais, no YouTube eu tenho o meu programa. Se você falar com Luciano Huck, ele vai ser a mesma pessoa no Domingão do Huck, ele vai ser a mesma pessoa que ele é num jantar ou no Twitter ou fazendo stories no Instagram. No Instagram, eu não ou cara que está no YouTube. Eu vou ser o cara que está gravando e criando uma diferença no público, na percepção das pessoas. É sempre o mesmo Felipe. São só diferentes formas de me expressar. Mas eu sempre a mesma pessoa no final. 

ON: E já que você falou em expressão. Vamos passar para a nossa língua. Dia 5 de maio é o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Você tem uma peculiaridade de ter crescido com duas variantes. Você cresceu no Brasil com a sua família que é de Portugal, você tem uma grande conexão com Portugal. Boa parte da sua família está lá. Como foi isso? 

FN: Eu estava conversando nesses bastidores que eu acho muito engraçado quando eu vejo um brasileiro tendo dificuldade para entender o português de Portugal.  Eu nunca ouvi o português de Portugal que eu não entendesse perfeitamente. Nunca. Às vezes, eles estão falando rápido e eu só escuto português rápido, mas eu entendo tudo porque eu fui criado com o português de Portugal 24 horas presente na minha vida. 

ON: Que foi a sua avó. 

FN: Minha avó que me criou junto com a minha mãe. Assim duas mães. Minha vó que faleceu agora esse ano. E a presença do português de Portugal na minha vida sempre foi o tempo inteiro. Não só por ela, eu tenho muita família em Portugal. Eu amo o som que faz assim. É lindo. E a gente recebe muitas mensagens falando assim que estão preocupados que o filho está falando “brasileiro”. E é lógico, óbvio, que a gente não quer que ninguém mude a sua forma de falar, né? Eu e meu irmão, né? Porque o Lucas, meu irmão, é um fenômeno infantil absurdo. Lucas é a Xuxa da era digital.  E aí a gente recebe muitas mensagens dos pais preocupados porque os filhos em Portugal, ou Moçambique ou outros países. Eu recebo muitas mensagens do pessoal de Cabo Verde falando: “Ai, meu filho está falando brasileiro”. Eu acho isso muito engraçado, vai, o termo “brasileiro”. Não eles falarem. Mas o termo brasileiro. (Não existe uma língua com esse nome). Mas é óbvio, a gente não quer que isso aconteça. O Lucas tem vídeo de conscientização sobre isso. Eu falo também. Mas ao mesmo tempo, eu não sei como impedir... (risos); como impedir? Eu estou falando do meu jeito, eu não tenho como mudar a minha forma de falar nem conseguiria. Mas, eu sinto que a esmagadora maioria não está preocupada, a esmagadora maioria abraça e fala: “Ah, não tem problema. Está engraçado e tudo mais. Mas eu acho que no final, o português de Portugal volta porque a criança vai lidar com ele no dia a dia.  

ON: E que mensagem você deixa para o Dia Mundial da Língua Portuguesa neste 5 de maio. Essa língua que vai das Américas à Ásia. A gente se comunica com ela em todo o mundo. 

FN: Olha. Eu devo tudo à língua portuguesa. Porque os números que foram alcançados pelo meu canal no YouTube, principalmente em português, são até difíceis de acreditar. Em 2020, eu fui o segundo Youtuber mais assistido do planeta. O número naquele ano foi, se eu não me engano, mais de 5 bilhões de visualizações, e ele é meio incompreensível. O primeiro lugar era falando em inglês foi o “PewDiePie” naquele ano. Do terceiro ao décimo lugar eram todos ou em espanhol ou em inglês. Não tinha nenhum em português na lista dos 50 ou 60. A gente tem uma língua que é linda, fantástica e maravilhosa que eu amo de paixão, mas que não é tão falada quanto o espanhol, o inglês e o mandarim ou outras línguas. Nós temos aí, em torno de 250 milhões? 

ON: Quase 300 milhões. São 285 milhões. 

FN: Que bom. Eu sempre quis tirar essa dúvida porque o Google tem diferentes informações. Agora eu tenho um número oficial pra mim: 285 milhões. O inglês tem mais de 1 bilhão. Nem sei qual é o número oficial. É absurdo, esse é o número que tem no Google. Mas quanta gente fala inglês, gente? Eu acho que é mais ainda. E o espanhol é uma quantidade enorme de pessoas. Se não me engano, aí por favor chequem, eu acho que são quase 800 milhões, por aí. O ponto de partida do português está muito abaixo dessas duas outras línguas. Mas o povo é uma coisa...não existe nada igual assim. Então, eles me proporcionaram números que são completamente fora da realidade. Durante esse ano de 2020, foi o ano da pandemia também é importante ressaltar que todas as audiências foram explosivas de entretenimento. Foi o ano em que as pessoas ficaram em casa. Eu tive, em média, 35 milhões de pessoas diferentes assistindo o meu canal por mês. Isso dá mais de 10% das pessoas que falam português no planeta. Estou falando de pessoas diferentes assistindo ao meu canal, por mês. Esses números para mim são absurdos. Eu devo tudo na minha vida a nossa língua. Tudo. Então eu sou um grande admirador e aprendi também. E acho importante a gente falar disso já que a gente está falando de língua porque eu era um cara com um extremo preconceito linguístico. O que é o preconceito linguístico. Eu precisei estudar muito pra entender esse conceito, né? É a pessoa que se coloca como superior por saber escrever, por saber falar... 

ON: Uma variante qualquer. No seu caso, a do Rio de Janeiro. 

FN: Exato. A do Rio de Janeiro. Exatamente. A gente se coloca numa posição de superioridade. E a gente é ensinado desde o berço, isso. A tratar mal e com deboche e inferiorização quem troca palavras, quem escreve o que a gente chamada errado. Trocar o mas por mais. Escrever com certeza junto e tudo mais. Quando você vai estudar e conversar com pessoas que estudam Letras, você descobre que isso é um profundo preconceito. A função da língua é se fazer entender. Ponto. Ela não é demonstrar superioridade. Então eu pego muito o com certeza como exemplo porque eu não duvido que daqui a 50, 60 anos, o com certeza seja junto. E todos nós que ficamos debochando, ridicularizando, inferiorizando essas pessoas, vamos ficar com cara de tacho. Assim como aconteceu quando farmácia era escrito com PH e quem escrevia com F era ridicularizado: “Você não sabe escrever. Você é burro.” E a gente faz isso agora. Exatamente igual.  

Então é importante a gente diminuir o preconceito linguístico. Óbvio, ensinar que existe a norma culta da língua, principalmente para testes, provas, para você demonstrar conhecimento da língua, para você também mostrar que você lê e que estuda. É importante, principalmente na norma acadêmica, como exigência. Mas, não ter preconceito e não agir com inferiorização e, principalmente, quando é uma pessoa que não teve acesso à educação que você teve. Não tem nada pior do que você ridicularizar uma pessoa que não teve acesso à educação como você teve e você diminuí-la porque ela escreve de uma maneira diferente da sua.”  

ON: E a língua vai evoluindo... 

FN: Exato. A língua é viva. Isso é lindo demais. A língua é viva. Ela muda. Pelé acabou de entrar no dicionário... 

ON: Pois é: “Único”. Pelé agora é único... E Felipe Neto também vai entrar no dicionário. (Risos)... 

FIM