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Verónica Macamo, ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique

“Mundo precisa ser solidário com os moçambicanos”, diz ministra após cheias 

ONU/Manuel Elias
Verónica Macamo, ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique

“Mundo precisa ser solidário com os moçambicanos”, diz ministra após cheias 

Ajuda humanitária

Chefe dos Negócios Estrangeiros de Moçambique fala de inundações que causaram mortos em Maputo e afetaram 40 mil pessoas; na conversa com a ONU News, Verónica Macamo, aborda combate ao terrorismo em reconstrução da província de Cabo Delgado, rica em recursos naturais. 

ONU News (ON): A conversa é com a ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique que está uma vez mais em Nova Iorque. Bem-vinda à ONU News. Acaba de sair do Conselho de Segurança. Maputo foi uma cidade citada pelo secretário-geral pela situação difícil que está a passar. São enchentes. Inundações por vastas áreas que foram faladas em debate sobre o aumento dos níveis das águas do mar. O que disse à comunidade internacional? 

Verónica Macamo (VM): Dissemos à comunidade internacional que o facto de Malta ter trazido esta questão para o debate aberto tem sido uma grande oportunidade para todos refletirmos sobre este fenômeno.  As mudanças climáticas estão a criar-nos problemas cada vez mais graves.  

 

As pessoas ficam numa situação de insegurança. Depois, acontecem problemas concretos como esses que temos em Maputo. Quando olhamos para a população da cidade, estamos a olhar para pessoas que, durante anos, fizeram grande esforço para elevar a qualidade de vida. Hoje, estão sem nada e dependentes. É uma situação muito sensível e delicada.  

Falamos das pessoas afetadas: são cerca de 40 mil. Falamos de nove óbitos, que infelizmente aconteceram, mas falamos também da destruição de infraestruturas. Esse assunto é sensível e tem que ser encarado pelo Conselho de Segurança como tal, ou seja, nós temos que passar, como Conselho de Segurança, da gestão de problemas que acontecem no âmbito de segurança para começar a prevenir. 

ON: Vamos falar do exemplo de Moçambique, que está a passar por uma situação sensível, e ocupará a presidência deste órgão, daqui a mais um pouco. Eu queria perguntar, para já, como um apelo internacional faria a diferença nesta situação. O que  é que o mundo precisa fazer por Moçambique? 

Precisamos ter condições para criarmos infraestruturas capazes de nos ajudar a lidar com o fenômeno. As infraestruturas custam dinheiro.

VM: O mundo precisa ser solidário com os moçambicanos. Afinal, é uma situação que não é provocada por Moçambique. Sabemos que os maiores poluidores não são os africanos, muito menos são os moçambicanos. Aquele fenômeno tem que ser encarado pela comunidade internacional. Temos que ter ajuda. A ajuda tem que começar por dentro. Felizmente, temos um povo muito solidário: cada um olha por si e pelos outros concidadãos. O mundo tem que encarar esse fenômeno e solidarizar-se com Moçambique. Por isso, até trazemos os números. Mais do que isso, temos que começar a ter recursos, como país, para as questões de mitigação. Para termos infraestruturas capazes de, efetivamente, segurar as águas. 

Precisamos de infraestrutura que vai ajudar. Nem tudo se resolve com as infraestruturas, mas estas podem ser um grande coadjuvante no âmbito de mitigação, mas também no âmbito de prevenção. 

ONU News: Ministra, os níveis das águas são similares aos vistos há 20 anos. Há  crianças que continuam a nascer por cima das árvores, tal como aconteceu há 20 anos com a bebé Rosita. Hoje ela é uma mulher. De uma forma sucinta, como é que as Nações Unidas precisavam intervir mais com Moçambique? Como é que esta relação de auxílio e parceria poderia fazer a diferença, neste momento, daqui para frente e em longo prazo? 

VM: Neste momento, estamos com situações muito sensíveis. Temos pessoas a precisar de apoio.  Precisamos de apoio para essas pessoas poderem  não só ter o mínimo de condições para continuarem a viver, mas também trazer alguma esperança para essas pessoas afetadas.   

Como eu disse: precisamos ter condições para criarmos infraestruturas capazes de nos ajudar a lidar com o fenômeno. As infraestruturas custam dinheiro. Então, as Nações Unidas e os nossos parceiros também podem nos ajudar a encontrar formas de avançarmos. 

Programa de reconstrução de Cabo Delgado está em marcha.
Unicef/Wikus De Wet
Programa de reconstrução de Cabo Delgado está em marcha.

 

Em termos de filosofia, nós temos investido nas medidas de prevenção. Portanto, não é só plantar mangais. Não é só mobilizar a população para construir em zonas mais altas, não é só construir diques. Mas é preciso um pouco mais.  

Esse pouco mais precisa do dinheiro da comunidade internacional. Tirando essas situações de precipitação, que são difíceis  de prever, quando são ciclones e outros fenómenos normalmente o governo tem estado a mobilizar a população para que esta possa sair das regiões ribeirinhas.  Há fenômenos como estes que aparecem de repente e, sobretudo, porque temos a precipitação.  Mas também temos a questão do caudal dos rios por causa dos problemas à montante.  

Os países estão lá. Eles têm feito um trabalho. É verdade que há um acordo de  gestão de águas, mas quando os países não estão em condições de suportar, às vezes, eles próprios não conseguem aguentar com as águas. Esse é um assunto que precisamos de trabalhar no Conselho de Segurança. Na nossa opinião, o Conselho de Segurança não pode ficar à espera de resolver os problemas de conflitos. Tem que começar a pensar nos conflitos antes.  

E quando estávamos a falar, por exemplo, da elevação do nível das águas nos mares do mundo, na prática, é um problema que está a aproximar-se. Esse problema precisa ser visto com muita atenção. Vai implicar que alguns Estados, sobretudo insulares, as zonas mais baixas vão ser invadidas. Coloca o problema de espaço territorial. É preciso que esse espaço territorial, que já foi demarcado, continue. Mas isso exige regras. 

Por outro lado, quando estamos a falar da zona exclusiva, por exemplo, na área marítima, é preciso que a delimitação dessa área exclusiva não fique afetada porque as águas passarem para o outro lado. Temos que encontrar regras. E essas regras têm que funcionar. 

ON: A Ministra encontrou-se com países lusófonos e com altos funcionários das Nações Unidas. Quer falar desses encontros até o seu retorno a Moçambique? 

VM: Falamos com a vice-secretária-geral, Amina Mohammed. Estivemos não só a falar da questão de equidade de género, mas do terrorismo em Moçambique e dos avanços que temos no país.  

De facto, explicamos à dignitária que tivemos momentos maus. Não podemos dizer que estamos sossegados, mas conseguimos como país, num esforço conjugado com os amigos da Sadc e do Ruanda, destruir as bases. 

Moçambique defende que Conselho de Segurança não pode ficar à espera de resolver os problemas de conflitos
ONU/Eskinder Debebe
Moçambique defende que Conselho de Segurança não pode ficar à espera de resolver os problemas de conflitos

 

Os terroristas estão numa situação de pequenos grupos que procuram pelas populações para praticar suas atividades malévolas, mas não estamos na situação em que nos encontrávamos há anos. A situação mudou.  

O que nós pensamos que deve continuar a existir é que devemos nos preparar como país. Temos muitos parceiros a apoiar. Esse apoio deve continuar. Temos que reforçar a preparação da nossa defesa. Mas também termos mais recursos para que os nossos soldados estejam cada vez mais capacitados, com condições e meios, para podermos efetivamente resolver aquele terrorismo. Porque o terrorismo não é só problema de Moçambique. Nós temos tido dirigentes pragmáticos. 

Se fosse um problema interno, o nosso presidente já teria sentado e encontrado o antídoto. Teria encontrado formas de ultrapassar. O terrorismo é internacional. Não é possível ter uma cara. Quando você pensa que é uma certa pessoa, já não é. É outra pessoa. Essas pessoas não aparecem. Não se identificam a dizer que lideram esse movimento. 

Nós precisamos, como sociedade de nações, como Nações Unidas, de unir esforços. A forma de unirmos forças é nos apoiarmos e ajudar aqueles países que estão na situação de combater o terrorismo com meios. Com condições para que nós possamos debelar este grande mal que mata, destrói, amputa em alguns casos. Tudo o que nos conduz ao retrocesso. Nós queremos avançar e criar o bem-estar. Não se pode criar o bem-estar com homens que pensam que a vida é nos fazer recuar. 

ON: Continuamos a ouvir falar de mortes, cinco anos depois de terem começado ataques terroristas em Cabo Delgado. Para onde se vai com a situação?  O que esta província precisa para retomar o ritmo de desenvolvimento? 

VM: Em Cabo Delgado, nós temos medidas combinadas. O que chamamos de medidas holísticas. Temos a vertente de combate, de ações armadas contra o terrorismo, e temos também as ações de mitigação. Porque temos populações que se deslocaram. Quando elas regressam têm que encontrar condições lá instaladas para poder pôr as suas vidas para frente. O terrorista, para além de matar, destruiu hospitais, escolas e quase tudo. É preciso criar essas condições.  

Nós temos um programa de reconstrução de Cabo Delgado que está em marcha.  Começamos pelas partes mais sensíveis. Estamos a falar de escolas, de água, que não se pode viver sem ela. Estamos a falar de energia e outras condições, para que as pessoas possam continuar. Mas também temos pessoas que ainda não estão nos sítios habituais de residência. Elas precisam ser assistidas para que suas vidas continuem.  

Nós precisamos, como sociedade de nações, como Nações Unidas, de unir esforços. A forma de unirmos forças é nos apoiarmos e ajudar aqueles países que estão na situação de combater o terrorismo com meios

A outra vertente é mesmo de desenvolvimento. Nós criarmos a Adin, a Agência de Desenvolvimento do Norte. Estamos a falar das províncias de Cabo Delgado, de Nampula e Niassa. As ações devem continuar. Cabo Delgado está no meio destas três províncias. 

É verdade que Cabo Delgado necessita de um esforço adicional, quando comparada às outras. Mas temos que olhar para aquela zona como a escolhida para que o desenvolvimento aconteça. O governo moçambicano não põe de lado as outras zonas, mas em cada momento temos que eleger.  

Neste momento, escolhemos a zona norte para que possamos avançar com atividades que possam criar postos de trabalho e condições para que nossos filhos possam trabalhar. Isso é importante para evitar que eles sejam radicalizados por não terem emprego e por causa de situações de pobreza. 

Moçambique pede mais recursos para as questões de mitigação de desastres do clima
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