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Coordenadora humanitária explica o apelo de US$ 202 milhões para a Líbia

A portuguesa Maria Ribeiro está à frente da resposta humanitária das Nações Unidas na Líbia

Metade da população alvo do plano humanitário são líbios e são pessoas deslocadas, mas também as pessoas nas comunidades mais estáveis

Maria Ribeiro , coordenadora humanitária das Nações Unidas na Líbia

ONU
A portuguesa Maria Ribeiro está à frente da resposta humanitária das Nações Unidas na Líbia

Coordenadora humanitária explica o apelo de US$ 202 milhões para a Líbia

Ajuda humanitária

A coordenadora humanitária das Nações Unidas na Líbia, a portuguesa Maria Ribeiro, explica como está a situação no país.  A representante está na liderança de um apelo de US$ 202 milhões para ajudar mais de 500 mil líbios.

A Maria Ribeiro está no país desde 2017. Como é que a situação tem progredido e quais são as maiores necessidades neste momento?

Muito obrigado, primeiro, por esta oportunidade de falar sobre a situação na Líbia. Na semana passada, lançamos o Apelo Humanitário para a Líbia. Foi o segundo Apelo Humanitário que lancei como coordenadora humanitária. E a mensagem  que nos demos, ou que estamos a dar, é que o impacto da crise política e de segurança tem tido um impacto muito grande sobre a situação econômica das populações, sobre a qualidade e a capacidade do Estado oferecer serviços de base como saúde, educação e todos esses aspetos.

Maria Ribeiro, coordenadora humanitária da ONU na Líbia
Maria Ribeiro, coordenadora humanitária da ONU na Líbia, by ONU News

Claro que a insegurança, que não é uma insegurança continua em todos os locais na Líbia, mas é uma insegurança que surge em locais diferentes, também tem tido o seu impacto sobre as populações, tem dado lugar a deslocação de população, mas também criado certos problemas de proteção e da necessidade de proteção. Por isso é que nós também demos a mensagem que a Líbia, antes da crise política e de segurança, a Líbia era doadora. Era um país doador. É um país com muitos recursos, com um potencial enorme de poder responder às necessidades da sua população. Mas para isso é preciso existir mais progressos.

Antes da crise política e de segurança, a Líbia era doadora. Era um país doador. É um país com muitos recursos, com um potencial enorme

Já tem existido alguns progressos sobre o plano político, que é liderado pelo representante especial das Nações Unidas para a Líbia, Ghassan Salamé, mas é preciso ter um progresso continuo também sobre a reforma econômica. Tem havido alguns passos, mas não suficientes para poder ter um impacto e poder utilizar a riqueza da Líbia em benefício da sua população. Por isso, vou dizer que tem havido alguns progressos e tem havido outras áreas em que não tem havido tantos progressos.

Agora, uma diferença muito grande é que há dois anos as Nações Unidas ainda estavam baseadas na Tunísia. E estávamos a trabalhar na Líbia a partir da Tunísia. Mas, desde o ano passado, estamos na Líbia. Estamos presentes e, por isso também, a nossa capacidade de entender e de agir e de apoiar os processos humanitários e de reconstrução na Líbia são melhores.

Maria Ribeiro já trabalhou em muitos países, incluindo a Guiné Bissau e Angola.
Mostafa Omar / Unicef
Maria Ribeiro já trabalhou em muitos países, incluindo a Guiné Bissau e Angola.

 

O plano que foi lançado na semana passada inclui alguns montantes para ajudar migrantes, refugiados, deslocados internos. Porque é que esta situação é preocupante?

Metade da população alvo do plano humanitário são líbios e são pessoas deslocadas, mas também as pessoas nas comunidades mais estáveis e, como eu disse, é o impacto da crise no bem-estar das populações. Também a Líbia tem atravessado uma crise de presença e de trânsito de migrantes.

Muitos que estão a ir em direção à Europa, mas, de fato, a Líbia sempre foi um país que recebeu migrantes. Muitos dos migrantes, talvez mesmo aqueles que conseguem atravessar o mediterrâneo, vão dar informação que eles, de fato, estavam a procurar chegar à Líbia, mas quando chegaram à Líbia viram também que há um problema econômico muito grande e que a Líbia não está na situação que estava há cinco ou seis anos atrás. Essa situação tem criado um impacto muito grande, porque o impacto da crise tem sido que tudo o que é segurança, tudo o que é sistemas normais de justiça e tudo isso estão muito mais fragilizados.

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Aulas em Angola. , by Foto Acnur/ Otomola Akindipe

E também a situação do país tem permitido mais traficantes e mais liberdade para a ação dos traficantes. Por isso, os migrantes que se encontram na Líbia muitas vezes se se encontram em situação ilegal ou são considerados como ilegais porque entraram ilegalmente. E são tratados, de uma maneira ou outra, com muitos problemas de proteção e tem havido muitos casos de exploração e de abuso nessas pessoas. Claro, também, que alguém está a fazer muito dinheiro com essa questão e por isso é importante lutar contra a corrupção e contra a impunidade dos traficantes.

A ONU está a pedir cerca de 200 milhões de dólares. Se esta ajuda não chegar, quem é que sofre mais?

Muita gente diz 200 milhões de dólares para um apelo humanitário é pequeno, não é muito. E quando se compara com a Síria ou outros países em que há crises muito maiores realmente é pequeno. E também se fala muito que a Líbia tem os seus próprios recursos. Então, porque é preciso fazer um apelo humanitário. Nós achamos que este apelo humanitário permite responder às situações mais agudas e mais difíceis das populações mais vulneráveis. Essas populações tem poucos recursos e por isso era importante que nós pudéssemos dar essa ajuda e esse apoio a essa população.

A Maria Ribeiro é uma humanitária muito experiente, já trabalhou em muitos países, incluindo a Guiné Bissau e Angola. Como é que vê a progressão nestes países lusófonos?

A Guiné-Bissau e Angola, escolheu dois países completamente diferentes um do outro.

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Menina da segunda classe em Ponta Nova, na Guiné-Bissau, by Unicef/Pirozzi

Angola é um país, como a Líbia, que tem um potencial enorme, riquezas enormes, não só de petróleo, mas mesmo da agricultura e isso tudo. A última vez que trabalhei em Angola foi de 2010 a 2014. Desde 2014, temos também alterações e mudanças muito grandes ao nível político em Angola. Também trabalhei lá durante a guerra e Angola, para mim, é um país que pelo menos conseguiu fazer uma progressão importante na paz, mas claro que o impacto de 40 anos de guerra não se vão resolver de um dia para o outro e esperamos que Angola possa retomar o seu caminho e esteja a retomar o seu caminho de progredir em relação à democracia e também a participação dos cidadãos na vida do país e, sobretudo, na vida econômica do país.

 A Guiné-Bissau nós sabemos que é um país que tem tido um histórico muito difícil. Não com o tipo de guerra que em Angola aconteceu, mas uma instabilidade política continua durante muito tempo. Mas também acho que uma das coisas interessantes da Guiné-Bissau é os recursos enormes que o país tem, em termos de natureza, mas sobretudo os recursos humanos e a vontade do povo de conseguir avançar. Acho que é importante por o contexto.

Não se pode comparar os dois países, mas claro que é importante ver a potencialidade desses países e, por isso, é que é importante os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODSs. Nós fizemos um plano para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na Guiné-Bissau, com o Governo da Guiné-Bissau na altura, e realmente vê-se que a Guiné-Bissau tem um potencial enorme e esperamos que possa avançar.

 

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