Perspectiva Global Reportagens Humanas

Entrevista: José Ramos Horta

Entrevista: José Ramos Horta

Baixar

O enviado especial da ONU para a Guiné-Bissau, José Ramos Horta, afirmou que não pode mais haver impunidade no país.

O ex-presidente do Timor Leste fez a declaração em entrevista à Rádio ONU, logo depois de pronunciamento no Conselho de Segurança sobre a situação no país africano.

Segundo ele, “não se pode fazer golpes e depois esperar a anistia.”

Para o representante do Secretário-Geral, a saída da crise vai acontecer apenas através do diálogo entre os políticos e os militares.

Ramos Horta disse ainda que a situação agora na Guiné-Bissau está bem melhor depois da onda de violência registrada há algumas semanas.

Ele disse que alertou o Conselho de Segurança sobre a questão das violações dos direitos humanos no país africano. Segundo Ramos Horta, o órgão está preparado para adotar ações direcionadas contra pessoas ou instituições que estão agindo fora da lei.

O enviado especial da ONU acredita que com o forte envolvimento da comunidade internacional será possível realizar as eleições em março de 2014.

Escute a entrevista com Edgard Júnior

Duração: 7'27"

Transcrição da íntegra da entrevista com José Ramos Horta

Rádio ONU: Como está a situação na Guiné-Bissau?

José Ramos Horta: A situação neste momento está muito mais calma ao contrário de duas semanas atrás, um mês, quando houve atos de violência, por exemplo, contra a Embaixada da Nigéria, linchamento de um inocente cidadão nigeriano. Mais recentemente, o espancamento de um ministro. Mas nada destes casos sobretudo os últimos casos dos

José Ramos-Horta, representante de Ban Ki-moon na Guiné Bissau. Foto: ONU/Evan Schneider ataques à Nigéria e o caso do linchamento do ministro apresentam obviamente um agravamento da situação em todo o país. Estes incidentes acontecem sobretudo na capital da Guiné-Bissau. Alguns têm motivação política, outros têm motivação em origem em disputas de influência ou dinheiro entre partidos políticos. Nem todos os males na Guiné-Bissau são provocados pelos militares. Infelizmente, há grupos armados, milícias que algumas vezes agem usando uniformes. Então as pessoas pensam que são elementos militares. Daí que os militares anunciaram há pouco tempo que vão fazer maior vigilância e vão agir contra elementos que abusivamente usam fardamento militar e fazem assaltos à casas etc.

Para além disso, obviamente há outros problemas. Problemas fortes de dissidências internas nos partidos, o Paigc, o PRS e que torna difícil prevermos uma transição pacífica. Vamos continuar a trabalhar com eles, com esses partidos, vamos continuar a encorajá-los a sentarem-se à mesa e celebrar o pacto de regime antes das eleições para que possam após as eleições formar um governo de grande inclusão que envolva todos. Que não haja perdedores só vencedores para que juntos possam reconstruir o seu país. Isso é muito fácil de dizer, eu sei. Mas difícil de fazer quando estamos em face a uma sociedade com 40 partidos políticos, com dissidências dentro de cada partido. Mas enfim, é nossa obrigação. É  por isso que estamos lá porque é difícil. Porque há problemas é que a ONU tem lá uma Missão. Não é para desarnimarmos, há situações bem piores em vários pontos da África que em Guiné-Bissau. 

Não há um conflito, não há uma guerra de base étnico-religiosa a decorrer na Guiné-Bissau. Há tensões dentro de alguns partidos. Há tensões entre alguns políticos e militares. Há tensões dentro dos militares, mas não há uma guerra como há na República Centro-Africana, por exemplo, ou na Síria, na Líbia, na Somália etc. Daí que acredito que com forte envolvimento da comunidade internacional através do poder de dissuasão, de diálogo, vamos realizar as eleições em março, a seguir  organizar uma conferência de doadores para financiar o país, para que Guiné-Bissau possa entrar num outro capítulo de sua vida.

RO: Presidente, quanto às violações dos direitos humanos. O que o sr. acha que pode ser feito para que isso seja reduzido?

JRH: Eu alertei o Conselho de Segurança para o fato de que o Conselho tem mecanismos de dissuasão. Em relação aos elementos na Guiné-Bissau em certas instituições de segurança que têm agido com muita prepotência. Eles detêm pessoas, interrogam, quando não é o papel deles. Uma inteligência militar é para informar à chefia militar de questões que tenham a ver com a segurança nacional do país etc. Um serviço de inteligência do governo do Estado é para informar sobre ameças à integridade do país, à independência, soberania do país ou alertar sobre crime organizado como a droga. Não é para estarem a perturbar jornalistas, gente da sociedade civil. Não é para estarem a intimidar políticos. Não é para irem ao aeroporto questionar qualquer pessoa que chega, um dissidente político, que não cometeu crime político nenhum. Levam a pessoa por 10 horas, 12 horas. Isso não é o papel da inteligência. O Conselho de Segurança está preparado a tomar medidas se for necessário, se houver repetição desta prepotência em relação a pessoas ou instituições que estão sistematicamente a agir fora da lei. A lei da Guiné-Bissau é clara, a constituição é clara. E o que eles estão a fazer é violar. Terão que ter cautela porque o Conselho de Segurança poderá tomar medidas rigorosas. Do tipo sanções direcionadas contra eles.

RO: Presidente, como o sr. vê a proposta de anistia aos  responsáveis pelo golpe do ano passado? 

José Ramos Horta Foto: ONU/Mark Garten JRH: Eu acho que é necessário uma mensagem clara que não pode haver mais impunidade na Guiné-Bissau. Não se pode fazer golpes e depois esperar anistia. Mas é uma matéria para os políticos da Guiné-Bissau. É matéria para todos dialogarem e ver como encontrar um equilíbrio entre a necessidade de pôr fim à impunidade e aos golpes militares, mas ao mesmo tempo permitir aos militares encontrar uma saída com os civis para esta crise. E a saída da crise passa via diálogo entre os políticos e os militares. Os militares são uma realidade do país, fazem parte da história do país, são também fonte do problema. Então é necessário o diálogo franco, como irmãos, entre os militares e os políticos para encontrar um melhor equilíbrio, uma melhor solução neste quadro de proposta de lei de anisita.

RO: Presidente Ramos Horta, muito obrigado pela sua entrevista à Rádio ONU.

JRH: Obrigado. Felicidades para vocês.