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Como negra, não tive a chance de conhecer minhas origens, diz filósofa Djamila Ribeiro

Feminista, filósofa e jornalista negra brasileira, Djamila Ribeiro
ONU News/Monica Grayley
Feminista, filósofa e jornalista negra brasileira, Djamila Ribeiro

Como negra, não tive a chance de conhecer minhas origens, diz filósofa Djamila Ribeiro

Direitos humanos

Professora brasileira falou à ONU News após discursar na Assembleia Geral para marcar o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Escravos; escritora lembra que outros grupos que imigraram para o Brasil tiveram sua história preservada.

As Nações Unidas realizaram, nesta segunda-feira, uma cerimônia na Assembleia Geral em memória das vítimas da escravidão e do comércio de escravos. 

Participaram do evento o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o presidente da Casa, Csaba Korosi, que defendeu o modelo da educação para conscientizar as gerações presentes e vindouras dos horrores do comércio transatlântico que escravizou por mais de 400 anos homens, crianças e mulheres. 

“Nós negros brasileiros temos um buraco” 

Korosi afirmou que foram mais de 15 milhões de vítimas que tiveram sua identidade roubada. 

A filósofa brasileira Djamila Ribeiro discursou no evento. Ela foi a primeira brasileira a falar numa cerimônia sobre o Dia Internacional, marcado em 25 de março.  

Nesta entrevista à ONU News, após o discurso, em Nova Iorque, a escritora afirmou que como negra, não lhe foi dado o direito de saber de onde veio. 

“Entre os negros, falando do contexto brasileiro, como a gente foi apartado da nossa identidade, isso dificultou muito com o que a gente se entendesse. Houve quase 300 anos de escravidão, depois queimam-se os documentos referentes à escravidão. Eu não sei, por exemplo, de onde meus antepassados vieram. Então quando a gente não sabe de onde a gente veio, é muito mais fácil a gente ir para onde dizem que a gente tem que ir. Nós, como negros brasileiros, a gente tem esse buraco porque um descendente de italiano no Brasil, muitas vezes, ele sabe, descobre, ele tira a cidadania italiana. Eu queria poder tirar a cidadania não sei de Gana, da Nigéria. Mas eu não sei de onde meus ancestrais vieram.” 

A filósofa brasileira acredita que na busca pela memória, muitos africanos acabaram criando um mito de uma “África romantizada” que tampouco traduz a realidade de seus próprios contextos. 

Mulheres locais se reúnem em um rio em Mucheni, Zimbábue
Brent Stirton/Getty Images para FAO
Mulheres locais se reúnem em um rio em Mucheni, Zimbábue

"Precisamos nos aproximar da África"

“E isso pra gente é algo muito doloroso. A forma como o Estado brasileiro lida com essa questão da memória, destruindo, apagando.  Então, a gente teve que reconstruir e, muitas vezes, a gente acabou romantizando uma África. Criando uma África mítica. Não entendendo que em África também tinham seus conflitos. São 55 países. Culturas diferentes, línguas diferentes. Então, como brasileiro, muitas vezes, a gente acabou romantizando, o que é compreensível, mas que também não pode acontecer. Eu acho que é necessário mais essas aproximações. A gente precisa estar mais próximos, eu acho, enquanto povo negro na diáspora de povo negro que quer entender as suas origens.  

Só fui saber as minhas origens, mais ou menos, por teste genético. E aí deu que eu sou 80% da Nigéria. Mas eu não tenho quem procurar, na Nigéria, da minha árvore genealógica. Então, acho que é importante que a gente dialogue mais. Que a gente possa dialogar mais. 

Mas acho que a colonização também dificulta isso porque cada país fala um idioma. No Brasil, a gente tem dificuldade de aprender outros idiomas. Você só aprende um idioma se você tiver dinheiro para pagar. Isso dificulta também com a que gente dialogue. 

Acho que a gente precisa ter mais diálogo e conhecer mais a história.  Acho que nós, enquanto brasileiros, precisamos conhecer mais a história de África, dos países africanos. A gente tem tanta resistência a religiões de matriz africana, que estão lá presentes. E não tem como a gente não fazer isso. E geralmente, o brasileiro vai olhar para a Europa, para os Estados Unidos. Eu acho que os Estados Unidos têm bastante coisas interessantes, tem várias lutas, mas acho que a gente precisava olhar mais para o continente africano.”  

Djamila Ribeiro foi professora universitária e escreveu vários livros. Ela lidera uma editora que publica autores brasileiros e de outros países. 

O seu primeiro livro “Lugar de Fala” está sendo traduzido para o inglês e deve estar pronto ainda este ano pela editora da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.