Índice de Desenvolvimento Humano: O que levou à queda em países de língua portuguesa? BR

Em entrevista à ONU News, o autor principal do Relatório de Desenvolvimento Humano, Pedro Conceição, analisa os resultados do estudo, enfatizando questões como impacto da pandemia, da contração econômica e variação na expectativa de vida em países de língua portuguesa. O documento foi lançado nesta quinta-feira e calcula, o Índice de Desenvolvimento Humano, IDH, que mede a saúde, a educação e o padrão de vida de 191 nações.
Pedro Conceição (PC): É um grande prazer estar aqui, mais uma vez. Este é um relatório muito diferente da maior parte dos relatórios que saem das Nações Unidas, ou de outras organizações, porque não vai dizer às pessoas o que é que elas devem fazer. É um relatório que procura perceber aquilo que está a preocupar às pessoas. E aquilo que nós identificamos no relatório é que há uma grande inquietação nas vidas de muitas pessoas em todo o mundo. É uma inquietação que nós associamos a um novo contexto de incerteza. Por isso, este relatório tenta perceber por que é que as pessoas se sentem inquietas com as suas vidas e descrever este novo contexto de incerteza e perceber o que é que se pode fazer para lidar com este novo contexto.
PC: É primeiro perceber por que é que há polarização. Por que é que as pessoas estão a ser polarizadas? E isso, mais uma vez, leva-nos, de acordo com a análise do nosso relatório, a esta ideia de que as pessoas confrontam vidas em que há mais incerteza, ou incerteza de uma natureza diferente. Parte da diferença tem a ver com uma nova realidade do nosso planeta: as alterações climáticas, os rios que secam, as florestas que ardem e as barragens que estão sem água.
Uma forma de diminuir a polarização é tentar fazer com que as pessoas se sintam mais seguras e mais confiantes no futuro que aí vem.
Mas também há uma incerteza associada a esta transição para uma nova economia, em que nós utilizamos menos combustíveis fósseis. E, finalmente, uma incerteza associada a esta polarização. O que nós identificamos no relatório é: pessoas que se sentem inseguras tendem a ter menos confiança noutras e tendem a apoiar posições políticas nos extremos.
Portanto, de acordo com a nossa análise, esta incerteza na vida das pessoas é um dos fatores que está a levar à polarização. Por isso, uma forma de diminuir a polarização é tentar fazer com que as pessoas se sintam mais seguras e mais confiantes no futuro que aí vem.
PC: Precisamente. A mensagem do relatório é que a incerteza, de acordo com a nossa análise, na vida das pessoas, é um dos fatores que está a levar à polarização. Por isso, uma forma de diminuir a polarização é tentar fazer com as pessoas se sintam mais seguras e confiantes no futuro que aí vem. E essa incerteza que acabei de descrever traz associada a ela a incerteza na vida das pessoas. Mas a incerteza também nos abre novas perspectivas.
Quando nós confrontamos uma realidade nova conseguimos ter respostas muitas vezes sem precedentes. Vimos isso na resposta à Covid-19, em que conseguimos, com todas as desigualdades associadas à resposta, disponibilizar vacinas. Não uma, não duas, mas muitas vacinas, num período muito curto. Aumentamos a proteção social a muitas pessoas, mudamos os nossos comportamentos de forma radical. Portanto, há muita coisa que se pode fazer também num contexto de incerteza, desde que, mais uma vez, as pessoas se sintam seguras e mais confiantes no seu futuro.
PC: Uma forma de olhar para todos os problemas é olhar para eles um por um. Portanto, temos a inflação, temos mais conflito, temos desigualdades, temos alterações climáticas, temos a perda de diversidade, temos a Covid-19 e outras doenças. Mas aquilo que nós estamos a dizer no relatório é: vamos estar um passo atrás e tentar ter uma perspectiva mais abrangente sobre todos estes problemas e ligar a estes problemas com esta ideia de que temos um novo contexto de incerteza.
E, mais uma vez, é importante que as pessoas se sintam mais seguras. Como fazer isso? De acordo com as nossas propostas no relatório, é importante investir nas pessoas, na educação e na saúde. Investir também em seguros, na segurança social e em mecanismos que permitam que as pessoas consigam lidar com a volatilidade do mundo com que nos confrontamos. E inovação: inovação tecnológica, mas também inovação social, inovação nas políticas públicas e inovação institucional.
Se fizermos estas três coisas: investimento, conseguir que as pessoas se sintam mais seguras, ou investir mais em seguros, segurança social e inovação pode ser uma contribuição importante para que as pessoas se sintam mais seguras e mais confiantes no futuro de concessão.
PC: É importante falar da qualidade de vida das pessoas, mas também trazer os números para nos ajudar a perceber a realidade com que nós contamos ou confrontamos, porque o nosso relatório também é conhecido por produzir o Índice de Desenvolvimento Humano.
O Índice de Desenvolvimento Humano, desde que nós começamos em 1990 e até 2019, tem vindo sempre a aumentar. Em 2020 e em 2021, pela primeira vez, decaiu a nível global.
O Índice de Desenvolvimento Humano, desde que nós começamos em 1990 e até 2019, tem vindo sempre a aumentar. Em 2020 e em 2021, pela primeira vez, decaiu a nível global. Todos os anos há alguns países em que o desenvolvimento humano cai normalmente - um em cada 10. Nos últimos dois anos, no período 2020 – 2021, nove em cada 10 países viram uma queda do Índice de Desenvolvimento Humano. Por isso, isto é uma manifestação com números quantitativos, deste retrocesso e deste passo atrás no desenvolvimento, que se reflete também um passo atrás que temos estado no progresso para os outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
PC: Todos os países do mundo praticamente registaram uma queda no Índice de Desenvolvimento Humano. E os países de expressão portuguesa não são exceção. E há dois fatores que determinam este decréscimo em desenvolvimento humano: a redução da esperança média de vida associada à mortalidade ligada à Covid-19, acima de tudo. E as contrações econômicas associadas à resposta à Covid-19.
Mas o decréscimo na generalidade, dos países de expressão portuguesa, não foi tão elevado como noutros países. E teve incidências diferentes. Por exemplo no Brasil, em Cabo Verde e em Moçambique, o fator principal na queda do índice de desenvolvimento humano foi o decréscimo na esperança média de vida à nascença, que decresceu quase dois anos nestes países.
Em países como Angola, por exemplo, ou Portugal, o crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano deveu-se mais à contração econômica. Houve também um decréscimo na esperança média de vida, mas de menos de um ano. Comparado com a generalidade do que aconteceu em todos os países, foi uma queda não muito elevada. Por isso, eu diria que houve uma queda, como na generalidade dos países, não tão elevada. Como também na generalidade dos países, e coincidências do decréscimo da esperança média de vida ou do rendimento.