“Qualquer um pode se sentir inseguro independentemente do contexto em que vive”

Em entrevista à ONU News, o diretor do Gabinete do Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud, Pedro Conceição, analisa o resultado de uma pesquisa sobre segurança humana que mostrou que seis em cada sete pessoas no mundo se sentem inseguras em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Leia a íntegra da conversa com Eleutério Guevane.
Pedro Conceição: Desde logo, eu diria que foi uma surpresa este resultado que acabou de referir. Nós, de facto, identificamos que de cada sete pessoas no mundo, seis sentem-se de alguma forma inseguras com alguns aspectos da sua vida. E isto é, vamos a refletir sobre um conceito, que foi introduzido pelo Relatório de Desenvolvimento Humanos, há uns anos, o conceito de segurança humana. A ideia de segurança humana é complementar à visão tradicional de segurança que se baseia na segurança de um território contrapondo uma ideia em que a segurança está baseada naquilo que as pessoas sentem. Sentem confiantes na economia, sentem-se confiantes na possibilidade de sair à rua sem perigo. Portanto, o que estes dados nos dizem é que muita gente se sente, de fato, insegura. E foi um dado que nos surpreendeu e que depois nos levou a tentar oferecer algumas razões no relatório.
PC: O que nós achamos é que há um contexto em que estamos a viver todos nós em que ter saúde, ter educação, ter até padrões de vida relativamente confortáveis não garantem que as pessoas se sintam seguras. Na verdade, o relatório identifica que nalguns dos países em que o nível de desenvolvimento é mais alto, o sentimento de segurança cresceu mais. Portanto há algo aqui no contexto que leva as pessoas a não se sentirem seguras. E aquilo que nós achamos é que é um contexto que está ligado as alterações climáticas, à Covid-19 que está relacionado a processos de alterações a nível global que estão relacionados a novos perigos. Portanto, o mundo está mais perigoso e as pessoas não veem, necessariamente, de que forma é que podem ir de encontro às oportunidades, muitas das oportunidades que poderiam vir a ser oferecida à medida que entramos mais no século 21.
PC: Estes dados sobre seis em cada sete pessoas se sentindo inseguras vieram ainda antes da Covid-19. E a Covid-19 o que veio fazer foi acentuar ainda mais esse sentimento de insegurança levando a que houvesse também algumas desigualdades que começaram a ser ainda maiores do que eram anteriormente. Por exemplo, desigualdades de gênero que aumentaram em muitos países associadas à pandemia. É importante porque aquilo que o relatório mostra é que não é suficiente considerar que ter padrões de vida mais elevados garante, necessariamente, que as pessoas se sintam seguras. É preciso perceber o que está na raiz desde sentimento de insegurança. E, mais uma vez aquilo que nós achamos é que é um contexto novo, que muitas vezes é designado como o antropozoico, que é uma nova era geológica, em que os seres humanos estão a transformar o planeta, que está a manifestar em alterações climáticas, doenças como a Covid-19, que ainda não sabemos, exatamente como apareceu, mas sabemos que tem havido mais doenças que estão relacionadas com a pressão que nós estamos a fazer na natureza, que saltam de animais para humanos. Portanto, há um contexto aqui de alterações, de processos globais, que criam este sentimento de inseguranças nas pessoas.
PC: Eu acho que, no fundo, tem uma mensagem de otimismo e esperança. Há pouco referiu o fato de que à medida que começa a vislumbrar uma saída da pandemia, começa a haver um sentido de esperança. E há duas coisas que o relatório salienta. Se olharmos para as medidas tradicionais de promover a segurança humana, este conceito de segurança humana, aquilo que tem vindo a ser salientado, é proteger as pessoas individualmente. Protegê-las e dá-las a capacidade de atuar. Aquilo que nós achamos é que, dado este contexto de mudanças globais, o importante é manter o sentido de solidariedade global. Para perceber que ameaças como as alterações climáticas são um desafio para todos, para toda a humanidade. E isto vai ao encontro com o relatório do secretário-geral da Nossa Agenda Comum. Esta é a primeira ideia, de que é importante perceber o desafio de segurança num contexto em que se está ciente da importância da solidariedade de toda a humanidade. A segunda ideia-chave é olhar para as pessoas, não como pacientes que recebem ajuda de forma passiva, mas com capacidade de mudarem suas escolhas. Fazerem as coisas diferentes, individualmente e coletivamente, para fazer face aos seus desafios. Estas são as duas ideias-chaves que o relatório sugere como opções para o futuro.
PC: Todos os países lusófonos são muito diferentes entre si entre si. Em cada país há que haver uma reflexão sobre os dados globais. O nosso relatório é global sobre a forma como se reflete a realidade nas diferentes sociedades. Mas eu diria que nessa diversidade está também expressa esta ideia de que é importante que haja solidariedade global, mas seria bom que também houvesse alguma solidariedade entre os países lusófonos como contribuição, como caminho, para se chegar a essa solidariedade global para se conseguir resolver os problemas com que nos confrontamos.
PC: Talvez só se lembrar mais uma vez esta noção de segurança humana. Mais uma vez foi um conceito introduzido, há já alguns anos, mas o nosso relatório vem mostrar que é talvez mais relevante agora do que foi no passado. E relembrar que não basta, é importante obviamente melhorar os padrões de vida e investir na educação e saúde, quero dizer em aspectos sociais, mas isso só não pode bastar para que as pessoas se sintam com segurança e com confiança para no futuro.