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Análise da especialista Helena Afonso sobre situação econômica mundial em 2019

Especialista em assuntos económicos do Desa, Helena Afonso.

O efeito das tensões comerciais entre Estados Unidos e China, caso afetem o crescimento na China de uma forma maior do que esperamos, podem afetar os países produtores de petróleo

ONU News
Especialista em assuntos económicos do Desa, Helena Afonso.

Análise da especialista Helena Afonso sobre situação econômica mundial em 2019

Desenvolvimento econômico

A economia mundial atingiu um pico, mas deve continuar a crescer cerca de 3% nos próximos dois anos. A conclusão é do relatório Situação Económica Mundial e Perspectivas, apresentado esta segunda-feira em Nova Iorque. A especialista em assuntos econômicos Helena Afonso, do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais da ONU, Desa, foi uma das autoras da pesquisa.

ONU News (ON): Quais são as principais conclusões deste relatório?

Helena Afonso (HA): A primeira seria que, à primeira vista, os números principais da economia global parecem relativamente robustos. Mas, na verdade, os riscos aumentaram bastante e também existem vulnerabilidades e deficiências na qualidade do crescimento. Essas deficiências põem em perigo, a longo prazo, a sustentabilidade do crescimento e acontecem a nível da dimensão financeira, social e ambiental.

 

ON: Pode falar um pouco sobre quais são esses riscos e quais são principais tendências?

HA: Por um lado, observamos que as economias mais desenvolvidas estão perto do potencial.  Prevemos que a economia global cresça cerca de 3% este ano e 3% no ano que vem, sendo que cresceu 3,1% no ano passado, segundo as nossas estimativas. Portanto, existe uma aparência de robustez e estabilidade. No entanto, há algumas observações que devem ser feitas, também, como, por exemplo, o crescimento global é capaz de ter atingido um pico. Nós acreditamos que esse seja o caso porque econômicas, por exemplo, como os Estados Unidos e a China irão desacelerar este ano e no ano que vem. Mesmo a União Europeia apresenta riscos, sobretudo, negativos. Ou seja, o crescimento poderá ser mais baixo do que aquele que prevemos. Por outro lado, a economia global enfrenta uma confluência de riscos que podem desacelerar a atividade econômica no curto prazo e o desenvolvimento no longo prazo. Estes riscos incluem, por exemplo, a diminuição do apoio a abordagens multilaterais, as tensões comerciais entre países, vulnerabilidades financeiras, como por exemplo o alto e crescente nível de endividamento em vários países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento e por último, mas não menos importante, a intensificação de riscos climáticos. Face a este cenário, são necessárias políticas que sustentem o crescimento global mas também melhorem a sua qualidade para que seja mais sustentável a longo prazo.

Para o Brasil, nós prevemos um crescimento de 2,1% para este ano e 2,5% no ano que vem.


ON: Em relação aos países lusófonos, para o Brasil, apontam uma ligeira recuperação. Pode falar sobre os motivos dessa recuperação e também relação aos outros países?

HA: Os países lusófonos estão a melhorar em termos económicos. Para o Brasil, nós prevemos um crescimento de 2,1% para este ano e 2,5% no ano que vem. Isto no seguimento de um crescimento alto decepcionante em 2019, de 1,4%. Esta recuperação será sustentada por um maior investimento privado, maior consumo das famílias e continuação de uma política monetária acomodativa e inflação moderada. Os riscos estão equilibrados, mas dependem muito de o novo governo ser capaz de implementar reformas macroeconômicas favoráveis ao mercado e conseguir restaurar a confiança. Do ponto de vista de desenvolvimento sustentável seria importante que os planos do governo para liberalizar, desregulamentar e privatizar tivessem em conta também as consequências sociais, por exemplo os povos indígenas e os mais pobres, e as consequências ambientais. Em relação a Angola, a situação está a melhorar, tivemos um crescimento de 2,4% este ano, e 3% no próximo ano, sustentado por maior procura interna. Há um aumento da produção petrolífera e de diamantes. Mas também pelos efeitos das reformas econômicas em andamento, deverá melhorar o clima dos negócios. No entanto, a performance da economia angolana depende muito da evolução do preço do petróleo, o qual prevemos que se mantenha, apesar de tudo, acima de 70 dólares este ano. Em relação a Moçambique, a economia moçambicana ainda não recuperou de vários choques negativos. Nomeadamente a descoberta de dívida oculta em 2016. Este ano prevemos que o ritmo de crescimento se mantenha igual ao do ano passado. Ou seja, 3,4%. E para o ano prevemos um ligeiro aumento para 4%. Para termos uma comparação, a economia moçambicana cresceu cerca 7% ao ano entre 2004 e 2015. A nossa previsão é baseada num crescimento moderado do consumo privado e um maior investimento direto estrangeiro. Particularmente, em megaprojetos de gás natural e liquefeito. Em termos de riscos, o maior seria sem dúvida o pesado fardo da dívida do setor público que se encontra acima de 100% do PIB e uma falta de acordo nas negociações sobre a dívida.
 

Em relação a Moçambique, a economia moçambicana ainda não recuperou de vários choques negativos. Nomeadamente a descoberta de dívida oculta em 2016.

ON: Estava a falar dos riscos globais sobre a dívida, as guerras comerciais. Esses riscos podem ter efeitos sobre esses países?

HA: Sim, podem, sem dúvida. Por exemplo o efeito das tensões comerciais entre Estados Unidos e China, caso afetem o crescimento na China de uma forma maior do que esperamos, podem afetar os países produtores de petróleo. O estado da economia global afeta muito a economia desses países.

 

ON: Outro ponto a que dão muita atenção nesse relatório é a citação da mudança climática. Por que vocês decidiram dar tanta atenção a este tema?

HA: Bem, na verdade, já fazemos isso há vários anos. Por um lado, há uma atividade econômica mais forte, mas também um número crescente de eventos climáticos extremos, com consequências graves nos países mais vulneráveis. E também maiores emissões globais de dióxido de carbono. Ora, neste ritmo não vamos conseguir realizar os objetivos do Acordo de Paris. E para mudar esta tendência, são necessárias mudanças, nomeadamente ao nível econômico. Uma mudança fundamental seria mudar a forma como geramos a energia que fomenta o crescimento econômico. Ou seja, é preciso usar menos energia provenientes de combustíveis fosseis, mas sem prejudicar a economia. Isto pode ser feito através de algumas medidas, por exemplo criar mais regras de eficiência energética, criar preços para o carbono, ou reduzir os subsídios aos combustíveis fósseis. A ideia é criar uma transição para padrões de consumo e produção mais sustentáveis para a economia e para o planeta.

Destaque ONU News Especial - Situação Econômica Mundial e Perspectivas 2019