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Especialista da ONU faz avisos sobre ciclones em Moçambique

Filipe Lúcio disse que compromisso entre autoridades deve apoiar as instituições dedicadas à observação e previsão

Esperamos que não tenhamos no futuro próximo um ciclone de categoria 5

Filipe Lúcio , diretor do escritório sobre o quadro Global para os Serviços Climáticos da OMM

ONU/Rick Bajornas
Filipe Lúcio disse que compromisso entre autoridades deve apoiar as instituições dedicadas à observação e previsão

Especialista da ONU faz avisos sobre ciclones em Moçambique

Clima e Meio Ambiente

A Organização Meteorológica Mundial, OMM, acredita que o ciclone Kenneth, que esta quinta-feira deve atingir províncias do norte de Moçambique, é “motivo de preocupação”; a partir de Genebra, o diretor do escritório sobre o quadro Global para os Serviços Climáticos da OMM, Filipe Lúcio, afirmou que a agência está a acompanhar a evolução do ciclone. 

Filipe Lúcio é diretor do escritório sobre o quadro Global para os Serviços Climáticos da Organização Meteorológica Mundial, OMM.

Vai para Moçambique com uma equipe de especialistas depois do ciclone Idai. Moçambique que também é afetado por uma tempestade, que muitos receiam possam ter efeitos similiares.

Imagem de satélite da Nasa do ciclone Kenneth a 23 de abril

Neste momento, como é que a ONU está a acompanhar a evolução desta tempestade?

Estamos a acompanhar este fenômeno, que já é um ciclone tropical, chamado Kenneth, com muita atenção porque evoluiu de uma tempestade tropical severa para ciclone tropical, categoria com a qual vai eventualmente afetar a província de Cabo Delgado. Isto é motivo de preocupação e esperamos que, ao nível local, estejam a ser tomadas medidas para evitar os impactos que sejam negativos ou catastróficos.

Importa salientar que o cyclone Kenneth não se compara ao ciclone Idai, porém, vai trazer ventos fortes. Os ventos são cerca de 130 quilômetros por hora, podendo chegar a 185 quilômetros, mais rajadas. Espera-se que, quando se abater sobre a costa da província de Cabo Delgado, gere ondas entre dois a quatro metros de altura.

Portanto, é preciso que se tomem as precauções necessárias, os cuidados necessários para evitar que haja, não só perdas materiais, mas também perdas humanas.

De que cuidados é que estamos a falar?

Por um lado, é preciso que as pessoas sejam sensibilizadas a não estar na costa, no mar. Por exemplo, os pescadores e outros têm de sair do mar. E, por outro lado, as pessoas e comunidades com casas precárias tem de tomar precaução e, na medida do possível, procurar abrigos, porque um ciclone tropical desta magnitude vai causar estragos principalmente em construções precárias, com tetos não muito sólidos, e também causar impactos na vegetação, árvores e outros, que podem tombar sobre objetos como viaturas e outros.

Portanto, é preciso que as pessoas tenham precauções, não deixem bens importantes debaixo de árvores e se sentem, por exemplo, que as suas habitações não são sólidas, procurar refúgio em outros lugares.

Um ciclone tropical desta magnitude vai causar estragos

Esta é uma situação que se repete no mesmo país. O Idai foi na região centro, o Kenneth é no Norte, depois tem a Tanzânia, um pouco mais acima. São situações que serão recorrentes, segundo a OMM. Sei que alguns especialistas vão já para Moçambique. O que é que se pretende? o que é que se pode esperar do trabalho dos especialistas da ONU lá?

Antes de responder a esta pergunta, salientar o facto de a região onde este ciclone se ter gerado é uma região onde eventos desta natureza não são muito frequentes. Uma zona a norte de Madagascar onde, em termos da história recentes, os casos mais recentes foram em 1983 e 1996. Não há uma grande ocorrência deste tipo de fenômenos no norte de Moçambique. Tem a ver com o aquecimento das águas do mar, que são a base para a criação de um ciclone.

Nós vamos a Moçambique depois do ciclone Idai com o objetivo fundamental de analisar as capacidades do Instituto Nacional de Meterologia. A Direção Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos, avisos prévios, que contenham uma análise de risco e potencial de impacto.

E depois também ver como é que essas instituições se relacionam com o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, que é a entidade responsável por emitir os avisos, as ordens de evacuação e outras medidas. Portanto, o objetivo aqui é fazer uma avaliação que nos permita determinar, por um lado, quais são as capacidades atuais. Mas, por outro lado, fazer uma análise que nos permita identificar as ações que devem ser tomadas pelo Governo de Moçambique para garantir que, no futuro, o país tenha a capacidade para puder entre aspas aguentar com este tipo de fenómenos. 

Imagem do ciclone Kenneth no canal de Moçambique a 24 de abril
Imagem do ciclone Kenneth no canal de Moçambique a 24 de abril, by Nasa Worldview, Sistema de Observação e Dados da Terra, Eosdis

O que vai acontecer é que à medida que se observa um aquecimento global, o Canal de Moçambique há de ser uma região onde as águas superficiais do oceano vão aumentar a temperatura de forma relativamente rápida. A quantidade de energia que é necessária para aquecer o Canal de Moçambique será diferente da quantidade de energia diferente para aquecer as águas de um oceano aberto.

À medida que caminhamos para o futuro é preciso equacionar a possibilidade de ocorrência cada vez maior de ciclones tropicais no Canal de Moçambique. é preciso que o país determine os níveis de risco que possam ser considerados aceitáveis. A partir disso, determinar as infraestruturas que devem ser, digamos, concebidas para aguentar com determinados tipos de riscos.

O nosso objetivo é produzir um documento que possa aconselhar o governo em temos do que é que pode ter que fazer para lidar com este tipo de eventos. Este documento poderá, provavelmente, ser muito útil para a conferência de reconstrução que está prevista para o final do mês de maio provavelmente na cidade da Beira.

Em menos de dois meses, dois ciclones no mesmo país. Em relação a Moçambique e aos moçambicanos o que é que caberá fazer em relação a este alerta de que estas situações se vão repetir?

Historicamente, Moçambique ou o Canal de Moçambique é afetado por, no mínimo, duas depressões tropicais, que podem vir a transformar-se a ciclones tropicais. Podendo chegar até três ou quatro  por ano. Portanto, em termos de atividade ciclônica, dois eventos são algo que se pode considerar que pode ocorrer. Mas em face disso, o que é importante é o facto de termos tido um evento como o Idai com intensidades que não tinham sido antes observadas. Uma grande preocupação é o facto de começarmos a ter ciclones tropicais de grande intensidade. Um ciclone de categoria 4 é algo por si devastador. Moçambique não tinha uma história de ter vivido ciclones desta categoria. Vamos ter, obviamente, ciclones de categoria 4. Esperemos que não tenhamos num futuro próximo um ciclone de categoria 5, que seria muito mais devastador que o ciclone Idai.

É preciso que a partir de hoje, no processo de reconstrução, o país tome medidas para uma melhor gestão de riscos

Por causa disso, é preciso que a partir de hoje, no processo de reconstrução, e à medida que o país toma medidas para uma melhor gestão de riscos, de eventos catastróficos, puder ter uma capacidade para lidar com uma situação como esta e este tipo de fenômenos.

Em termos de população de moçambicanos, é preciso tomar consciência do risco que estes fenómenos representam. É preciso que as pessoas tenham um conhecimento prévio. Antes de eventos desta natureza, que saibam sobre passos concretos, cada um como cidadão deve tomar e que passos se devem tomar de forma coletiva ou ao nível institucional.

Algo mais a dizer sobre esta missão em Moçambique?

Antes de terminar, eu gostava de indicar que a missão que coordeno e os peritos que levo a Moçambique são uma equipe de oito. Temos peritos da Organização Meteorológica Mundial, mas também temos peritos que veem, por exemplo, do centro meteorológico especializado baseado na Ilha de Reunião.  É o centro que fornece as previsões sobre as direções e intensidades dos ciclones tropicais.

Mãe dá de beber ao filho na Escola Samora Machel, em Búzi, que acolhe deslocados do ciclone Idai
Mãe dá de beber ao filho na Escola Samora Machel, em Búzi, que acolhe deslocados do ciclone Idai, by Unicef/Prinsloo

O centro que produz a informação que Moçambique utiliza para comunicar e gerar avisos sobre os ciclones tropicais estará representado nesta missão. Teremos também representantes da UK Met Office, da Inglaterra, que têm estado de algum tempo para cá a trabalhar com Moçambique no sentido de reforçar as capacidades do Instituto Nacional de Meteorologia, por exemplo e a coordenação com a Direção Nacional dos Recursos Hídricos e o Instituto Nacional de gestão de Calamidades. Temos dois consultores no domínio de Meteorologia que vão trabalhar de forma direta com a Direção Nacional de Gestão de Recursos Humanos nos aspetos ligados à gestão de cheias e a gestão integrada de cheias.

Portanto, é uma equipa multidisciplinar que envolve peritos em diferentes domínios que vão analisar toda uma série de elementos desde as previsões até às questões relacionadas com a Comunicação e Informação e o tipo de informações que são tomadas depois da informação ser comunicada. Portanto, aqui, no caso do ciclone Idai, e no caso do ciclone Kenneth, é preciso notar que são fenómenos que podem ser diferentes tipos de consequências. Temos a questão dos Ventos, mas depois temos a questão das ondas ao nível dos oceanos e da costa. E podemos ter questões relacionadas com cheias.

Espero que um evento desta natureza seja visto de forma multifacetada e multidisciplinar para que não se tome de forma encetada o que pode eventualmente ocorrer.