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Especial: uma em cada três mulheres sofre violência sexual ou física no mundo

Imagem da campanha do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres
ONU Mulheres
Imagem da campanha do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres

Especial: uma em cada três mulheres sofre violência sexual ou física no mundo

Mulheres

Ativista Maria da Penha, que tem seu nome em lei que protege mulheres no Brasil, quer mais proteção de vítimas no país; especialistas lusófonos falam do 25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres.

“Uma mulher estava grávida de oito meses, na discussão, esse companheiro deu um chute na barriga dela, acelerou o parto, a menina nasceu, nós começamos a atender ela depois do nascimento da filha, e quando a gente chega lá, nas costas desta menina, um bebezinho, tinha marca, do solado, do tênis dele. Certinho.”

Esse é apenas um dos casos com que a major brasileira Denice Santiago lida diariamente no trabalho.

“Parece até coisa de TV, mas foi fato. E estava lá, nas costas dela, aquela marquinha, que nos ajuda até hoje a refletir de como perversas estas relações podem ser. Ele bateu na mãe, mas a marca, a marca ficou na filha.”

Denice Santiago é comandante da Ronda Maria da Penha em Salvador, no Brasil. A unidade da Polícia Militar foi criada em 2015, e hoje protege mais de 3 mil mulheres em situação de violência doméstica.

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Crise

Este domingo, 25 de novembro, é o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres.

De acordo com a ONU, uma em cada três mulheres no mundo sofrem violência sexual ou física, a maior parte por seus parceiros. Esta é a violação mais comum de direitos humanos, mas também a menos denunciada.

No mundo, cerca de 38% dos assassinatos de mulheres são cometidos pelos seus maridos ou namorados. Um tipo de violência que pode ser prevenido.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a violência contra mulheres e meninas é uma pandemia global.

Para o líder da ONU, esta é uma questão de direitos humanos fundamentais. Ele lembrou que a “violência pode assumir muitas formas, da violência doméstica ao tráfico, da violência sexual em conflito ao casamento infantil, mutilação genital e feminicídio.”

Dependência

Além de ajudar a manter as vítimas em segurança e trabalhar para punir os agressores, Denice Santiago explica que o seu grupo também trabalha em prevenção e mudança de mentalidades. 

“Essa mulher pode ter uma dependência financeira deste homem. Ela pode, muito embora 79% das mulheres que eu protejo hoje são mulheres que são responsáveis pelo sustento do lar. A dependência financeira, para mim, não é o preponderante em uma relação de violência, mas eu acredito muito na dependência cultural de mulheres que foram criadas, foram condicionadas, foram forjadas a terem um marido como referência de sucesso de vida.”

Maria da Penha

Ativista Maria da Penha
Ativista Maria da Penha, by Cortesia Maria da Penha

A iniciativa em que a Denice trabalha leva o nome de uma vítima que ficou conhecida no Brasil. Nos anos 80, Maria da Penha sofreu duas tentativas de assassinato pelo marido. 

“Ele premeditou um assalto, e atirou nas minhas costas enquanto eu dormia, só que a versão que ele disse na época, fez todo mundo acreditar, e eu também, de que havia tido um assalto em casa. Depois, passei quatro meses no hospital, e quando eu voltei, eu sofri uma segunda tentativa, de homicídio, através de um chuveiro elétrico, propositadamente danificado por ele.”

Por quase 20 anos, Maria da Penha lutou por justiça. Em 1998, o caso chegou na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em 2001, a instituição determinou que o país prendesse o agressor e recomendou que fossem garantidas mais medidas de proteção legal para as mulheres.

Cinco anos depois da condenação internacional, em 2006, o Congresso Nacional brasileiro aprovou a lei 11340, a chamada Lei Maria da Penha.

Em entrevista à ONU News, a brasileira disse que em 12 anos de lei, muitas mulheres conseguiram sair de uma situação de violência por causa dessa legislação. Ao mesmo tempo, ela se preocupa com a situação atual.

“Ultimamente o número de feminicídios tem aumentando e isso nos preocupa muito. Porque este número de feminicídios aumentou? Porque as mulheres não estão encontrando as políticas públicas necessárias para denunciar. Este número de feminicídios aumentou porque é necessário que o governo invista mais nas políticas públicas que façam com que a lei saia do papel e funcione na realidade.”

Maria da Penha fala sobre Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres

Problema Mundial

De acordo com um relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, Cepal, o Brasil liderou a lista de feminicídios entre 23 países da América Latina e do Caribe em 2017. Foram 1.333 vítimas confirmadas.

A ONU afirma que a América Latina abriga 14 dos 25 países onde o feminicídio é mais comum. Cerca de 12 assassinatos motivados pelo gênero ocorrem na região a cada dia, a maioria usando armas de fogo. As leis não garantem justiça para 98% das vítimas.

Mas este é um problema global. A ONU Mulheres informa que 49 países no mundo ainda não têm leis que protegem as mulheres da violência doméstica.  Menos de 40% das vítimas procuram algum tipo de ajuda.

Homens

Em Moçambique, a situação também é um problema. Em 2009, surgiu a ONG Hopem - Rede de Homens pela Mudança, com o objetivo de envolver a população masculina nestes temas.

Mulheres no México enfrentam riscos enormes por lutar por esses direitos.
Mulheres marcham no México contra feminicídeo. América Latina abriga 14 dos 25 países onde o crime é mais comum, by Gustavo Martínez Contreras

A ONU News conversou com o gestor da Hopem, Gilberto Macuácua, que lembrou as dificuldades que a ONG teve no início.

“Nos primeiros cinco anos da nossa existência, havia ainda pessoas a questionar, sejam homens ou mulheres, a razão da nossa existência. Como é que homens aparecem a dizer que vêm participar nesta luta contra a violência? Hoje já temos um cenário diferente. Temos um movimento crescente de homens que aparecem para dizer não à violência, aparecem a se mostrar inconformados com a situação atual.”

Gilberto Macuácua diz que a grande dificuldade continua a ser trazer os homens para este combate.

“A ideia é tentarmos, pelo menos, os homens perceberem, que a violência é um problema. Então houve um trabalho muito forte para que os homens percebessem que é um problema. E segundo, sendo um problema, os homens são parte desse problema. Então há uma necessidade toda de participarem, como parte da solução. Já há essa consciência quando andamos em Maputo em diálogos que promovemos com os homens.”

Prevenção

A presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, Alexandra Silva, concorda que é preciso envolver os homens no combate à violência contra a mulher. A especialista disse que movimentos como o #MeToo também ajudam a combater este problema.

Mulheres festejam os 200 anos da Ilha de Moçambique.
Em Moçambique, há uma ONG sobre o tema dedicada aos homens, by Foto: Ouri Pota.

“O que nós assistimos, eu acho que isto resulta do movimento global muito desencadeado pelo movimento o #MeToo onde de facto mais pessoas com capacidade de influência da opinião pública vêm também contar alguns episódios de violência a que foram sujeitas. Nesse sentido, julgo que há uma maior consciência perante a violência contra as mulheres. Mas se aumenta ou não o número de queixas não tem tido esse impacto. Aumentou sim ao nível da procura de informação junto das associações de mulheres, de organizações e serviços que prestam serviço às vítimas.”

Uma das celebridades que tem falado sobre o tema é Juliana Paes. A atriz brasileira participa na campanha Dia Laranja, que lembra estas mulheres no dia 25 de todos os meses.

“Eu sou Juliana Paes e todo o dia 25 eu uso a cor laranja pelo fim da violência contra as mulheres. É quando me uno a milhões de mulheres e de homens de todo o mundo. Dia laranja pelo fim da violência contra as mulheres é o momento para você fazer ações de prevenção a violência contra as mulheres em casa, na comunidade, na empresa, na escola. Manifeste o seu apoia a essa causa e colabore para mudar a consciência das pessoas.”

Episódio Destaque Laranja

Mentalidades

Denice Santiago, da Ronda Maria da Penha, no Brasil, diz que aprendeu muito nas ruas de Salvador ao lidar com tantas mulheres. Para ela, romper barreiras culturais é mais complexo do que se imagina, mas o mais importante é nunca julgar uma vítima.

“Quando uma amiga, irmã, parente, vizinha, vier a você e explicar que está sofrendo de violência doméstica, dê a ela a melhor coisa que a gente pode dar a outro ser humano, que é o respeito. Não a critique, não a julgue, não desdenha do problema dela, dê a ela o seu respeito. Às vezes o seu abraço, e a sua escuta. Porque assim, você não vai estar fazendo uma nova violência contra ela e assim, talvez você ajude muito mais.”