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Entrevista: Portugal e Igualdade de Gênero

Sobrevivente da violência doméstica.

É preciso não esquecer que ainda assistimos muito a padrões de educação em que para os rapazes o exercício da violência é normal e para as raparigas o normal é sujeitarem-se a essa violência.

Isabel Almeida Rodrigues , Secretária de Estado da Igualdade e Migrações de Portugal.

Foto: UNDP Moldova.
Sobrevivente da violência doméstica.

Entrevista: Portugal e Igualdade de Gênero

Direitos humanos

País apresentou seu relatório na semana passada junto à Comissão da ONU para a Eliminação da Discriminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, Cedaw. 

Após a reunião em Genebra, cidade-sede do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a secretária de Estado da Igualdade e Migrações de Portugal, Isabel Almeida Rodrigues, foi entrevistada pela ONU News. 

De Lisboa, ela contou à Leda Letra os detalhes de iniciativas de combate à violência doméstica e falou sobre o acolhimento de mulheres e de meninas da Ucrânia. 

ONU News: Vamos começar abordando a questão da violência doméstica, uma vez que os casos em Portugal aumentaram nos últimos dois anos, especialmente no início da pandemia. Na Cedaw, a senhora apresentou várias medidas adotadas pelo país para mitigar a situação. Poderia falar sobre essas medidas? 

Isabel Almeida Rodrigues: Aquilo que nós podemos concluir é que o número de denúncias das situações de violência doméstica tende a aumentar à medida que também melhora a rede de respostas de apoio às vítimas e os mecanismos de sinalização e encaminhamento. E Portugal, antecipando o agravamento das situações de violência doméstica perante o confinamento que foi decretado como forma de resposta à pandemia, lançou mão de um conjunto de medidas que visava precisamente que as vítimas continuassem a dispor, não obstante do contexto de confinamento, de mecanismos que facilitassem a sinalização.  

Portugal e o Combate à Violência Doméstica

Porque é muito difícil estar em casa confinado com o agressor e conseguir a vítima libertar-se do agressor, ainda que seja por uns segundos, para que pudesse fazer a denúncia da situação de que estava a ser vítima. Então, para além de reforçarmos a resposta de vagas na rede de alojamento que temos e que abrange, que consegue dar cobertura a todo o território nacional, incluindo as Regiões Autónomas, nós reforçamos muito todos os meios de divulgação de informação.  

Não o fizemos apenas usando os sites institucionais. Usamos também muito as redes sociais, a comunicação social, por exemplo, a televisão e a rádio, com campanhas de sensibilização quer para a comunidade em geral, para estar alerta para as situações e para as denunciar, quer para as próprias vítimas, a quem disponibilizamos também uma rede em que passou a ser possível, mediante um simples SMS, sinalizar a situação de que estava a ser vítima.  

E, portanto, estes esforços nós consideramos muito importantes para que, num contexto tão difícil, as vítimas mantivessem todo o sistema de apoio que o país tem montado e sentissem que, não obstante as circunstâncias, é um momento particularmente difícil. Continuávamos atentos a esta realidade e que continuaríamos a melhorar constantemente a resposta, de forma a podermos estar à altura das circunstâncias que não foram, de facto, circunstâncias fáceis para ninguém. 

Portugal também destacou a importância de se combater a violência doméstica e violência de gênero
UNDP-Ukraine/Anastasia Vlasova
Portugal também destacou a importância de se combater a violência doméstica e violência de gênero

ONU News: Secretária de Estado, esse sistema de SMS já tem tido resultados? 

Isabel Almeida Rodrigues: Sim. Foi um mecanismo que foi muito, muito utilizado. Nós em Portugal temos um conjunto de outras medidas também, como por exemplo, os sistemas de alarme. As vítimas, designadamente quando já houve lugar a uma denúncia e em que, por parte do Ministério Público foi proferida acusação, o tribunal pode, quando entenda que isso é importante para a vítima, a par de um conjunto de outras medidas de coação, como, por exemplo, o afastamento do agressor, a proibição de se aproximar a menos de uma distância pré-fixada da vítima, temos também um sistema de alarme que permite à vítima acioná-lo em qualquer situação em que se sinta ameaçada.  

Obviamente que, apesar de todos estes nossos esforços e que estão em causa também representações sociais, a forma como ainda por muitas vezes as mulheres são vistas, a forma como os homens são educados… é preciso não esquecer que ainda assistimos muito a padrões de educação em que para os rapazes o exercício da violência é normal e para as raparigas o normal é sujeitarem-se a essa violência.  

Portanto, não obstante todos os esforços que nós temos feito, o problema persiste não apenas em Portugal, persiste em todo o mundo. E a mensagem que eu gostaria também de passar é que este é um combate que está longe de ser vencido.  

Ainda esta semana foi publicado uma notícia de que dava nota de 41 queixas por dia em Portugal de violência doméstica. É um número que, numa determinada perspetiva, é aterrador, porque significa que ainda temos muitas situações de violência que não conseguimos ainda evitar. Mas, por outro lado, este número significa que a sociedade está cada vez mais desperta para a existência deste problema e que as mulheres também se sentem cada vez mais encorajadas a denunciar.  

Recentemente, foi também aprovada legislação a nível da Assembleia da República que pretende, por exemplo, reforçar o apoio económico às vítimas de violência doméstica que precisem de se deslocar para outra localidade e procurar emprego noutra localidade para se afastarem do agressor. Portanto, este é um trabalho contínuo e esperamos que o país possa, ao longo dos próximos anos, continuar a adotar medidas que permitam acelerar também os resultados que nós gostaríamos que fosse possível de acontecer.  

ONU News: Durante o encontro da Cedaw, a senhora mencionou também a questão das refugiadas, principalmente da Ucrânia. Nós sabemos que Portugal tem tido as portas abertas aos refugiados ucranianos desde o início da invasão russa. Eu gostaria de saber qual é o tipo de acompanhamento e de apoio que essas mulheres e que essas meninas recebem após entrarem no país?   

Isabel Almeida Rodrigues: De facto, é uma situação muito difícil para o povo da Ucrânia e verificamos a situação de que entre os mais de 42 mil deslocados da Ucrânia que Portugal já recebeu, a grande maioria é mulheres e crianças, uma vez que, por força da lei marcial, os homens não podem sair do país, exceto em determinadas situações, nomeadamente em virtude de idade mais avançada.  

Natasha e a filha são de Kharkiv e chegaram em Portugal no dia 14 de março.
Foto: ONU News/Leda Letra.
Natasha e a filha são de Kharkiv e chegaram em Portugal no dia 14 de março.

Quando um deslocado chega a Portugal, provavelmente ele já terá em vigor o seu estatuto de Proteção Temporária, porque nós implementamos uma plataforma que permite, ainda antes da entrada em Portugal, a instrução do pedido de proteção temporária ao abrigo da legislação da União Europeia.  

Nós temos também, mediante uma plataforma, a possibilidade de atribuir imediatamente o número de utente de saúde para assegurar o acesso 100% gratuito aos serviços de saúde. Um cartão da Segurança Social que permite usufruir de um conjunto de apoios sociais e também o número de identificação fiscal. 

Quando recebemos estes deslocados, a situação é avaliada e providenciado alojamento. E nós temos procurado assegurar a todos os que procuram esse alojamento as condições de subsistência, por exemplo, mediante a atribuição da prestação do Rendimento Social de Inserção.  

Portugal adotou legislação para permitir ampliar, de imediato, o número de vagas em creches e em jardins de infância para que estas mulheres possam ter quem olhe pelos seus filhos, para que possam, por um lado, beneficiar dos programas de aprendizagem da língua portuguesa para pessoas deslocadas, o português, língua de acolhimento, cursos que são fornecidos seja presencialmente, seja por videoconferência.  

Julgo interessante dizermos que das cerca de 15 mil crianças deslocadas da Ucrânia que recebemos, mais de 4,5 mil já estão a frequentar as nossas escolas. Muitas das crianças que ainda não frequentam não o fazem porque a opção das mães dos pais, conforme o caso de quem acompanha, foi para que continuassem a assistir às suas aulas na Ucrânia através de videoconferência.  

Tenho a certeza que todos os portugueses se sentem felizes e realizados, sabendo que estamos a partilhar com aqueles que nos procuram os recursos de que dispomos.