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Em Davos, Guterres diz que mundo está no olho de um grande furacão

Secretário-geral da ONU, António Guterres, discursa no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.
© Fórum Econômico Mundial
Secretário-geral da ONU, António Guterres, discursa no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.

Em Davos, Guterres diz que mundo está no olho de um grande furacão

Desenvolvimento econômico

Secretário-geral da ONU chamou atenção para desafios do clima, perspectivas sombrias com crise econômica global e aprofundamento da divisão Norte-Sul, entre outros alertas.

O secretário-geral António Guterres discursou, nesta quarta-feira, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. O evento anual reúne líderes empresariais e governamentais de todo o mundo.

O chefe das Nações Unidas disse que “estamos contemplando o olho de um furacão de categoria 5”, ao descrever uma crise econômica global a curto prazo e perspectivas sombrias para o mundo.

Mercados emergentes e países de baixa renda são os mais desafiados pela inflação
FMI//Saiyna Bashir
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Crises globais

António Guterres citou a recessão, que muitos países estão enfrentando, e a desaceleração global. Ele destacou o aprofundamento das desigualdades e a crise do custo de vida que afeta principalmente mulheres e meninas.

O secretário-geral citou as interrupções na cadeia de suprimentos, a crise de energia, os preços crescentes, aumento das taxas de juros e inflação. A lista também inclui níveis de endividamento de países vulneráveis e os efeitos prolongados da pandemia.

Para Guterres, a Covid-19 ainda sobrecarrega as economias, e o mundo segue despreparado para as pandemias do futuro.

Desafio do clima e a grande mentira do combustível fóssil

Ao falar das crescentes emissões de gases de efeito estufa, em níveis recordes, e do que chamou de falta de compromisso de limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC, Guterres citou consequências arrasadoras.

Segundo ele, “os produtores de combustíveis fósseis estavam plenamente conscientes na década de 1970 de que seu principal produto estava tostando nosso planeta”, mas assim como a indústria do tabaco, “eles passaram por cima de sua própria ciência”.

Para Guterres, esses empresários venderam uma grande mentira e devem ser responsabilizados, lembrando que, ainda hoje, “os produtores de combustíveis fósseis e seus facilitadores ainda estão correndo para expandir a produção, sabendo muito bem que esse modelo de negócios é inconsistente com a sobrevivência humana”.

O secretário-geral também citou a invasão russa da Ucrânia, “não apenas pelo sofrimento incalculável do povo ucraniano, mas por suas profundas implicações globais”, como os preços globais de alimentos e energia e a segurança nuclear. Para ele, todos esses desafios estão interligados.

Mundo precisará reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em mais de 40% para cumprir metas mais ambiciosas do Acordo de Paris
Banco Mundial/Scott Wallace
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Duas maiores economias do mundo

Ao abordar níveis mais graves de divisão geopolítica, como a divisão Leste-Oeste, que ele chama de “Grande Fratura”, a dissociação das duas maiores economias do mundo, ele alertou que essa divisão criaria “dois conjuntos diferentes de regras comerciais, duas moedas dominantes, duas internets e duas estratégias conflitantes de inteligência artificial”.

De acordo com o FMI, dividir a economia global em dois blocos poderia reduzir o Produto Interno Bruto, PIB, global em US$ 1,4 trilhão.

Para ele, é essencial que Estados Unidos e China tenham um engajamento significativo em clima, comércio e tecnologia para evitar a dissociação das economias ou mesmo a possibilidade de confronto futuro.

Países do Sul-Global

O chefe da ONU também mencionou a divisão Norte-Sul, que está se aprofundando, citando “frustração e raiva” do Sul Global sobre a grande desigualdade na distribuição de vacinas, recuperação da pandemia, a crise climática e a falta de recursos financeiros para responder ao desafio.

E, por fim, “frustração e raiva por um sistema financeiro moralmente falido no qual as desigualdades sistêmicas estão ampliando as desigualdades sociais”.

Para Guterres, os países em desenvolvimento precisam de acesso a financiamento para reduzir a pobreza e a fome e promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por isso, ele apelou ao G20 por um Plano de Estímulo ODS global que fornecerá apoio aos países do Sul Global, pedindo “uma nova arquitetura de dívida”.

Jovens ativistas da sociedade civil enviando uma mensagem aos negociadores no centro de conferências COP27 enquanto a conversa se prolongava em Sharm el-Sheikh, Egito.
Kiara Worth
Jovens ativistas da sociedade civil enviando uma mensagem aos negociadores no centro de conferências COP27 enquanto a conversa se prolongava em Sharm el-Sheikh, Egito.

Fundos para o clima

Sobre o financiamento climático, o secretário-geral da ONU disse que os recursos para adaptação devem ser dobrados, como foi prometido em Sharm El-Sheikh, durante a Conferência sobre Mudança Climática.

E que os países do G20, maiores emissores, devem se unir em torno de um Pacto de Solidariedade Climática com esforços extras nesta década para manter vivo o limite de 1,5º. C.

António Guterres criticou os critérios duvidosos e obscuros dos compromissos de liquidez zero de algumas empresas, que podem enganar consumidores, investidores e reguladores com falsas narrativas.

Para ele, isso alimenta uma cultura de desinformação e confusão sobre o clima e deixa a porta aberta para o greenwashing, uma falsa promessa de proteção ambiental. E é por isso que a ONU criou um Grupo de Especialistas em Compromissos com Zero Líquido. Recentemente, o grupo publicou um guia prático para promessas confiáveis e responsáveis.

Zerar emissões de gases de efeito estufa

Ao final de seu discurso, o secretário-geral da ONU pediu aos líderes corporativos que apresentem, antes do fim deste ano, planos de transição críveis e transparentes sobre como atingir a liquidez zero.

Para ele, a transição para a liquidez zero tem que ser fundamentada em cortes reais de emissões, e não depender essencialmente de créditos de carbono ou mercados paralelos.

Guterres alertou que a ação do governo é essencial, “mesmo que obviamente não seja suficiente”, reconhecendo que, de muitas maneiras, “o setor privado hoje lidera, mas é, até certo ponto, prejudicado pela ação do governo ou pela falta de ação do governo”.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODSs, nos cartazes em Times Square
Foto: ONU/Manuel Elias
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Engajamento do setor privado

Para ele, “os governos precisam criar ambientes regulatórios e de estímulo adequados para apoiar o setor privado, em vez de manter regras, subsídios e outras formas de ação que minam os esforços do setor privado para avançar na ação climática”. E os modelos e práticas de negócios devem ser reformulados para promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

O chefe da ONU acredita que, sem criar as condições para o engajamento massivo do setor privado, será impossível passar dos bilhões para os trilhões necessários para alcançar os ODS, expandir as oportunidades econômicas para as mulheres, garantir maior engajamento e cooperação para a equidade vacinal, e alcançar a segurança alimentar global.