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Entrevista: Jennifer Topping

Entrevista: Jennifer Topping

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As Nações Unidas em Moçambique iniciam, este ano, um novo ciclo de apoio ao país, com a particularidade de todas as agências apresentarem um único programa. A ideia, conta a Coordenadora Residente das Nações Unidas, Jennifer Topping, é reduzir complexidades administrativas e concentrar o apoio nas necessidades urgentes do desenvolvimento. O ciclo em referência deverá cobrir o período 2012-2015.

Acompanhe a entrevista. Tempo: 14´18´´

Amâncio Miguel, de Maputo para a Rádio ONU.

Em que contexto socioeconómico as Nações Unidas iniciam este novo ciclo de apoio a Moçambique?

Jennifer Topping: Olhamos agora para o país num contexto muito positivo, porque a visão socioeconómica de Moçambique tem muitas oportunidades para o futuro. A base dessa visão é um país que mudou muito recentemente – de um conflito (armado), pobreza absoluta alastrada e uma situação de disparidades no acesso aos serviços (uma minoria da população em vantagem) e uma grande parte sem acesso. A nossa visão é baseada na necessidade de reduzir a pobreza e continuar a desenvolver a parte social, mas olhando para o futuro com muito otimismo e oportunidades.

Diz que há melhorias em várias áreas. Pode elaborar mais?

JT: O que notámos,  nos últimos 20 anos, é muita melhoria nas áreas sociais – extensão da cobertura da rede escolar, o acesso à  educação básica, que melhorou muito, e os serviços sociais - indicadores  como a taxa de mortalidade materna e infantil. Mas há ainda trabalho para atingir os Objetivos  de Desenvolvimento do Milénio.  Moçambique está num bom caminho. É nosso papel continuar a apoiar os atores nacionais para atingirem esses indicadores.

Haverá alguma disparidade que é particularmente preocupante?

JT: Não estamos focalizados em nenhuma disparidade singular. O nosso programa das Nações Unidas para 2012-2015 é baseado no princípio de reduzir as disparidades em três áreas principais – disparidades sociais, económicas e governação. Deste grupo, estamos a fazer uma análise para priorizar as mais importantes para reduzir a pobreza.

Na área social, há diferentes partes do país com disparidades. Há alguns distritos que não têm o mesmo acesso aos serviços de saúde ou com uma baixa produção agrícola. Estamos a fazer o plano para tentarmos nos concentrar na redução dessas disparidades de uma maneira mais acelerada.

Com várias agências e agendas, como é que se organizam para apoiar o pais de uma forma mais sistematizada?

JT: Felizmente, Moçambique é um dos países que foi escolhido e voluntariou-se para fazer parte de um programa piloto de reforma, em 2007. Trata-se do Delivering as One, programa de reforma, que pretende melhorar a coerência, coordenação e unificação do sistema das Nações Unidas ao nível dos países.

Moçambique é um dos oito países que investiram muito em metodologias, programas e a priorização de sistemas, que fortalecem a coordenação das várias agências. Por exemplo, nos anos 1990, depois da paz, tivemos um sistema grande das Nações Unidas. Mas todas as vinte e tal agências trabalhavam individualmente nos vários sectores, sem uma ligação, por exemplo, entre a área da criança e desenvolvimento rural, ou rural e governação.

Agora formulamos um único programa – todas as vinte e tal agências estão num único programa e temos a parceria com o Governo para apoiar as prioridades nacionais de forma mais eficiente. Eles têm um único ponto de contacto, o que torna mais efetiva e fácil a resposta às prioridades ao nível local. Temos programas, por exemplo, na área de agricultura, que juntam os esforços da FAO, PMA e Ifad de uma maneira mais eficiente.

E como é que é juntar diferentes agências, cada uma com o seu mandato, relevância?

JT: As agências continuam especializadas nas suas áreas. Esse é um grande valor do sistema das Nações Unidas. Temos partes do sistema que tem especialização, como a OMS, na saúde; ou a  OIT, no trabalho. Esta concentração mantem-se.

Mas o que sabemos agora é que o desenvolvimento não é um assunto sectorial, ou específico de uma área única. É mais um aspeto social e económico da interação desses aspetos – do emprego e assuntos da juventude, etc. Juntando estas especializações temos melhor impacto.

Será isso fácil?

JT: (Risos...) Nada. Era bastante complicado no início, porque não tinhamos uma prática, uma história de ter esta colaboração. Os sistemas de cada agência eram únicos, independentes. Quando tentamos juntar o nosso trabalho vimos que algumas regras não eram compatíveis. Mas depois de algum tempo, agora temos muita aprendizagem sobre como nos concentrarmos num resultado que partilhamos como prioridade de desenvolvimento, e como podemos apoiar a implementação do programa para melhorar a situação de uma maneira mais eficiente.

Mas não é só uma questão de mudar todas as regras para ficar um pacote único, as vezes implica deixarmos uma agência tomar a liderança na atividade em nome de outras (…) as vezes é mais eficiente. Há muita flexibilidade, mas vem na base de uma resposta mais coordenada.

Haverá algum resultado que queira partilhar?

JT: Tive a oportunidade de visitar um programa ao nível provincial, em Manica especificamente. É um programa conjunto que tem o objetivo de melhorar a produtividade no sector agrícola a nível muito local das associações agrícolas com base numa metodologia chamada cadeia de valores. O objetivo é dar mais valor a essa cadeia. Antigamente, a produtividade das associações tinham um certo nível, mas descobrimos que tiveram dificuldades de acesso ao crédito, acesso ao mercado, segurança na colocação dos seus produtos no mercado, além da vulnerabilidade no armazenamento dos produtos, etc. Este programa conjunto reuniu os serviços especializados da FAO, em termos de qualidade de produção agrícola (sementes, técnicas agrícolas); o papel do PMA na garantia da ligação com o mercado - o PMA compra produtos agrícolas no país, já não importa mais para distribuir localmente, tal como acontecia na fase humanitária. Então assim, eles oferecem mais uma garantia de mercado; e o Ifad tem um sistema de financiamento de crédito, que pode oferecer às associações de uma maneira mais segura, acessível. Com todos esses três aspetos da cadeia de valores significa o nível de produção aumentou, a qualidade de produção aumentou, o acesso ao mercado é mais seguro e as percas nos produtos, por causa do armazenamento, baixaram muito.

Na totalidade, este processo resultou no aumento da produção, ao nível familiar, dos membros das associações, em 50%, o que é bastante para uma família que precisa de aumentar não só a renda, mas também o dinheiro para comprar as sementes para um novo ciclo, ter uma capacidade de poupança e melhorar a resiliência para o ciclo seguinte. É um exemplo muito forte.

Trabalhando isoladamente isso não teria sido possível?

JT: Sozinha, a FAO tem a capacidade de ajudar de uma maneira muito forte a extensão agrícola, mas não tem este sistema de ajudar com a garantia de mercado e também não tem o serviço de crédito como o Ifad. Então, juntando as três agências foi possível realizar esta cadeia de valores.

Como é que o governo e sociedade civil encaram esta abordagem?

JT: Toda a informação dos nossos parceiros do governo e sociedade civil é muito positiva. A mensagem que nos dão é que agora as Nações Unidas são muito mais organizadas, mais eficientes como parceiros.